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O levante de Jerusalém é uma oportunidade para o fim da divisão palestina

Complexo da Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, 10 de abril de 2021 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]
Complexo da Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, 10 de abril de 2021 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

O atual levante palestino em Jerusalém não é mero evento passageiro, mas sim um novo estágio na história da luta contra a ocupação militar de Israel. Esta fase deve trazer alguma mudança tangível ao cenário político palestino. Não faz sentido aos palestinos na Cisjordânia e Gaza se preocuparem com as eleições às quais concorrerão pelo controle de uma autoridade sob ocupação, enquanto seus irmãos de Jerusalém se erguem em protesto quase diariamente, a fim de defender a cidade de colonos ilegais que buscam capturá-la.

O que acontece hoje em Jerusalém é bastante claro. Há um levante árabe-palestino em curso, que pretende defender a Mesquita de Al-Aqsa e os bairros árabes remanescentes ao seu redor.

Falecido premiê israelense Ariel Sharon, então líder do partido ultranacionalista Likud, no Monte das Oliveiras, em Jerusalém ocupada, 24 de julho de 2000 [Menahem Kahana/AFP via Getty Images]

Falecido premiê israelense Ariel Sharon, então líder do partido ultranacionalista Likud, no Monte das Oliveiras, em Jerusalém ocupada, 24 de julho de 2000 [Menahem Kahana/AFP via Getty Images]

Historicamente, Jerusalém é a bússola e o motor do povo palestino. O mais recente levante traz memórias da Intifada de Al-Aqsa, ou Segunda Intifada, que deflagrou-se em 2000, quando o criminoso de guerra e colono radical Ariel Sharon, então premiê, invadiu o nobre santuário sob escolta de forças da ocupação israelense.

O levante atual é uma resposta substancial à controvérsia sobre a realização das eleições palestinas, sobretudo às dúvidas perante uma eventual anuência do estado colonial para que os palestinos de Jerusalém participem do pleito. A reação espontânea dos residentes da cidade, contudo, não refere-se à demanda pelo direito ao voto, tampouco para que Israel permita que as eleições ocorram na cidade ocupada.

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Ao contrário, a população de Jerusalém entoa palavras de ordem em solidariedade à resistência legítima contra a brutal ocupação israelense, sob qualquer meio ao alcance. As eleições, evidentemente, estão entre tais meios.

O levante popular que ocorre hoje em Jerusalém, como não visto pela cidade há anos, representa uma importante oportunidade histórica para os palestinos deixarem para trás sua própria crise política, caso façam bom uso do contexto atual. A mobilização pode tornar-se um denominador comum capaz de encerrar anos de divisão interna, levar à reconciliação de fato e aproximar as facções políticas do povo palestino, isto é, de sua base.

Jerusalém é a vanguarda da causa palestina. Israel recusa-se a permitir que seus residentes participem do processo eleitoral porque não quer reconhecer qualquer parte da cidade como verdadeira capital de um futuro estado palestino. Por consequência, a resposta lógica e natural da liderança palestina deve ser nada menos que cancelar as eleições e conceder apoio imediato aos nativos e residentes de Jerusalém.

Em seguida, deve ser retomado o diálogo de reconciliação, embasado em transcender a própria Autoridade Palestina e suas instituições para avançar diretamente na reconstrução e reforma da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a fim de reativar seu papel como representante legítimo do povo palestino.

O que quer que aconteça, não é razoável e sequer aceitável aos palestinos na Cisjordânia e Gaza que se satisfaçam com declarações de solidariedade e elogios vazios à resiliência da população de Jerusalém. Caso o foco seja reduzido às eleições, tal processo levará apenas a mais e mais fragmentação e divisão faccionária. Caso ocorra o pleito como está, todos certamente sairão derrotados.

O que é preciso dos palestinos é união em torno do levante popular de Jerusalém e conceder todo o apoio necessário à resistência palestina na cidade ocupada, incluindo ação imediata no Tribunal Penal Internacional para impedir a expulsão de residentes de suas casas e dar fim à violência dos colonos nos bairros árabes. As eleições devem ser canceladas, portanto, pois não há sentido haver Palestina sem Jerusalém. Em todo caso, o processo eleitoral já carece de sentido sem a reconciliação, de modo que a divisão seja efetivamente superada via urna eleitoral e que a esperança seja preservada nesse progresso.

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Jerusalém sempre foi a bússola e somente ela é capaz de restaurar a causa palestina a seu curso legítimo. É a única coisa capaz de levar juízo às diferentes facções palestinas. A cidade sagrada e a Mesquita de Al-Aqsa mobilizaram a todos e uniram os palestinos no ano 2000 e vivemos hoje à margem de uma nova chance para unificar nosso povo na Palestina ocupada, mais outra vez, em torno da luta por Jerusalém.

Publicado originalmente em árabe pela rede Al Quds Al Arabi, em 26 de abril de 2021; editado para o MEMO.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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