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Macron atacou Argélia por situação no Mali, afirma oficial da oposição

Presidente da França durante jantar no Palácio do Eliseu, parte da cerimônia de encerramento do evento Africa2020 Season, que apresentou perspectivas da sociedade civil do continente africano e sua diáspora, em Paris, 30 de setembro de 2021 [LUDOVIC MARIN/AFP via Getty Images]
Presidente da França durante jantar no Palácio do Eliseu, parte da cerimônia de encerramento do evento Africa2020 Season, que apresentou perspectivas da sociedade civil do continente africano e sua diáspora, em Paris, 30 de setembro de 2021 [LUDOVIC MARIN/AFP via Getty Images]

Mohamed Larbi Zitout, ex-diplomata e oficial do movimento da oposição argelina Rachad, alegou em entrevista à rede Arabi21 que a principal razão para os recentes ataques do Presidente da França Emmanuel Macron à Argélia é a situação no Mali.

Segundo Zitout, acredita-se que o exército argelino ajudou a introduzir mercenários russos — do infame grupo Wagner, também presente na Líbia — no território ao sul, em suposta ameaça aos interesses franceses na África.

Além disso, generais argelinos relutam em intervir e enviar tropas ao país vizinho.

Zitout reiterou, porém, que os movimentos franceses contra Argel não são novidade, salvo o fato de que vêm, neste momento, de um chefe de estado, embora a propaganda oficial insista que Macron é amigo da antiga colônia.

“É claro, não podemos ignorar o contexto de suas declarações, alguns meses antes da eleição presidencial na qual Macron enfrenta a extrema-direita, incluindo Marine Le Pen e Eric Zemmour, que disputam quem ataca mais os franceses muçulmanos, sobretudo oriundos do Magreb e da Argélia”, explicou o ex-diplomata.

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Segundo Zitout, o revisionismo de Macron sobre a história argelina e sua defesa do domínio colonial na África, devem-se a uma série de polêmicas, dentre as quais, a extradição de imigrantes argelinos irregulares na França e a conjuntura malesa.

“O que aconteceu é que [o general Saïd] Chengriha foi a Moscou com alguns generais treinados pelos russos … Propôs então que a Rússia ocuparia o Mali, primeiro via mercenários Wagner, então por intervenção de seu exército, como fez, por exemplo, na Síria”.

Prosseguiu: “Apesar de sua rivalidade, os russos exerceram um papel junto dos turcos para expulsar os franceses da Líbia, assim como os russos fizeram na África Central. A mais recente expansão da Rússia no Mali é vista como um desastre na França”.

Paris valoriza sua posição no Mali por sua localidade estratégica, observou Zitout. O sul do país serve de rota à África Ocidental, incluindo Níger, Mauritânia, Senegal, Guiné, Costa do Marfim e Burkina Faso — países que representam diversos interesses ao mercado europeu.

A indústria francesa, por exemplo, extrai metade de seu urânio do território nigerino.

“Há uma grande disputa em curso no Níger”, destacou o comentarista político argelino. “A empresa Areva é ainda mais importante do que navios e aviões de guerra do exército francês, pois é responsável por obter o urânio necessário tanto para uso civil, quanto militar”.

Além disso, países francófonos e seus vizinhos possuem reservas de metais preciosos — “o menos precioso é o ouro”, acrescentou.

Segundo a entrevista, Paris sabe que o grupo liderado por Chengriha, influente no governo federal, ajudou a persuadir o exército malês a aceitar os mercenários Wagner. “Isso concede um mercado aos russos … dispostos a conceder à Argélia instituições financeiras”.

Para Zitout, o Mali foi justamente o estopim para os ataques de Macron.

Conforme o relato, há uma disputa no comando militar da Argélia, na qual o general Mohamed Kaidi é próximo de Washington e Paris, enquanto Chengriha favorece Moscou.

“Macron deliberadamente queria ludibriar a todos com sua defesa do presidente argelino Abdelmadjid Tebboune, embora de fato apadrinhe Kaidi e aqueles junto dele, mais consonantes com suas propostas”, prosseguiu o ex-servidor público radicado no Reino Unido.

Há hoje mais de 200 mil imigrantes argelinos em situação irregular na França.

O governo de Macron prometeu deportar ao menos 8 mil argelinos ao descrevê-los como “ilegais” e “perigosos”. Argel, todavia, condicionou a medida à extradição de figuras da oposição — apelo indeferido por Paris pois viola regimentos constitucionais.

Neste contexto, a França respondeu ao reduzir pela metade vistos concedidos a argelinos.

Quanto ao fechamento do espaço aéreo da Argélia como rota militar da França, Zitout observou que o governo norte-africano sempre negou-se a conceder passagem a aviões de guerra incumbidos de bombardear o Mali e a África Ocidental.

Portanto, segundo o comentarista político, não se trata de uma restrição a todas as aeronaves, mas somente a “missões militares”, com destino aos territórios africanos.

Zitout é conhecido por seus programas diários divulgados no YouTube e Facebook.

Durante a entrevista, convidou seus conterrâneos e aqueles interessados na história das relações franco-argelinas a estudar os relatos da colonização francesa e redescobrir os crimes hediondos cometidos pela metrópole contra o povo argelino.

No sábado (2), o jornal francês Le Monde reportou falas de Macron na qual acusou Argel de “alimentar o ódio contra a França”.

O presidente questionou também a identidade nacional argelina: “Havia uma nação argelina antes da colonização francesa?”. De acordo com Macron, “houve sim outras colonizações”, em referência à presença otomana entre 1514 e 1830.

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“Fico fascinado com a capacidade da Turquia de fazer as pessoas esquecerem por completo seu papel na Argélia e a dominação que exerceu, ao alegar que fomos os únicos colonizadores”, insistiu Macron. “É ótimo; os argelinos acreditam”.

Em seu discurso inflamado, o político francês alegou que o governo turco de Recep Tayyip Erdogan dissemina “desinformação e propaganda” contra seu país, no que se refere ao período anterior a 1962 — isto é, antes da independência argelina.

Macron chegou a propor que seu governo produzisse publicações em árabe e berbere para reagir aos materiais de condenação à França.

A presidência argelina condenou os comentários de sua contraparte francesa. O embaixador em Paris foi convocado a Argel para consultas, pouco antes de ser anunciado o fechamento do espaço aéreo africano ao exército francês.

Em janeiro de 2020, membros da Assembleia Nacional do Povo — câmara baixa do parlamento argelino — apresentaram um projeto de lei para criminalizar qualquer apologia à colonização francesa no país, entre 1830 e 1962.

Dois meses depois, os proponentes exortaram o presidente do parlamento, Suleiman Shanin, a levar o projeto para voto em plenário. Uma legislação similar foi indeferida em 2009.

Estima-se que cinco milhões de argelinos foram mortos durante o domínio colonial francês. Ao menos, 1.5 milhões foram mortos durante a guerra da independência, entre 1954 e 1962. Milhares continuam desaparecidos.

O exército francês também utilizou o deserto argelino para testar bombas atômicas, contaminando o solo no interior do país.

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