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De sua solitária, Marwan Barghouti possui as chaves ao futuro do Fatah

Retrato de Marwan Barghouti, líder aprisionado do Fatah, durante protesto em 14 de abril de 2015 [Shadi Hatem/Apaimages]
Retrato de Marwan Barghouti, líder aprisionado do Fatah, durante protesto em 14 de abril de 2015 [Shadi Hatem/Apaimages]

Caso Marwan Barghouti, líder palestino ainda aprisionado, conquiste a presidência da Autoridade Palestina, o status quo mudará substancialmente. Para Israel, assim como para o atual presidente palestino Mahmoud Abbas, tal cenário é ainda mais perigoso do que outra grande demonstração de força do Hamas nas iminentes eleições parlamentares palestinas.

As eleições há muito aguardadas, agora marcadas para 22 de maio e 31 de julho, não apenas representam um divisor de águas para o fragmentado órgão político palestino, como também ao partido Fatah, que domina a Autoridade Palestina desde sua criação em 1994. O movimento certa vez revolucionário tornou-se uma casca de seu antigo eu sob a liderança de Abbas, cuja única legitimidade remete a uma eleição debilmente contestada em janeiro de 2005, após a morte do ex-líder do Fatah e presidente da Autoridade Palestina, Yasser Arafat.

Apesar de expirar em janeiro de 2009, Abbas manteve seu mandato para “liderar” os palestinos. Nesse entremeio, a corrupção e o nepotismo aumentaram significativamente e não apenas Abbas fracassou em assegurar um estado palestino independente, como a ocupação militar israelense e seus assentamentos ilegais criaram raízes cada vez mais profundas e proliferaram exponencialmente na região.

Os rivais de Abbas dentro do Fatah foram marginalizados, presos ou exilados. Marwan Barghouti, líder muito mais popular do partido dominante, foi silenciado por Israel ao ser jogado em uma cela da ocupação ainda em abril de 2002, após uma corte militar condená-lo por envolvimento em operações de resistência durante a Intifada do ano 2000. O arranjo serviu bem a Abbas, ao manter um benefício ambíguo: por um lado, desfrutou da popularidade de Barghouti; por outro, de sua ausência.

Quando, em janeiro último, Abbas declarou a intenção de conduzir três rodadas eleitorais sucessivas – eleições legislativas em 22 de maio, presidenciais em 31 de julho e para o Conselho Nacional Palestino (CNP) em 31 de agosto –, o atual presidente palestino não poderia antecipar que seu decreto, resultado de intenso debate entre Fatah e Hamas, potencialmente lançaria um processo de implosão de seu próprio partido.

A rivalidade entre Fatah e Hamas possui décadas de história, mas agravou-se em janeiro de 2006, quando o movimento de resistência sediado em Gaza venceu as eleições legislativas nos territórios ocupados. A vitória do Hamas foi parcialmente atribuída à própria corrupção do Fatah, mas uma rivalidade interna também dividiu votos de seus correligionários.

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Embora as fraquezas estruturais do Fatah sejam, em parte, responsáveis pelo aumento na popularidade do Hamas, estranhamente foi a subsequente rivalidade com o grupo que manteve o partido hegemônico de algum modo em sobrevida. De fato, o sentimento anti-Hamas serviu como denominador comum a diversos ramos do Fatah. Com pouco dinheiro proveniente dos países doadores, o Fatah passou a utilizar sua “generosidade” para manter a dissidência ao mínimo e, quando preciso, punir aqueles que recusavam-se a aderir à corrente pró-Abbas. Tal estratégia foi bem sucedida sob duro teste em 2010, quando Mohammed Dahlan – “homem forte” do partido em Gaza, antes de 2006 – foi expulso do comitê central do Fatah e banido da Cisjordânia, após ter de deixar também a Faixa de Gaza, quatro anos antes.

Mas este paradigma conveniente jamais pôde sustentar-se sozinho. Atualmente, Israel aprofunda ainda mais sua ocupação militar, intensifica atividades coloniais ilegais e rapidamente anexa terras palestinas em Jerusalém e Cisjordânia. O cerco de Gaza, embora trágico e mortal, tornou-se rotina e não mais resguarda qualquer prioridade internacional. Uma nova geração de palestinos nos territórios ocupados já não possui qualquer simpatia a Abbas e sua velha guarda e demonstra clara insatisfação com as políticas tribais e regionais sob as quais a Autoridade Palestina continua a governar os palestinos ocupados e oprimidos.

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Sem estratégias ou respostas, Abbas detém nenhuma sobrevida política e pouquíssimos aliados.

Com recursos financeiros em franco declínio, sob o fato inexorável de que Abbas, aos 85 anos, deve logo elaborar alguma transição em seu partido, para evitar seu colapso na eventualidade de sua morte, o Fatah foi forçado a contentar-se com uma realidade bastante desagradável: sem novas eleições, a Autoridade Palestina perderia sua pouca legitimidade política com a qual ainda governa o povo palestino.

A princípio, Abbas não demonstrou preocupação com outro revés, como aquele de 2006, quando o Hamas conquistou a maioria dos assentos do Conselho Legislativo Palestino (CLP). Até recentemente, a maioria das pesquisas de opinião indicavam que a lista pró-Abbas apresentada pelo Fatah mantinha ainda uma margem confortável na liderança das eleições de maio, além de prever a reeleição de Abbas como presidente em julho. Com seus poderes intactos, Abbas poderia até mesmo expandir sua legitimidade ao permitir que o Hamas e outros grupos adentrassem ao Conselho Nacional Palestino, parlamento estabelecido pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP) aos palestinos na diáspora. Não apenas Abbas poderia renovar a fé em sua autoridade, como poderia entrar para a história como homem supostamente responsável por unir seu povo.

As coisas, no entanto, não saíram como planejado e o problema, desta vez, não veio do Hamas, mas do próprio Fatah. Abbas jamais previu desafios internos – a remoção de Dahlan, os sucessivos expurgos de influentes comitês partidários e a marginalização de qualquer dissidência verteu ao político veterano toda a confiança necessária para avançar em seus planos.

O primeiro desafio, porém, emergiu em 11 de março, quando Nasser al-Qudwa, respeitado ex-diplomata e sobrinho de Yasser Arafat, foi expulso do Comitê Central do Fatah por desafiar a hegemonia de Abbas. Em 4 de março, al-Qudwa decidiu medir forças com o presidente palestino ao anunciar sua candidatura nas eleições legislativas com uma lista distinta.

A segunda e maior surpresa surgiu em 31 de março, apenas uma hora antes de encerrar o prazo para o registro eleitoral do Comitê Central, quando a lista de al-Qudwa expandiu-se para incluir apoiadores de Marwan Barghouti, sob a liderança de sua esposa, Fadwa.

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Pesquisas de opinião sugerem agora que a lista de Qudwa e Barghouti não apenas dividirá o movimento de Abbas como de fato conquistará mais assentos no parlamento, ao derrotar tanto a lista tradicional do Fatah como até mesmo o Hamas. Caso assim ocorra, a política palestina estará do avesso.

Além disso, o fato do nome de Marwan Barghouti não estar na lista mantém viva a possibilidade de que o líder aprisionado do Fatah possa ainda concorrer às eleições presidenciais de julho. Caso isso também ocorra, Barghouti baterá Abbas sem muito esforço.

O presidente palestino vive agora uma situação que não podemos invejar. Cancelar as eleições levaria a protestos, senão violência. Prosseguir adiante significa o iminente declínio de Abbas e seu pequeno, embora poderoso, círculo político, que beneficiou-se enormemente do confortável arranjo político criado por si próprio.

Como está atualmente, a chave do futuro do Fatah repousa agora nas mãos de um prisioneiro palestino, Marwan Barghouti, mantido em custódia por Israel, amplamente em confinamento solitário, desde o remoto ano de 2002.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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