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A comunidade islâmica brasileira recebe o mês de Ramadã

O município de São Paulo ilumina seus marcos mais proeminentes com verde para celebrar o mês sagrado do Ramadã e em homenagem à comunidade árabe [Hassan Massoud]
O município de São Paulo ilumina seus marcos mais proeminentes com verde para celebrar o mês sagrado do Ramadã e em homenagem à comunidade árabe [Hassan Massoud]

Ramadã é o nono mês do calendário lunar islâmico. Tem uma importância ímpar por ser o mês no qual o Alcorão foi revelado ao profeta Mohammad, que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele. Mas, sobretudo, Ramadã é o mês do jejum, o quarto dos pilares da fé islâmica. Lembrando que o primeiro pilar é testemunhar que não há nenhuma divindade além de Deus (ou Allah), e que Mohammad é seu servo e mensageiro. O segundo pilar é a oração (salat, em árabe), cinco vezes ao dia, todos os dias. O terceiro pilar é a caridade (zakat, em árabe). O quarto pilar é o jejum no mês de Ramadã. O quinto pilar é a peregrinação à Meca, pelo menos uma vez na vida.

Assim como em todo o mundo islâmico, e nos países em que há comunidades islâmicas minoritárias, os muçulmanos recebem o Ramadã do ano 1442 da Hégira no dia 13 de abril de 2021. O Brasil, que tem uma comunidade islâmica espalhada por todas as regiões do país, recebe Ramadã deste ano, assim como do ano passado, em plena pandemia, com números trágicos de mortos e infectados. Em virtude da pandemia, no Brasil, todas as casas de adoração e templos religiosos deverão manter-se fechados. Isso aplica-se às mesquitas também.

Além das cinco orações habituais diárias, no mês de Ramadã, as mesquitas costumam realizar as orações noturnas de tarawih. No entanto, neste ano, em virtude da pandemia, não será possível, no Brasil, a realização destas orações de tarawih, específicas do mês de Ramadã. Ou seja, os muçulmanos brasileiros terão que fazer estas orações ramadanianas em casa. Este fato, aliás, é de extrema importância para o controle da pandemia do covid-19. Felizmente, a maior parte dos teólogos muçulmanos no Brasil tem aderido às recomendações de distanciamento social.

Um fato que marca o mês de Ramadã no Brasil é a sua marcante e decisiva presença em um importante episódio da História do Brasil. Trata-se da Revolta dos Malês, protagonizada por escravos negros muçulmanos em Salvador, em 1835. Este importante movimento da luta pela libertação dos escravos, no Brasil, foi deflagrado no mês de Ramadã, coincidente aquele ano com o mês de janeiro do calendário gregoriano. Mas este fato passa despercebido para muitos muçulmanos brasileiros também.

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Aliás, o mês de Ramadã, além de sua importância teológica, tem uma importância histórica na História do Islam, tanto antiga quanto recente. A primeira batalha da História do Islam, a Batalha de Badr, ocorrida na península arábica e travada entre os primeiros muçulmanos, de um lado, e os politeístas de Meca, do outro lado, aconteceu no mês de Ramadã. Os muçulmanos, sob o comando direto do profeta Mohammad (que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele), saíram vitoriosos. Um outro fato histórico importante ocorrido no mês de Ramadã foi a Guerra de outubro de 1973, travada entre Egito e Israel, na qual o país árabe foi vitorioso. Esta guerra é conhecida na historiografia, também, como Guerra de Ramadã e Guerra de Yom Kippur.

O mês de Ramadã não é apenas o mês do jejum. É considerado o mês por excelência para atividades de caridade e beneficência. Na teologia islâmica, há um estímulo para realizar-se a caridade neste mês. Podemos, assim, dizer que Ramadã é o mês da purificação, tanto do indivíduo quanto da sociedade. O indivíduo purifica-se ao abster de comidas, bebidas, tabaco e sexo, do nascer ao pôr-do-sol, e a sociedade purifica-se ao cultivar a solidariedade e misericórdia entre seus membros. É o mês do autocontrole, pois o fiel aprende a controlar as suas paixões e a ter temperamento nas suas atitudes.

No Brasil, América Latina e demais lugares em que muçulmanos são minoria, o clima de Ramadã não é sentido, nem de longe, como ocorre em cidades muçulmanas como Cairo, Bagdá, Damasco, Túnis e Islamabad. A comunidade muçulmana no Brasil tem liberdade para praticar os seus rituais, entre eles o jejum. No entanto, é mais difícil para um muçulmano praticar o jejum em São Paulo do que em Cairo, por exemplo. A coletividade tem uma influência facilitadora ou dificultadora sobre o indivíduo.

As principais aglomerações de muçulmanos no Brasil ficam nos estados de São Paulo e Paraná, principalmente nas cidades de São Paulo e Foz de Iguaçu. Certamente, este ano da pandemia não é o melhor ano para visitar as mesquitas destas cidades e das demais cidades. Mas em épocas normais, as mesquitas brasileiras funcionavam plenamente nos dias e noites de Ramadã.

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Há certos costumes ramadanianos que os membros da comunidade islâmica brasileira trouxeram de seus países de origem. Entre estes costumes está o consumo de tâmaras neste mês de jejum. Além disso, as fartas mesas de desjejum, com pratos e bebidas típicos. Não devemos esquecer também da refeição da madrugada (o chamado suhur). Esta refeição foi recomendada pelo profeta Mohammad (que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele), o qual disse tratar-se de uma refeição abençoada. Esta refeição deve ser leve e tem como função preparar o organismo para o longo período de jejum.

No mundo muçulmano, o clima do Ramadã faz-se sentir nas casas, ruas e mercados. Até os programas de televisão costumam reservar as suas melhores produções para o mês de Ramadã. São uma tradição no mundo árabe as novelas egípcias nos mês de Ramadã. No Brasil, o muçulmano deve contentar-se a ter o clima do Ramadã entre familiares e amigos apenas. Embora a sociedade brasileira tem reconhecido cada dia mais datas e rituais islâmicos, no entanto, pelo fato de os muçulmanos serem menos de 1% da população, não há nenhum clima ramadaniano no Brasil.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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