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Cuba, Venezuela e Nicarágua: O conflito EUA-Rússia entra em uma nova fase

Um soldado ucraniano mantém guarda em um prédio fora de Zolote, Ucrânia, em 03 de fevereiro de 2022 [Wolfgang Schwan/Agência Anadolu]

Assim que Moscou recebeu uma resposta americana às suas demandas de segurança na Ucrânia, respondeu indiretamente anunciando uma maior integração militar entre si e três países sul-americanos, Nicarágua, Venezuela e Cuba.

A resposta de Washington, em 26 de janeiro, às exigências da Rússia de retirar as forças da OTAN da Europa Oriental e encerrar as negociações sobre uma possível adesão de Kiev à aliança liderada pelos EUA foi evasiva.

Por sua vez, os EUA falaram de ‘um caminho diplomático’, que atenderá às demandas russas por meio de ‘medidas de construção de confiança’. Para a Rússia, essa linguagem indescritível é claramente um fracasso.

Nesse mesmo dia, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, anunciou, diante da Duma, o parlamento russo, que seu país “acordou com os líderes de Cuba, Venezuela e Nicarágua para desenvolver parcerias em diversas áreas, incluindo a intensificação militar colaboração”, informou o Russia Today.

O momento desse acordo dificilmente foi uma coincidência, é claro. O vice-ministro das Relações Exteriores do país, Sergey Ryabkov, não hesitou em vincular a mudança ao conflito Rússia-OTAN. A estratégia da Rússia na América do Sul poderia potencialmente “envolver a Marinha Russa”, se os EUA continuarem a “provocar” a Rússia. De acordo com Ryabkov, essa é a versão russa do “estilo americano (de ter) várias opções para sua política externa e militar”.

Agora que os russos não escondem os motivos por trás de seu engajamento militar na América do Sul, chegando a considerar a opção de enviar tropas para a região, Washington está sendo obrigado a considerar seriamente a nova variável.

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Embora o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, tenha negado que a presença militar russa na América do Sul tenha sido considerada nas recentes negociações de segurança entre os dois países, ele descreveu o acordo entre a Rússia e os três países sul-americanos como inaceitável, prometendo que os EUA reagiriam “decisivamente” a tal cenário.

A verdade é que esse cenário já se desenrolou no passado. Quando, em janeiro de 2019, os EUA aumentaram sua pressão sobre o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para conceder o poder a Juan Guaidó, apoiado pelos EUA, um golpe parecia iminente. Caos nas ruas de Caracas e outras cidades venezuelanas, cortes de energia em massa, falta de alimentos e suprimentos básicos, tudo parecia parte de uma tentativa orquestrada de subjugar a Venezuela, que há anos defende um discurso político baseado em países sul-americanos independentes e bem integrados.

Durante semanas, Washington continuou a apertar as válvulas de pressão impondo centenas de ordens de sanção contra entidades, empresas estatais e indivíduos venezuelanos. Isso levou à decisão de Caracas de romper os laços diplomáticos com Washington. Por fim, Moscou interveio, enviando em março de 2019 dois aviões militares cheios de tropas e equipamentos para impedir qualquer possível tentativa de derrubar Maduro. Nos meses seguintes, empresas russas afluíram para ajudar a Venezuela a sair de sua crise devastadora, instigando outro conflito EUA-Rússia, em que Washington recorreu à sua arma favorita, sanções, dessa vez contra empresas petrolíferas russas.

A razão pela qual a Rússia está interessada em manter uma presença geoestratégica na América do Sul se deve ao fato de que um papel russo mais forte naquela região é cobiçado por vários países que estão desesperados para afrouxar o controle de Washington sobre suas economias e instituições políticas.

Países como Cuba, por exemplo, confiam muito pouco nos EUA. Depois de algumas décadas de sanções levantadas contra Havana durante o governo Obama em 2016, novas sanções foram impostas durante o governo Trump em 2021. Essa falta de confiança nas mudanças de humor político de Washington faz de Cuba o aliado perfeito para a Rússia. A mesma lógica se aplica a outros países sul-americanos.

Ainda é cedo para falar com certeza sobre o futuro da presença militar da Rússia na América do Sul. O que fica claro, porém, é o fato de que a Rússia continuará a construir sua presença geoestratégica na América do Sul, que também é fortalecida pela maior integração econômica entre a China e a maioria dos países sul-americanos. Graças à dupla guerra política e econômica dos EUA em Moscou e Pequim, ambos os países fortaleceram sua aliança como nunca antes.

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Com que opções essa nova realidade deixa Washington? Não muitas, especialmente porque Washington, há anos, não conseguiu derrotar Maduro na Venezuela ou convencer Cuba e outros a se juntarem ao campo pró-americano.

Grande parte do resultado, no entanto, também depende de Moscou se ver como parte de um jogo geoestratégico prolongado na América do Sul. Até agora, há poucas evidências que sugiram que Moscou esteja usando a América do Sul como um cartão temporário a ser trocado, quando chegar a hora, por concessões dos EUA e da OTAN na Europa Oriental. A Rússia está claramente assentando seus calcanhares, preparando-se para o longo prazo.

Por enquanto, a mensagem de Moscou a Washington é que a Rússia tem muitas opções e que é capaz de responder à pressão dos EUA com igual ou maior pressão. De fato, se a Ucrânia é o limite da Rússia, então a América do Sul – que caiu sob a influência dos EUA desde a Doutrina Monroe de 1823 – é o limite hemisférico dos próprios EUA.

À medida que a trama se complica na Europa Oriental, o movimento da Rússia na América do Sul promete adicionar um novo componente que tornaria quase impossível um cenário ganha-perde em favor dos EUA e da OTAN. Um resultado alternativo é que a aliança liderada pelos EUA reconheça as importantes mudanças no mapa geopolítico do mundo e simplesmente aprenda a conviver com elas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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