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Como lidar com as imagens traumáticas da Palestina?

Crianças palestinas acendem velas em memória da família Abu Hattab, morta pelos ataques aéreos israelenses na Cidade de Gaza, 23 de maio de 2021 [Ashraf Amra/Agência Anadolu]
Crianças palestinas acendem velas em memória da família Abu Hattab, morta pelos ataques aéreos israelenses na Cidade de Gaza, 23 de maio de 2021 [Ashraf Amra/Agência Anadolu]

A cada agressão deflagrada pela máquina de guerra israelense contra o povo palestino, plataformas da grande mídia internacional logo voltam seu apoio à campanha da ocupação, ao falsificar fatos e justificar o suposto direito de “autodefesa” do Estado de Israel. Em resposta, redes de imprensa locais distribuem imagens de sangue e ferimentos graves e palestinos que emergem dos escombros deixados pelo bombardeio israelense.

Tais imagens são registradas com o intuito de conceder evidências das injustiças históricas impostas ao povo palestino. Contudo, vez ou outra, também decorrem de um desejo oportunista de parte da imprensa pelo sensacionalismo, em busca de “likes” e “shares” nas redes sociais.

Com efeito, vemos a propagação de larga escala de conteúdos e imagens chocantes, como pessoas destruídas velando corpos de seus entes queridos arrancados dos destroços. Por vezes, tais intromissões indiscriminadas da imprensa invadem mesmo a privacidade das crianças, ao fotografá-las sem permissão, com pouca consideração a seu estado psíquico e o impacto da imagem em seu futuro.

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Gostaria de mencionar os seguintes pontos, frequentemente ignorados:

  • A publicação de imagens traumáticas viola a privacidade e dignidade dos sujeitos e suas famílias, sobretudo pessoas em estado de choque, sofrimento, pânico e dor, incapazes de conceder a autorização de uso e publicação das imagens.
  • A distribuição de imagens gráficas, com sangue e membros amputados, compete em nossa memória com imagens reconfortantes que gostaríamos de preservar de nossos entes queridos. Ao invés de recordar o sorriso e as roupas elegantes que costumamos vestir nas fotografias, somos assombrados por retratos profundamente dolorosos, anos e anos após a perda de nossos parentes. De fato, o registro indiscriminado dificulta o processo de luto e recuperação da perda traumática.
  • A propagação de tais imagens entre o povo palestino, durante períodos de guerra, cria pânico entre aqueles sob bombardeio e expostos a outros tipos de violações. Isso contribui para deteriorar o ânimo popular e concede apoio à guerrilha psicológica sistemática empregada contra civis palestinos para aterrorizá-los e desmotivá-los.
  • Deixem-nos lembrar que entre nós há nossos parentes mais velhos, já traumatizados por guerras e experiências passadas, que vivenciaram sucessivos ciclos de perda. A distribuição de imagens chocantes de guerra e devastação serve de gatilho a feridas há muito impostas — à medida que as gerações passadas vivenciam tais traumas pessoalmente aqui e agora.
  • Por vezes, o uso de conteúdo traumático pela imprensa acarreta em consequências psicológicas, como desenvolvimento de apatia e torpor emocional diante do sangue e da dor que emana de tais imagens. Desta forma, a propagação de conteúdo gráfico pode resultar na perda da sensibilidade do público — que tranquilamente come um pedaço de pizza enquanto assiste televisão.
  • Vale notar que a presença de câmeras pode compelir as pessoas a mascarar sentimentos genuínos, na tentativa de manter sobriedade perante a audiência. Vemos uma mulher que segura as lágrimas a despeito de sua perda, ao tentar expressar ao público uma mensagem de orgulho e firmeza.
  • É evidente que os regimes ocidentais, cúmplices do projeto colonial israelense, não se deixam afetar por tais imagens de trauma e sofrimento; ao contrário, parecem considerá-las como um esforço patético por atenção. Aqueles no mundo que permanecem em solidariedade com a causa palestina pouco dependem de imagens desoladoras para manter seu apoio; sua solidariedade é construída pelo conhecimento da história palestina e dos fatos em campo.

Os palestinos precisam da solidariedade de terceiros para que sejam reconhecidos como agentes da história e combatentes pela liberdade — e não apenas vítimas.

Meu apelo aos cinegrafistas e fotógrafos é por responsabilidade diante das dores do povo palestino. É preciso abordar os fatos, mas respeitar ainda os sacrifícios palestinos — seja como sujeitos fotográficos ou espectadores.

Meu apelo ao público é por comedimento ao publicar e compartilhar conteúdo traumático, potencialmente prejudicial ao bem-estar e à dignidade humana.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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