O Brasil não é só Bolsonaro, a Colômbia não é só Ivan Duque, o Perú não é Fujimori e as lutas por democracia não têm a cara de Jeanine Añez, na Bolívia, ou Juan Guaidó na Venezuela. Embora seja este o filtro aplicado aos países da regiao quando se trata da cobertura política internacional, o continente tem alma própria.
No coração latino-americano ferve a luta dos povos que colocam direitos humanos e sociais no topo da agenda política, embora enfrentando a nova capacidade organizativa e mobilizadora da direita, que coloca em suas prioridades a retirada destes direitos para enxugamento do Estado e o apoio ao uso da força contra os rebeldes.
Esse coração sofreu nas duas últimas semana junto com o povo palestino e, guardadas as devidas proporções com o isolamento terrível imposto à luta palestina, se identificaou com ela: “é difícil protestar aqui dentro (da favela), as pessoas têm medo da represália dos policiais, mas na hora da emoção a galera desce, a galera vai com pau, pedra. São os palestinos brasileiros nas nossas ‘Faixas’ de Gaza” – diz o militante das favelas André Constantino em entrevista ao portal 247.
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Solidarity in action #SavePalestine #Colombia pic.twitter.com/Ldo1uDXCyk
— Kate Quinn (@KateQuinnUCL) May 22, 2021
Quando os palestinos se levantaram em Jerusalém contra a invasão de Al-Aqsa e os despejos em Sheikh Jarrah, os jovens da Colombia também estavam nas ruas desde 24 de abril ,sob a represssão policial que ainda não teve um cessar-fogo e que já deixou 51 mortos, sendo 43 assassinados pelas forças do Estado
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Dados das vítimas da violência de Estado na Colômbia
No norte do México, perto do muro de Trump com os Estados Unidos, movimentos em Tijuana se mobilizam pelas mesmas lutas: #Colômbia e #Palestina.
Compas de Tijuana! Este sábado habrá una movilización en solidaridad con Palestina y Colombia. Nos reuniremos en los Arcos del centro. #FreePalenstine #colombia pic.twitter.com/fAbKxUX7Ms
— Estefanía (@transb0rder) May 19, 2021
O presidente venezuelano falecido Hugo Chavez já chamou a Colômbia de “Israel da América Latina”. E e o governo colombiano à época, encabeçado por Juan Manuel Santos, concordou e declarou sentir-se orgulhoso por isso, importando treinamento e armas suas armas e cultivando uma relação de amizade que só aumentou desde então.
No ano passado, o governo incluiu Israel como observador em um encontro de governos latino-americanos de segurança contra “terroristas da América Latina” . E no último mês foram feitos vários acordos bilaterais entre Ivan Duque e Netanyahu. Em toda América Latina onde os acordos militares são feitos, como é o caso atual do Brasil, manifestantes têm se levantado para afirmar que as armas de lá matam aqui.
- Manifestante em Cordoba, Argentina em cartaz que denuncia o sofrimento palestino em Gaza [Resumen Latinoamericano]
- Primeira marcha por Gaza, em Buenos Aires, dia o fim das relações e do comercio de armas entre Argentina e Israel [Resumen Latinoamericano]
Um forte protesto em favor dos Palestinos veio da Argentina, que reuniu partidos, movimentos sociais e organizações por direitos humanos, lideranças mapuches e intelectuais,como o premio Nobel Perez Esquivel, e representantes de lutas históricas como as Mães de Maio e Familiares dos Desaparecidos Políticos, em pelo menos três marchas e atos em frente ao Ministério das Relações Exteriores e a embaixada israelense em Buenos Aires, além de manifestações em Córdoba.
Os argentinos querem que o governo de Alberto Fernandez reveja suas políticas em relação a Israel. Pediram que a Argentina rompa relações com o Estado sionista. Uma grande crítica da oposição é sobre a adesão argentina ao uso da definição de antissemitismo da IHRA que considera antissemita a crítica ao Estado de Israel.
No Chile, a Federação Palestina celebrou a marcha de sete quilômetros em solidariedade à Gaza. Enquanto Gaza estava sob ataque, o povo chileno ia às urnas para eleger representantes que escreverão sua nova Constituição, após uma grande mobilização e referendo nacional que exigiu o enterro da Constituição da ditatura militar chilena.
Más de 7 km de Caravana por Palestina🇵🇸❤️ ¡Emocionante! Chile solidariza con el pueblo palestino. #SalvemosPalestina #TodosSomosPalestina #PalestinaLibre pic.twitter.com/kdNCiTHAfz
— Federación Palestina (@FedPalestina) May 18, 2021
Também no Brasil houve protestos importantes, com atos em várias capitais e uma carreata em São Paulo, pedindo pelo fim dos ataques à Gaza. Neste sábado, os manifestantes de diversas organizações voltaram a se reunir no vão do Masp, para exigir a saída de Israel dos territórios ocupados e o fim do apartheid.
O Brasil passa por um dos períodos de maior humilhação na história do país em termos de política externa e de respeito aos direitos sociais e ambientais, especialmente da negação e irresponsabilidade do governo frente ao aumento dos casos de covid-19. Defensor de regime militar, o presidente Jair Bolsonaro e um de seus filhos publicaram posts atacando o Hamas, enquanto o país afunda na pandemia. A solidariedade com a Palestina é também um grito de Fora Bolsonaro, alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as irregularidades da sua política sanitária.
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Na Venezuela, na Bolívia, em Cuba, países que sofrem sanções interancionais e campanhas da direita regional as manifestações pró-palestina foram divulgadas na América do Sul pela venezuelana Telesur e na internet por sites como Prensa Latina, Resumen Latino Americano, Almayaden espanhol e a cobertura especialidade do Monitor do Oriente Médio, incluindo diversas manifestações de presidentes de países em luta por democracia, como o atual mandatário da Bolívia, Luiz Arce.
Expresamos nuestra profunda solidaridad con el pueblo palestino. Hacemos un llamado a la @ONU_es para detener esta agresión y se respete el derecho de autodeterminación de #Palestina. Debemos unir esfuerzos para que las niñas y niños vivan libres, y crezcan en #paz.
— Luis Arce Catacora (Lucho Arce) (@LuchoXBolivia) May 15, 2021
As manifestações pró palestina conectam ações solidárias no Brasil, Argentina, Colômbia, México, Nicarágua, Panamá, Uruguai, além de posições conjuntas entre os países, a exemplo do chamado do Grupo de Puebla pelo fim dos bombardeios em Gaza.
Cidadãos mexicanos se manifestam em frente ao Zócalo, na Cidade do México Grupo Reforma]Também foi especialmente grande a adesão das organizações da sociedade civil na região aos documentos pedindo o fim do bombardeio à Gaza e a responsabilização de Israel pela comunidade internacional.
Organizando um Fórum Social Mundial no México em 2022 e um Fórum Mundial temático Palestina Livre, programado para outubro, 168 organizações assinaram um chamado à solidariedade no dia 15 de maio, quando palestinos celebravam a Nakba.
A América Latina também se conecta com a Palestina na dificuldade do enfrentamento à covid-19, com leitos superlotados e sem acesso adequado a vacinação. As demonstrações de solidariedade irromperam no continente atormentado pela pandemia, beirando já um milhão de mortes, com apenas 3% das pessoas vacinadas.
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