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A importação da violência israelense para América Latina

Carregamento de armas isralenses no Golfo. Em 1991 [FDI-Israel/Wikipedia]

No dia 9 de dezembro de 2021, foi aprovado o Projeto 228/2021, que tem como principal objetivo a cooperação militar entre Israel e Brasil. Já no primeiro artigo é possível perceber como se dará essa perigosa parceria: “as partes se beneficiarem de projetos mútuos, intercambiar tecnologias e treinamento e educação em questões militares”. Esse acordo apenas oficializa a violência institucional já existente no Brasil.

A repressão por parte do Estado é hostil. Em 2015, a polícia brasileira foi a que mais matou no mundo, sendo a PM do Rio de Janeiro a com mais homicídios. Segundo o relatório da Anistia Internacional do mesmo ano, 15,6% dos homicídios brasileiros são efetuados por policias, com intercorrências de extrema violência, abuso de autoridade, além de muitos apertarem o gatilho após rendição.

O Brasil é um dos maiores compradores de tecnologia bélica israelense. As aquisições são feitas com empresas privadas e acordos fechados nas esferas institucionais. São ofertadas desde armas a treinamento dos agentes.

Caveirinha comprada da ISDS em 2013 pela polícia do Rio de Janeiro [Assuntos Militares]

Em 2011, Leo Gleser, argentino, ex-agente da Mossad (serviço secreto do Estado de Israel) fundou um escritório da sua agência, a ISDS, no Brasil, afim de entender de perto os desafios que a segurança do Rio de Janeiro enfrentava. Sua empresa já é tradicional no ramo de segurança em eventos esportivos, portanto, foi uma das contratadas para as Olimpíadas de 2016. Por diversos fatores, a ISDS passou a ser patrocinadora oficial do evento e teve seu nome estampado em diversas publicidades, o que gerou críticas de diversos grupos antissionistas e de Direitos Humanos. Muitos equipamentos que são utilizados para patrulhar e oprimir a população palestina, foram usados para segurança do evento. Todos dispondo de altíssima tecnologia.

Não apenas em grandes eventos armamentos israelenses são utilizados no Brasil. Alguns “caveirões” – carros grandes e blindados que entram nas favelas com aproximadamente 15 policias fortemente armados – foram adquiridos de empresas israelenses. Em 2009, na feira Latino-americana de equipamentos militares, o secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, junto com o embaixador de Israel, Giora Becher e o chefe de relações exteriores do exército de Israel, general Ehud Shani fecharam um acordo para compra dos veículos.

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Além do Batalhão de elite de São Paulo, mais conhecido como Rota, ter alguns “caveirões” israelenses, em agosto deste ano, o governador João Dória fez um pregão para adquirir cerca de 200 armas da empresa Israel Weapon Industries Ltda (IWI) pelo valor de 2 milhões de reais para a Polícia Civil do Estado. A IWI atua diretamente na militarização dos colonos israelenses.

Ainda sob o governo de Dória, em 2019 a CGM da cidade de Valinhos, a qual possui cerca de 130 mil habitantes, realizou um treinamento sobre a tática de tiro israelense e técnicas Krav Maga para desarmamento do oponente.

Em meio ao colapso do sistema de saúde amazonense por conta da COVID-19 em janeiro deste ano, o então governador Wilson Lima fez vista grossa para a crise humanitária e não comprou oxigênio a tempo de salvar milhares de vidas, porém gastou cerca de 167 mil dólares em armamento israelense. Segundo o político, o investimento se deu para o patrulhamento dos rios do Amazonas.

Mas não apenas para o combate do crime organizado são usadas tecnologias sionistas. Em 2019, com o rompimento da barragem no município de Brumadinho, em Minas Gerais, Israel mandou um equipamento que auxiliaria as equipes de resgate, porém, não foi muito eficiente, já que captava sinal de celular até quatro metros abaixo da superfície e muitos corpos estavam soterrados a mais de quinze. Outra repercussão recente foi a do software Cellebrite Premium, usado para tentar resgatar dados apagados nos celulares dos investigados no caso do menino Henry, brutalmente assassinado por espancamento aos quatro anos de idade pelo padrasto, ex-vereador e do Rio de Janeiro, Dr. Jairinho.

A aliança entre Brasil e Israel não é recente, e às vezes nem mesmo bilateral. Alguns acadêmicos nomeiam a relação dos sionistas com países da América Latina como trilateral, já que acontece em grande parte para atender interesses imperialistas dos Estados Unidos. Muito se fala sobre o apoio estadunidense, financeiro e bélico, nas ditaduras latino-americanas no século XX, porém Israel também teve grande contribuição fornecendo armamentos e treinamento militar.

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Um dia depois que o golpe de 64 foi dado no Brasil, o Estado israelense elogiou a agilidade com que o novo governo se instalou. A contribuição entre os países foi feita para “combater o terrorismo global”. Quatro meses depois, foi assinado o primeiro pacto nuclear entre Brasil e Israel.  As relações diplomáticas entre os países vária de acordo com governos e interesses. Durante a década de 70, as relações internacionais brasileiras se aproximaram mais dos países árabes, assim como durante o governo Lula. Mas em nenhum momento a compra de tecnologia bélica israelense foi interrompida, seja por meio de acordos institucionais ou pelo setor privado.

Também no século XX, na América Central, o apoio sionista se fez presente. Na Nicarágua, durante o período da contrarrevolução os Estados Unidos estavam impondo sanções sobre o Irã por conta da guerra contra o Iraque. Mas, Israel vendeu armamento aos persas e com o lucro financiou grupos para derrubada da Revolução Sandinista.

Em Honduras, o ex-presidente Juan Orlando Hernández, o qual chegou ao poder por meio de um golpe de Estado, demonstrava grande apresso ao governo de Bejamin Netanyahu. Assim como a Guatemala, que seguiu a decisão estadunidense de transferir sua embaixada para Jerusalém.  A relação entre os dois países é bem próximas principalmente em assuntos relacionados à segurança.

Desde 2019 o Chile passa por diversos protestos por conta de insatisfações políticas, sociais e pela imensa dificuldade que o neoliberalismo, junto com a constituição herdada da ditadura militar pinochetista, fazem recair sobre a população. A repressão por parte dos carabineiros foi extremamente ostensiva. Em 2018, Piñera e Netanyahu também assinaram um acordo por uma maior cooperação da educação e treinamento dos militares chilenos. Israel também é o maior fornecedor de armamentos para o Chile.

Táticas israelenses utilizadas contra palestinos foram vistas nas repressões durante os protestos. Os policias atiravam diretamente no rosto das vítimas com armas “não letais”, deixando-as parcial ou completamente cegas. Mais de 100 pessoas sofreram danos oculares desde o começo das reivindicações populares.  Também foram usados durante os protestos tanques de tecnologia israelense lançadores de água – com adição de pimenta – para dispersar multidões.

A América Latina é o principal consumidor de armamentos israelenses. Acordos são assinados todos os anos, milhões de dólares correm pelo setor privado e mudanças diplomáticas acontecem para a importação de armamentos para o continente. As armas não são adquiridas pelos Estados para combater inimigos externos, mas sim seus compatriotas. Esse esquema financia o genocídio no território palestino. Aqui, servimos de laboratório para a concretização de uma colonização através do extermínio.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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