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“O esporte é um privilégio e as pessoas não se dão conta”

Entrevista com o nadador Yazan Al Bawwab, segunda entrevista da série Campeões da Palestina, com atletas que representaram o povo palestino nas Olimpíadas de Tóquio
Yazan Al Bawwab [Arquivo pessoal]

Não é fácil para nenhum de nós nascer em um país, crescer em outro, viver em um terceiro e representar um quarto nas Olimpíadas. Esta é, em resumo, a história do nadador palestino Yazan Al Bawwab, que nasceu na Arábia Saudita de pais refugiados palestinos, cresceu nos Emirados Árabes Unidos e agora vive no Canadá. A jornada de um jovem de 21 anos que estuda Engenharia Mecânica no Canadá não foi acompanhada de flores para realizar seus sonhos, as circunstâncias da vida privaram o pai de Yazan de realizar seu sonho de se tornar um nadador global, então o pai estava determinado desde o início que seu filho completaria o que havia começado apesar da forte oposição de sua mãe que se importava mais com seu futuro no ensino superior. Ele começou a nadar aos três anos de idade passando por diferentes faixas etárias e lutou por seu sonho e o sonho de seu pai de se tornar um nadador global e representar a Palestina nas Olimpíadas.

Além de nadador olímpico, Al Bawwab atualmente está terminando o curso de Engenharia Mecânica/Aeroespacial na Universidade de Carleton no Canadá. Ele também é um nadador salva-vidas certificado e treinador de natação nível 4 ASCA. No Canadá, ele é um muçulmano praticante e tem a dupla cidadania Palestina e Italiana.

Yazan Al Bawwab é o segundo entrevistado da série Campeões da Palestina, feita pelo Monitor do Oriente Médio, em que apresentamos os cinco atletas palestinos que desafiaram todas as circunstâncias e obstáculos difíceis e insistiram em realizar seus sonhos e os sonhos de seu povo, os heróis que esculpiram seus nomes em letras de ouro e participaram dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.

Que idade você tinha quando começou a nadar? Quem o apoiava e como?

Comecei a nadar aos três anos de idade e continuo até hoje. Meu pai me apoiou durante toda a minha vida, ele me levava a aulas de natação até dez vezes por semana, com algumas aulas às quatro da manhã por cerca de dez anos. Ele fazia comida e me mantinha motivado, ele foi meu único apoiador e fã por muitos anos. Eu entrei no Speedo Swim Squads, um clube de natação em minha cidade natal, em Dubai, desde os meus 13 anos, agora eu treino nadadores de 3 a 16 anos de idade.

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Como um palestino vivendo na diáspora e tendo nascido fora da Palestina, o que o fez decidir por representar a Palestina nas Olímpiadas? Foi uma decisão fácil? Como isso aconteceu?

Viver fora da Palestina me faz sentir um pouco diferente dos palestinos dentro da Palestina, eu nunca passei pelo sofrimento que passam e não consigo imaginar como as crianças na Palestina crescem com todas as dificuldades que enfrentam diariamente, mas meus pais viveram isso. Eu pude nadar pela Palestina quando meu tio conheceu um cara da Federação Palestina de Natação e através disso começamos a falar e comecei a representar a Palestina no cenário mundial nesse momento difícil. Meu pai e minha mãe, que são refugiados e tiveram as terras de lá roubadas, nunca esquecerão o que enfrentaram.

Cresci com eles contando-me histórias da Palestina e os problemas que enfrentaram, isto me afetou na compreensão do que passaram e nunca esquecerei meu país. Decidi nadar pela Palestina porque notei que o esporte na Palestina era muito fraco… o que é compreensível, porque o esporte é um privilégio e as pessoas que fazem não se dão conta disso; na Palestina, as piscinas são limitadas, e nem sequer têm piscinas de tamanho olímpico. Não existem todas as condições necessárias para criar um campeão, o financiamento vai para outras necessidades, ou seja, o esporte é pouco subsidiado.

Como você se sentiu representando a Palestina, especialmente quando muitos dos líderes mundiais viram as costas para os palestinos?

Não me importa o que as pessoas dizem e o que os líderes mundiais dizem sobre a Palestina, suas opiniões nunca foram importantes e quando nós, como palestinos, começamos a nos importar com o que as pessoas pensam sobre nós, nunca chegaremos a lugar algum. Fazemos nossos próprios caminhos e, dito isto, a melhor coisa que podemos fazer é nos educar e expandir nosso pensamento para ajudar o povo palestino à nossa maneira, alimentar as crianças pobres ou construir hospitais e escolas,  será a melhor coisa que podemos fazer por nós mesmos, estamos sozinhos.

Como atleta e como indivíduo, o que você gostaria que o mundo soubesse sobre você e suas raízes na Palestina?

Gostaria que todos soubessem que tenho orgulho de ser palestino e que estou aqui para representar um país que ainda está pouco representado nos eventos mundiais, não sou diferente do humano comum e não quero causar problemas a ninguém, não devemos colocar um título nas pessoas só por causa do local onde nasceram ou da cor de sua pele.

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Como foi o nível de competição nas Olimpíadas e como foi a experiência?

O nível da natação nas Olimpíadas é absolutamente inimaginável, pois testa a capacidade humana e foi uma honra estar lá para representar a Palestina e conversar com atletas de diferentes países sobre a Palestina. Foi incrível, agradeço a Deus pela oportunidade.

Qual foi a parte mais gratificante da experiência olímpica?

Ver meus amigos e familiares felizes por mim, especialmente meus pais e irmãos.

Qual é a melhor parte de competir?

Eu recebi muitas mensagens de apoio e isso só mostra como o povo palestino apóia sua causa.

Qual você acredita ser o maior desafio enfrentado pela maioria dos atletas palestinos hoje?

Não há uma coisa que me vem à mente… há tantas coisas que contribuem na situação desafiadora que todos os palestinos enfrentam e que impacta os atletas não apenas enquanto treinam, já é um desafio até mesmo começar um esporte. No meu caso, mesmo que eu viva fora da Palestina, não posso simplesmente apenas treinar na minha vida, tenho que obter um diploma universitário e começar a trabalhar, já que não tenho ninguém com quem contar se minha carreira esportiva não render dinheiro.

Que conselho você daria aos atletas palestinos que estão procurando competir nas Olimpíadas?

Você deve se sustentar, sem depender de ninguém e você pode fazer isso, nenhum é melhor do que os palestinos quando eles querem algo.

O que você se vê realizando em cinco a dez anos?

Espero ter um bom trabalho de engenharia, com minha esposa, e possivelmente competir e representar a Palestina nas próximas Olimpíadas de Paris 2024.

Existe um treinador ou atleta que você considera como um modelo a seguir e por quê?

Não particularmente, acho que estas coisas pelas quais passei não são as mais fáceis e acredito que tenho que ser um modelo a ser seguido pelas pessoas. Isso vem com minha personalidade e com o desejo de ser o melhor.

Quais são seus sonhos para o futuro?  

Meus sonhos futuros são um dia ajudar o povo palestino de alguma maneira ou forma e ensinar as crianças palestinas a nadar ou ensiná-las a se divertir. Qualquer coisa que eu possa fazer que retribua para as comunidades da Palestina é um sonho meu.

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Palestina: quatro mil anos de história
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