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Irã e Arábia Saudita se reaproximam aos olhos de Washington

Protesto em Teerã, capital do Irã [Fatemeh Bahrami/Agência Anadolu]
Protesto em Teerã, capital do Irã [Fatemeh Bahrami/Agência Anadolu]

Desde 1979, quando estudantes iranianos invadiram a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã e fizeram reféns diplomatas americanos, a estratégia da Casa Branca sobre o país sempre foi agressiva. Washington levou todo o mundo a isolar a república islâmica, ao torná-la um estado pária mesmo entre seus vizinhos. Os Estados Unidos tiveram ainda um papel pivotal ao construir uma aliança árabe incluindo Iraque, Egito, Jordânia e regimes do Golfo, a fim de interromper a “exportação da revolução iraniana” a outros países islâmicos.

Foi essa a política oficialmente adotada por Washington e seus parceiros europeus até perceberem que não havia forma de controlar as ambições atômicas de Teerã senão por meio de algumas concessões. A ideia foi veementemente rechaçada por Israel e por regimes do Golfo. Eventualmente, a pressão obteve seus louros, quando o então presidente americano Donald Trump chegou ao poder e abandonou o acordo nuclear de 2015 — conhecido como Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) —, a fim de conduzir o que descreveu como política de “máxima pressão” contra o regime iraniano.

De fato, ao sacudir o vespeiro iraniano, Trump não foi capaz de impedir sua busca por ativos nucleares, mas somente acelerou seu programa como forma de barganha. Após alguns anos, o governo americano, assim como parlamentares, parece ter compreendido enfim que uma política hostil não é capaz de conter Teerã. Ao contrário, o tornou mais agressivo, além de afastá-lo da Índia — aliada de Washington — para cair nos braços da China, cuja influência geopolítica demonstra ascensão em ritmo alarmante.

A elite americana é assombrada pela ideia de que Pequim logo removerá seu país da hegemonia global. No entanto, a despeito de concordar com Trump em definir a China como principal rival e competidor dos Estados Unidos, o governo do presidente Joe Biden parece possuir uma estratégia distinta sobre o relacionamento sino-iraniano, a fim de criar uma ruptura gradual e enfraquecer o fronte de Pequim. Neste contexto, não seria surpresa vermos um tipo de leniência americana nos próximos meses, para abrir caminho a uma reaproximação entre Irã e Arábia Saudita.

A monarquia islâmica, de sua parte, parece ainda desconfortável com a saída de Trump e seu genro Jared Kushner da Casa Branca, sobretudo ao coincidir com a queda do ex-premiê israelense Benjamin Netanyahu, em junho último. Tornou-se evidente ainda que o novo governo americano não está muito disposto a cooperar com o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman (MBS) no caso do assassinato de Jamal Khashoggi — colunista do Washington Post executado no consulado saudita em Istambul, em 2018. Biden jamais prometeu ou concedeu carta branca à monarquia aliada, como fez seu antecessor.

Em escala ainda maior, muitos indicadores — incluindo a retirada do Afeganistão e Iraque — fizeram com que os países do Golfo compreendessem, logo no início do mandato de Joe Biden, que uma nova estratégia americana para concentrar poder no eixo Indopacífico e uma eventual reaproximação com Teerã levariam, em último caso, à suspensão de salvaguardas outorgadas pela Casa Branca. Arábia Saudita e aliados viram-se então expostos diante das ambições iranianas, sem qualquer apoio, por exemplo, do regime em Israel.

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No fim das contas, apesar das várias diferenças entre Riad e Teerã, a principal razão para sua animosidade é que simplesmente repousam em frontes opostos. Em outras palavras, a associação entre Arábia Saudita e Estados Unidos é a justificativa central para as tensões com o Irã. Dessa forma, cresce na monarquia uma sensação de que Washington a transformou em bode-expiatório para contrapor o regime iraniano enquanto de fato expande seu relacionamento com a comunidade internacional. Há então a possibilidade de que os sauditas queiram contornar a Casa Branca e fechar um acordo próprio com seus vizinhos xiitas, a fim de anteceder iniciativas do governo americano. Uma atitude do tipo poderia assim “demonstrar a sabedoria da liderança saudita e sua disposição em manter a paz e fraternidade com países islâmicos”, como costuma dizer a imprensa estatal. Ambos ganhariam pontos pela diplomacia.

Para o Irã, remendar relações com o regime saudita e vizinhos do Golfo é um objetivo declarado. Caso a monarquia decida assim mudar seu curso, será recebida em Teerã de braços abertos, enquanto auxilia o governo iraniano a transpor efetivamente seu status de pária para ser aceito como parte integrante da geopolítica regional.

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A reaproximação poderia impactar positivamente as guerras por procuração travadas no Iêmen e na Síria, além de atenuar crises políticas no Líbano e Iraque. Um melhor relacionamento entre ambos os países também seria recebido com alívio pelo Paquistão e Afeganistão — ainda presos a um exaustivo malabarismo entre ambos os regimes islâmicos. Por outro lado, poderia impactar negativamente a onda de normalização árabe com a ocupação de Israel, ao rescindir a demanda por serviços ocidentais para proteger os regimes do Oriente Médio.

Poucos discordariam da importância da Arábia Saudita na região e além, sobretudo no mundo islâmico. Uma nova política saudita sobre o Irã — também considerado historicamente uma potência regional — poderia levar a certa estabilidade e segurança nos países ao redor, incluindo ao conduzir um golpe tático a organizações paramilitares e mesmo entidades designadas terroristas. Não obstante, fica a pergunta: tamanho avanço favoreceria Washington ou seria outra derrota para sua estratégia e credibilidade? O tempo deverá responder. No entanto, surpresas desagradáveis aguardam a todos em cada esquina.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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