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Muçulmanos boicotam política britânica antiterrorismo, após aparelhamento sionista

William Shawcross em Londres, Reino Unido, 10 de março de 2011 [Dominic Lipinski/Getty Images]
William Shawcross em Londres, Reino Unido, 10 de março de 2011 [Dominic Lipinski/Getty Images]

Uma coalizão sem precedentes composta por diversos setores da comunidade islâmica britânica decidiu opor-se à decisão do governo de indicar um dos membros-fundadores da Iniciativa Friends of Israel para liderar uma análise de um desprestigiado programa contra a radicalização no Reino Unido. Mais de 450 grupos islâmicos da sociedade civil, além de cem figuras proeminentes, anunciaram seu boicote à reformulação da controversa política Prevent sob a liderança de William Shawcross, cuja nomeação foi descrita como “tendenciosa” por um de seus concorrentes ao posto e ex-chefe de promotoria.

A coalizão histórica representa a maior aliança da sociedade civil islâmica no Reino Unido jamais reunida, para contrapor-se à indicação do governo conservador. O grupo inclui trinta organizações nacionais e dez organizações regionais, além de 350 mesquitas e mais de cem acadêmicos religiosos de destaque, ativistas comunitários e cidadãos em solidariedade. Todos denunciam reiterados comentários islamofóbicos proferidos por Shawcross, ao longo dos anos.

Uma declaração foi emitida em nome da coalizão na tarde desta quarta-feira (17) para explicitar suas objeções à indicação de Shawcross e sua subsequente reação ao boicote da comunidade islâmica. “William Shawcross possui um histórico de hostilidade ao Islã e aos muçulmanos”, enfatizaram os signatários. “Nenhuma análise crítica, objetiva e séria pode ser realizada por alguém com este histórico. Ao contrário, devemos esperar que promova o endurecimento de políticas contra os muçulmanos. Assim, caso organizações islâmicas engajem-se com a análise, fortalecerá apenas sua legitimidade e seu poder em recomendar políticas ainda mais prejudiciais à comunidade … É cada vez mais óbvio que o Prevent promove danos inaceitáveis, mesmo àqueles que colaboram com o programa, convencidos de que os impedem. Malefícios incluem a perfilização e agressão contra crianças muçulmanas (tão jovens quanto quatro anos de idade), designação de toda a comunidade islâmica como ‘comunidade suspeita’, demonização de aspectos do Islã e repressão a críticas legítimas”.

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A coalizão destacou ainda que continuará a pressionar contra a reformulação desenvolvida por Shawcross, além de conceder apoio a medidas para instituir um processo independente de análise com foco nas vítimas do impacto do programa Prevent. Tal revisão independente deverá ser embasada, reiteram os signatários, por evidências robustas e ajuda de especialistas.

Organizações por liberdades civis e direitos humanos, como a Anistia Internacional, também reivindicam há algum tempo uma análise independente do suposto programa antiterrorismo. Consideram que o Prevent efetivamente discrimina a população islâmica e oprime a liberdade de expressão.

Segundo Layla Aitlhadj, principal porta-voz da coalizão e diretora do grupo de apoio Prevent Watch, a coalizão boicota a presente análise pois esta ignora danos significativos causados pelo programa do governo britânico. “A remodelação carece de credibilidade”, reiterou Aitlhadj. “Seu revisor, William Shawcross, é visto como parcial e o governo não demonstra qualquer intenção de levar nossos receios a sério. Em síntese, este governo não pode ser confiado com uma análise abrangente e verdadeiramente independente do Prevent”.

Durante seu período junto do Prevent Watch, Aitlhadj documentou mais de 500 casos preocupantes envolvendo o programa britânico, que evidenciam “danos a crianças e famílias muçulmanas, assim como a sociedade islâmica como um todo”. Ao descrever tais casos como “apenas a ponta do iceberg”, acrescentou: “Há fartura de evidências que indicam que o Prevent representa de fato uma política inerentemente islamofóbica. É isso que um processo verdadeiramente independente de análise traria à atenção do público”.

Suas preocupações sobre a indicação de Shawcross referem-se aos termos de referência como “restritivos”, dado que o político sionista aparentemente comprometeu-se somente em fortalecer o programa, sem qualquer consideração séria a seus aspectos negativos. “Sem um processo efetivamente livre, as vozes dos mais impactados pelo Prevent jamais serão respeitadas de fato e expressadas ao público, como merecem. A coalizão pretende apoiar, portanto, todas as medidas para instituir uma comissão popular robusta”.

O professor Nasar Meer da Universidade de Edimburgo condenou veementemente a iniciativa fracassada, ao descrevê-la como “política ruim … que piorou com o tempo”. Meer acredita que uma análise independente sobre seus ataques à liberdade de expressão e outras liberdades fundamentais e sua subsequente criminalização de comunidades específicas é há muito necessária. “Infelizmente, a revisão de Shawcross não prevê nada disso”.

O sheikh Shams ad-Duha Muhammad, fundador do Colégio Ebrahim, trouxe atenção ao fato de que Shawcross foi membro do conselho da Sociedade Henry Jackson, notoriamente conservadora e antipalestina, e presidente da Comissão de Filantropia do Reino Unido. “Seu mandato na comissão é bastante controverso”, enfatizou Muhammad. “Quando um homem com seu histórico recebe mais e mais poderes sobre a comunidade islâmica, em seu novo papel, tais políticas aprofundam ainda mais percepções negativas sobre o Prevent e destroem a confiança em nossos líderes, incumbidos de nos proteger. Trata-se de uma medida absolutamente espantosa”.

Sob a liderança de Shawcross, a Comissão de Filantropia foi acusada de parcialidade institucional, ao pressupor de modo injustificado que boa parte do extremismo provinha de organizações islâmicas. Cerca de 38% das investigações estatutárias divulgadas sob sua tutela alvejaram grupos islâmicos.

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Em 2012, como diretor da Sociedade Henry Jackson, declarou Shawcross:  “A relação entre Europa e Islã é um dos maiores e mais assustadores problemas do nosso futuro. Penso que há crescimento vasto e bastante rápido da população islâmica em todos os países europeus”. A instituição sionista recebeu mais de £80 mil do Ministério do Interior, com as quais financiou viagens a Israel e concedeu doações a parlamentares conservadores, como Priti Patel e Michael Gove. Uma investigação conduzida pelo Byline Times revelou que a Sociedade Henry Jackson desenvolveu laços íntimos com o conspirador de extrema-direita Steve Bannon. Patel, aliás, participou de seu conselho político até 2016.

O Conselho Islâmico da Grã-Bretanha descreveu a indicação de Shawcross como um avanço “trumpiano”. Porém, não filiou-se ainda à coalizão de boicote. Até o momento da escrita, não recebi resposta da organização para comentar o fato. Não obstante, a entidade denunciou publicamente Shawcross como “singularmente inapto a representar um assessor neutro e justo a esta política pública, criticada por atacar injustamente britânicos muçulmanos, considerando suas aterradoras opiniões sobre o Islã e a comunidade islâmica”.

Em certo momento, Nazir Afzal, ex-chefe da promotoria da coroa no noroeste britânico, foi cotado como possível revisor da iniciativa Prevent. Segundo Afzal, sua recusa ao convite decorreu da determinação da Secretária do Interior Priti Patel em nomear Shawcross. “Fui ludibriado a crer que se tratava de uma seleção aberta”, declarou o ex-promotor. Oficiais do governo, relatou, “literalmente imploraram” para que comparecesse a uma entrevista final após sua decisão de abdicar do processo, em novembro, quando notícias vazaram sobre a iminente indicação de Shawcross à função, semanas antes da tal entrevista. Era como se Shawcross fosse fato consumado.

William Shawcross emergiu no último ano como figura de destaque em um consórcio sionista, formado pela grande imprensa e a elite política do Reino Unido, para socorrer o periódico antipalestino Jewish Chronicle das margens da falência. De fato, seu contundente apoio a Israel é algo que Shawcross compartilha com Patel e Gove – sionismo como denominador comum.

O perfil de Shawcross, portanto, encaixa-se perfeitamente nos erros fatais do programa Prevent, denunciado por grupos de direitos humanos e pela comunidade islâmica por sua agressão sistemática contra cidadãos muçulmanos, destacou Abdurrahim Boynukalin, presidente da filial britânica do Partido Justiça e Desenvolvimento da Turquia (AK). Para Boynukalin, a nomeação de Shawcross é evidência flagrante da ascensão do sentimento islamofóbico no Reino Unido. “Fora Prevent e fora Shawcross”, reiterou.

Nesta conjuntura, é bastante irônico que o governo britânico conseguiu reunir a diversa e frequentemente divergente comunidade islâmica no Reino Unido, ao conduzir uma indicação tão controversa. Ainda não sabemos se tamanho boicote sem precedentes será capaz de convencer a Secretária do Interior a reverter sua decisão, considerando que observadores já alertam que a reformulação do programa Prevent está fadada ao fracasso, caso não escute a comunidade islâmica. Entretanto, não guardo expectativas.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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