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Expectativas conflitantes na Palestina em meio a dezenas de listas eleitorais

No total, 1.389 candidatos em 36 listas concorrem às eleições palestinas [Mohammed Asad/Monitor do Oriente Médio]
No total, 1.389 candidatos em 36 listas concorrem às eleições palestinas [Mohammed Asad/Monitor do Oriente Médio]

O Comitê Eleitoral Central da Palestina concluiu sua primeira fase dos preparativos para a realização das eleições legislativas, ao registrar formalmente 36 listas de candidatos ao pleito, que disputarão 132 assentos no Conselho Legislativo Palestino (CLP).

Os últimos dias foram repletos de surpresas, à medida que as listas concorrentes emergiram da seguinte forma: oito listas filiadas a facções palestinas, dentre as quais, três listas do Fatah (incluindo candidatos do programa central do partido, a lista independente de Nasser al-Qudwa e Marwan Barghouti e a coligação de Mohammed Dahlan), uma lista unificada do Hamas (denominada al Quds Maw’edouna, isto é, “Em Jerusalém nos encontramos”), e quatro listas filiadas à esquerda, além de 28 coalizões independentes, compostas por movimentos jovens, sindicatos, entre outros.

Israel prende membros do Hamas às vésperas das eleições [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Israel prende membros do Hamas às vésperas das eleições [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Segundo estimativas iniciais deduzidas do mapa de concorrência entre as forças políticas em questão, há pouca margem de vitória às alianças independentes, em contraponto a chances maiores – embora, em geral, medianas – de listas tradicionais vencerem o pleito, dado que o eleitor palestino mantém-se polarizado entre dois entes protagonistas: Hamas e Fatah.

O Hamas entra nas eleições com uma lista única e deve beneficiar-se da dispersão de votos do Fatah, segmentado em três correntes partidárias distintas. A divisão dos votos do Fatah em três direções sugere uma possível experiência similar a 2006, quando o Hamas conquistou o primeiro lugar em número de parlamentares eleitos. Porém, temos de observar também a diferença nos índices de vitória, devido ao fato de que o sistema de representação proporcional impede qualquer coligação de obter assentos acima de 50%.

Onze listas competiram nas eleições legislativas de 2006, mas apenas sete conseguiram entrar no parlamento. Na ocasião, 1.3 milhão de palestinos puderam votar. Em 2021, a situação é consideravelmente distinta, dado que o número de alianças eleitorais triplicou – de onze a 36 listas – e o número de eleitores válidos chegou a 2.5 milhões de pessoas.

Segundo a lei eleitoral que instituiu a cláusula de barreira de 1.5% do percentual eleitoral, cada lista precisa de ao menos 37 mil votos para obter um assento no CLP.

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O grande número de listas eleitorais registradas indica que a conjuntura palestina paralisou-se por completo devido a anos de cisão política. Por outro lado, há um nível razoável de críticas da população palestina aos dois opostos que dominam a arena política nacional, isto é, Hamas e Fatah, respectivamente na Cisjordânia e Gaza. Tais críticas remetem ao anseio palestino por mudança, pois uma nova geração de jovens, equivalente a 40% da base eleitoral, cresceu em uma era marcada por duras fraturas políticas.

A presente competição entre forças independentes e de esquerda não é efetivamente favorável a tais tendências por mudança. Desta forma, a esquerda – que alega incubar movimentos jovens e independentes – entra hoje nas eleições com chances ínfimas de vitória, sobretudo pois apenas sete a nove listas são de fato filiações de esquerda, com chances decisivas de adentrar no parlamento.

A atmosfera de disputa e a dispersão do voto de esquerda será potencialmente benéfica ao Hamas e Fatah, embora chances de instituir uma aliança entre as forças internas do Fatah sejam mais realistas, devido a similaridades na identidade política dos grupos em questão e seu consenso compartilhado de não permitir qualquer hegemonia do movimento sediado em Gaza.

A divisão dentro do Fatah tornou-se central às eleições próximas. De fato, os recentes eventos vivenciados pelo movimento reformularam o mapa de alianças eleitorais e abriram portas a cenários jamais antecipados. Após a expulsão de antigos membros do comitê central do partido – Mohammed Dahlan e Nasser al-Qudwa –, Marwan Barghouti decidiu juntar forças com al-Qudwa poucas horas antes do fim do prazo para o registro eleitoral.

Apesar do número de coligações que devem participar do pleito, a disputa confina-se na prática a dois programas principais. O primeiro crê na resistência e luta contra a ocupação como prioridade para conquistar avanços na conjuntura, liderado pelo Hamas, Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) e alguns grupos independentes. O segundo, representado pelo Fatah e seus três componentes hoje divergentes, além de algumas instituições da juventude palestina, acredita que a situação atual requer a continuidade das negociações para obter concessões econômicas em troca de reivindicações da causa nacional palestina.

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O Fatah tenta justificar seu estado de fragmentação ao alegar que a representação do movimento nas eleições reflete uma situação normal em todas as forças políticas vigentes, dado que o período de divisão nacional durou quinze anos e resultou em fissuras faccionárias, tanto na base popular quanto na liderança. Na verdade, porém, a situação parece extraordinária, dado o peso político do partido na presidência e no parlamento palestino, sem mencionar ainda a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

Os círculos de liderança do Fatah alegam também que as experiências vivenciadas previamente pelo movimento concedem ao grupo habilidades para superar tais disputas internas, em favor dos interesses do movimento, em particular, e do contexto palestino, em geral, a fim de contribuir com a solução da crise nacional ainda em curso.

A aliança entre al-Qudwa e Barghouti surgiu como surpresa ao Fatah e seu presidente Mahmoud Abbas. Barghouti havia anunciado, através de figuras próximas, que não pretendia romper com o consenso partidário nas eleições legislativas, mas sua súbita reviravolta em coligar-se com al-Qudwa remodelou o mapa político e impactou as chances de vitória do Fatah.

Cartaz com retrato de Marwan Barghouti, líder aprisionado do Fatah, durante protesto em 14 de abril de 2015 [Shadi Hatem/Apaimages]

Cartaz com retrato de Marwan Barghouti, líder aprisionado do Fatah, durante protesto em 14 de abril de 2015 [Shadi Hatem/Apaimages]

Aqueles que observam as partes concorrentes nas eleições legislativas palestinas encontrarão enormes semelhanças – ao ponto de conformidade – entre os programas propostos, incluindo as três listas do Fatah, o Hamas, os grupos de esquerda e as forças independentes. Contudo, a maior divergência emerge na perspectiva econômica de cada coligação, eventual foco nas iminentes campanhas eleitorais.

Por outro lado, o eleitor palestino possui quatro fatores determinantes para comprometer seu voto às listas em disputa: primeiro, melhora nas condições econômicas e capacidade da coligação em conceder soluções às sucessivas crises financeiras que afligem o povo; segundo, combate à corrupção flagrante nas instituições da Autoridade Palestina; terceiro, fim do bloqueio militar imposto à Faixa de Gaza; e quarto, fim da ocupação ou enfrentamento das políticas israelenses de expansão colonial, expropriação de terras palestinas e expulsão de seus habitantes.

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As eleições legislativas palestinas representam uma fonte de incômodo a Israel. Oficiais israelenses de alto escalão já ameaçaram não acatar aos resultados do pleito em caso de vitória do Hamas, ao romper laços com a Autoridade Palestina como fizeram após os resultados de 2006, sem excluir a possibilidade de impedir sequer o voto e banir o movimento dos territórios palestinos, além de recusar a entrada de observadores internacionais e, quem sabe, conceder uma legitimidade falaciosa a Abbas em troca de suspender as eleições.

Entretanto, caso Abbas insista em ir adiante ao pleito e caso o Hamas seja vitorioso, então Israel provavelmente deverá reagir ao desestabilizar deliberadamente a segurança na Cisjordânia contra o governo palestino então reconhecido. Não obstante, caso as tensões escalem internamente, a indignação deverá voltar-se justamente a Israel.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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