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Não sei da minha mãe há 1.400 dias devido à repressão da China, relata acadêmico uigur

Abdulresit Celil Karluk, acadêmico e representante dos muçulmanos uigures, fala sobre as dores de seu povo nos campos de concentração chineses, desde 2017

Como acadêmico e representante dos muçulmanos uigures, o professor Abdulresit Celil Karluk conversou com o MEMO sobre o sofrimento de seu povo nos campos de concentração da China, desde 2017. Karluk discutiu a política genocida chinesa contra a minoria étnica uigur na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, também conhecida como Turquestão Oriental.

O professor relata que perdeu absolutamente o contato com sua família, supostamente radicada no Turquestão Oriental, desde março de 2017. “Na era da tecnologia chinesa Huawei, é trágico que quase 1.400 dias se passaram desde que ouvi a voz de minha mãe, hoje com 90 anos de idade”, destacou Karluk.

“De fato, a distância de minha família não é algo restrito a mim. Após a China abrir seus campos de concentração pseudonazistas na região, milhões de turcomanos uigures perderam contato com seus parentes na diáspora. Como vimos desde então, aqueles que têm família no exterior foram levados aos campos. Um de meus irmãos foi capturado em 2017”.

Rumores chegaram ao professor de que seu irmão foi devolvido à sua casa em 2018, após grave tortura. Como resultado, ficou paraplégico.

“Mais tarde, recebi outras informações confirmadas pela embaixada chinesa em Ancara que outro irmão meu também foi levado aos campos. Não tenho conhecimento sobre as alegações específicas que resultaram na prisão de meus irmãos”, destacou Karluk.

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O professor relatou-me ter escrito diversas cartas à embaixada chinesa sobre a situação de sua família, sobretudo sua mãe. “Não responderam às minhas perguntas. Porém, enviaram uma carta indiretamente a mim através da universidade em que leciono, em Ancara”.

A equipe da embaixada aparentemente não trata apropriadamente os uigures preocupados na Turquia, apesar dos antigos ritos diplomáticos preconizados pela China. “Comportam-se de forma bastante arrogante e prejudicam a imagem do país”, argumentou Karluk. “Eles sabem que eu adquiri cidadania turca porque, em 2016, após me tornar cidadão turco, submeti todos os documentos que queria para renunciar à minha cidadania chinesa”. Em seguida, foi convocado à embaixada, mas sentiu que não havia garantias de segurança ou sequer à sua vida caso entrasse na embaixada de um país “ditatorial”. Prosseguiu: “Na realidade, não me pareceu aconselhável entrar na embaixada chinesa, à medida que a tragédia do jornalista Jamal Khashoggi, morto dentro do consulado da Arábia Saudita em Istambul, permanecia fresca em nossa memória. Seria também perigoso para mim entrar na China com meu passaporte turco”.

Antes de mudar-se para a Turquia, Karluk trabalhou como acadêmico em Pequim, onde convivia com milhares de estudantes e colegas de diversas nacionalidades. “Perdi contato com quase todos eles”, reiterou.

O censo oficial da China reconhece 55 minorias étnicas no país. A crise, não obstante, levou Karluk a escrever seu livro recém publicado: To be Chinese and Others in China (Ser chinês e outros na China, em tradução livre). O professor detalhou ao MEMO suas motivações para produzir a obra.

“Quando eu estava no ensino médio, eu me perguntava porque os nomes de nossos lugares de origem, como Kasgar, Aksu e Hoten, eram turcos, mas a região era denominada Xinjiang, em chinês. Por que nossas províncias são escritas em turco e o nome da região autônoma em chinês? Mais tarde, como estudante da universidade de Pequim, pesquisei por quase quinze anos sobre a sociologia das minorias da China. É bastante raro ver versões originais de uma mesquita no país. É muito importante compreender o que significa ser chinês em paralelo às políticas discriminatórias do governo contra as minorias em seu território. Meu livro concentra-se nessas questões”.

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Segundo o professor Karluk, a China tem pouca consideração por grupos religiosos e a repressão de Pequim é efetivamente extensa. Por exemplo, o Partido Comunista Chinês intensificou sua perseguição contra cristãos à medida que a fé ganhou popularidade. Uma nova tradução da Bíblia teve de ser aprovada pelo estado e esperava-se sua publicação em 2020.

Karluk destacou, em contraponto, que também há o problema de conscientizar o mundo islâmico sobre as nuances da China e sua cultura. “O mundo islâmico sequer tenta compreender o que significa ser chinês. Os países islâmicos são alheios à cultura chinesa. Deveriam saber mais e abrir novos institutos acadêmicos na China e Ásia Central”.

Uma pesquisa obtida com antecedência pela rede Associated Press, conduzida pelo antropologista alegão Adrian Zenz, observou que centenas de milhões de dólares investidos por Pequim no controle de natalidade empurraram Xinjiang de uma das regiões que mais crescia na China para a última colocação, em apenas alguns anos. Ao referir-se à política de esterilização mandatória do governo chinês, Karluk reafirmou o apelo para que o Partido Comunista Chinês suspenda a prática imediatamente.

“No processo de erradicação do extremismo, a mente das mulheres uigures em Xinjiang foi emancipada … elas já não são mais máquinas de fazer bebês”, escreveu a embaixada chinesa em Washington no Twitter, em janeiro último. A mensagem, contudo, foi posteriormente deletada pela rede social.

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