Nove anos detido em um centro de imigração da Austrália, Mehdi Ali cogita o suicídio

Mehdi Ali tinha apenas 15 anos quando fez a perigosa jornada marítima em direção à Austrália, em 2013, ao fugir da perseguição étnica no Irã, como membro da minoria árabe ahwazi.

“Desde então, nove anos se passaram e continuo preso em circunstâncias cruéis em centros de detenção em terra e ao longo da costa”, relatou Mehdi.

Após outro ano perecendo no brutal sistema de imigração da Austrália, o refugiado iraniano passou seu 24° aniversário, na última semana, em uma instalação de Melbourne que abriga outros 30 requerentes de asilo detidos indefinidamente pelo governo federal — prática que contradiz de modo flagrante a lei internacional.

Contudo, foi apenas quando o tenista mais famoso do mundo — um notório antivax — teve de ser detido no mesmo hotel, que a imprensa global enfim percebeu as condições críticas impostas às pessoas pelo regime australiano. Novak Djokovic teve seu visto revogado pelos agentes de fronteira, por não cumprir os protocolos de entrada referentes ao covid-19. Transferido ao Park Hotel de Melbourne, seus pais se queixaram da “péssima” acomodação e alegaram que o filho fora tratado como um prisioneiro.

“Não é justo, não é humano”, queixou-se a mãe de Djokovic. “Suas acomodações são péssimas. É algum tipo de hotel pequeno para imigrantes, se é que realmente é um hotel. Tem muitos insetos, é tudo muito sujo, a comida é terrível!”

O presidente sérvio Aleksandar Vucic insistiu que seu governo demandou que o atleta fosse transferido daquele “hotel infame”. Djokovic foi liberado após quatro dias.

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Mehdi, no entanto, continua preso há nove anos e não sabe quanto tempo lhe resta ou qual seu próximo destino. “É uma vergonha que precisamos colocar uma celebridade em nossa posição, como refugiados, para que o mundo nos dê atenção. As pessoas descobriram que existimos somente agora porque a imprensa não fez um bom trabalho nos últimos nove anos”, observou.

Mas tenho esperanças de que a imprensa preste atenção agora, que não seja uma febre temporária, sobretudo na mídia da Austrália. Tenho esperanças de que a imprensa denuncie o governo e que o próprio Djokovic fale um pouco sobre nós, porque ele tem uma boa plataforma.

Mehdi descreveu sua rotina como “matar o tempo em confinamento rigoroso”, ao ler alguns livros, ouvir um pouco de música e dormir. Segundo seu relato, há apenas uma janela em seu quarto para dar-lhe um vislumbre da vida exterior, como uma barreira para sua liberdade.

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O The Guardian australiano reportou que, das 3.127 pessoas que pediram asilo no país entre 2013 e dezembro de 2014, todas foram enviadas a centros de detenção no exterior e mais da metade dos prisioneiros continuava em custódia em dezembro de 2020. Tais esforços custam mais de US$9.35 bilhões ao contribuinte australiano.

Apesar das solicitações de Mehdi por proteção serem formalmente reconhecidas há mais de cinco anos, em 2014, ele foi transferido a Nauru, pequena ilha no Oceano Pacífico, em campos de detenção criminosos, onde são mantidos centenas de requerentes de asilo que pretendiam aportar na Austrália. Em seguida, Mehdi foi transferido ao Park Hotel de Melbourne. A medida foi tomada dois meses após ser diagnosticado com estresse pós-traumático, devido aos abusos e maus tratos que vivenciou e testemunhou em Nauru.

Mehdi viu amigos serem espancados e assediados, presos sem qualquer razão; alguns de seus colegas cometeram autoimolação.

“Sofro de problemas mentais gravíssimos; todos sofremos”, reafirmou Mehdi. “A qualidade da comida é péssima e cada pessoa tem de ficar em seu quarto sem sequer tomar um ar. Não podemos suportar isso! Acabaram nossos meios de sobrevivência. Sofremos com o trauma e mesmo pensamentos suicidas … Eu me arrependo muito de vir, quero ir embora. Às vezes, penso que seria melhor se eu tivesse morrido no oceano”.

Ativistas pró-refugiados costumam protestar em frente ao hotel, ignorados pelos transeuntes. Contudo, a súbita chegada de Djokovic mobilizou novamente as manifestações, que buscam atrair atenção global aos requerentes de asilo e seu tratamento concedido na Austrália. Refugiados, incluindo Mehdi, rapidamente tentaram capitalizar a atenção da imprensa, ao documentar nas redes sociais as condições precárias nos centros de detenção e as lutas diárias no sistema de imigração da Austrália. Trata-se de uma forma de protesto, além de um apelo à comunidade internacional para que seu status indeterminado de custódia seja enfim superado.

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“Façam-se ouvir ao falar sobre nós, ao compartilhar nossas histórias”, destacou Mehdi. “Fale com seu parlamentar e ore por nós. Não deixe nossa história morrer”.

Até que tudo isso se resolva, ele e outros 30 refugiados esperam por sua liberdade.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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