Democratas são ameaça tão grande à paz e justiça na Palestina quanto republicanos

Secretário de Estado dos Estados Unidos Antony Blinken durante a primeira visita do Presidente Joe Biden ao seu departamento, em Washington DC, 4 de fevereiro de 2021 [Saul Loeb/AFP/Getty Images]

Motivados por uma aversão bastante justificada ao ex-Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, muitos analistas esboçaram – apressados demais, acredito – uma imagem pueril de como os democratas rapidamente apagariam a trajetória sinistra do recente governo republicano. Esta ingenuidade destaca-se particularmente na atual virada do discurso sobre Israel e Palestina, que mais uma vez promove a ilusão de que os democratas terão êxito onde fracassaram seus adversários eleitorais.

Há diferenças óbvias na abordagem democrata ao conflito israelo-palestino, mas apenas demagogia e semântica e não ações. Podemos observar este pressuposto ao examinar a linguagem oficial do governo democrata sobre Palestina e Israel e então considerá-la dentro do contexto das políticas em campo.

Tomamos, por exemplo, os recentes comentários do Secretário de Estado dos Estados Unidos Antony Blinken em entrevista à rede CNN, em 8 de fevereiro. Blinken nos recordou da engenhosa – embora dissimulada – política internacional americana sob outros governos democratas. Sem dúvida, Blinken escolheu suas palavras com cuidado, o que pode parecer uma completa ruptura do tom beligerante e direto de seu predecessor, Mike Pompeo.

Porém…

“Veja, deixando de lado as legalidades da questão [isto é, a ocupação ilegal israelense sobre o território sírio], em termos práticos, Golã é muito importante à segurança de Israel”, declarou Blinken. Mais tarde, na mesma entrevista, voltou a descartar as “legalidades” em questão. “Aspectos legais são outra coisa”, insistiu, antes de prosseguir a discursar vagamente, sem qualquer compromisso, sobre o futuro da Síria.

Agora, proponho justapormos a atitude de Blinken sobre a ocupação ilegal de Israel das colinas de Golã, pertencentes à Síria, com comentário de Pompeo, em novembro último. “É parte de Israel e parte central de Israel”, reafirmou o então Secretário de Estado, ao lado do chanceler israelense Gabi Ashkenazi, em visita ao território ocupado.

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A posição de Pompeo, em flagrante violação da lei internacional, foi devidamente condenada por árabes e palestinos e criticada por diversos governos e fóruns internacionais. A posição de Blinken, no entanto, gerou pouca atenção da mídia e crítica irrisória – se houve alguma – em âmbito regional ou internacional. Não deveria ser assim.

Ao reconhecer a relevância das “legalidades”, mas deixá-las de lado em favor da questão supostamente prioritária da segurança de Israel, Blinken simplesmente defendeu o status quo que perpetua a ocupação militar israelense. Em suma, a mesma postura defendida com entusiasmo por políticos republicanos.

Em síntese, esta é justamente a doutrina democrata sobre Palestina e Israel e, com efeito, prevalece assim mais ou menos desde o governo de Bill Clinton. A atual gestão de Joe Biden, sem dúvida, segue os mesmos passos, que permitem a Washington apresentar-se como agente neutro – “mediador de paz” – enquanto efetivamente ajuda Israel a conquistar seus objetivos estratégicos às custas do povo palestino.

Qualquer distinção entre a retórica democrata ou republicana sobre Palestina e Israel representa um fenômeno relativamente recente. Curiosamente, foi o governo republicano de George Bush, em 1991, que instituiu a atual narrativa democrata sobre a Palestina. No fim da Primeira Guerra do Golfo, Bush passou a defender conversas multilaterais entre o estado sionista e regimes árabes em Madri. Dentro de alguns anos, um discurso americano totalmente novo foi formulado.

Ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos Mike Pompeo (centro) e Ministro de Relações Exteriores de Israel Gabi Ashkenazi (3° à esquerda) inspecionam as colinas de Golã, em 19 de novembro de 2020 [Ministério de Relações Exteriores de Israel/Agência Anadolu]

Os ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos substituíram a retórica sobre o processo de paz em termos da política externa republicana com um novo tom, dedicado expressamente ao combate ao “terrorismo islâmico”. Israel aproveitou a oportunidade e aderiu à onda, ao aplicar a nova terminologia e conduta de Washington no Oriente Médio, para apresentar-se como parceiro na chamada “guerra ao terror”.

Para conter o colapso da hegemonia política dos Estados Unidos em âmbito global, como resultado na invasão do Iraque, em 2003, o governo de Barack Obama prontamente priorizou restaurar a tradicional posição americana, ao oferecer mais outra vez os serviços de Washington como “mediador honesto” para o Oriente Médio. Desta forma, é verdade quando dizemos que Obama trabalhou para recuperar a relevância do país em termos de “paz”, ao retornar à linguagem dissimulada do passado. Por trás da retórica, porém, Obama sempre impunha o ônus e as concessões do processo aos palestinos, ao lembrar gentilmente Israel de suas responsabilidades sobre a população civil nativa dos territórios ocupados.

O discurso de Obama no Cairo, em abril de 2009, representou seu mais importante pronunciamento sobre a região, ao conceder evidências condenatórias dos inúmeros lapsos éticos e legais da política externa dos Estados Unidos, sobretudo sob gestão dos democratas. O discurso, que pretendia servir como divisor de águas na abordagem americana sobre o Oriente Médio, expôs o viés tendencioso de Washington a favor de Israel, sobretudo ao expressar falácias históricas e velhos apelos emocionais.

De fato, Obama vagueou deliberadamente entre a perseguição às comunidades judaicas ao longo da história e o “direito” israelense de garantir sua segurança às custas dos palestinos oprimidos, como se a violência sionista fosse uma tentativa genuína de impedir novas perseguições aos judeus. Em contraponto, Obama insistiu – com pouca empatia ou contexto – que os “palestinos devem abandonar a violência”, portanto, retratando os palestinos e sua resistência legítima contra a ocupação de suas terras como verdadeiro obstáculo à paz na região. Culpar a vítima sempre foi um pilar central da política externa americana, particularmente ao tratar-se da Palestina, um traço comum a democratas e republicanos.

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Desta forma, enquanto republicanos cada vez mais ignoram os direitos e, por vezes, a própria existência do povo palestino, os democratas continuam a apoiar Israel com paixão idêntica, apesar de uma linguagem mais moderada, ainda inconsequente. Por exemplo, democratas acreditam que os palestinos são responsáveis por instigar a violência, embora Israel tenha usado, vez ou outra, força desproporcional em “resposta” a supostos ataques palestinos. A lei internacional certamente existe para os democratas, mas pode ser posta “de lado” com tranquilidade, a fim de acomodar a segurança de Israel. Para os democratas, há sim fronteiras reconhecidas internacionalmente, mas tais fronteiras são flexíveis conforme os receios demográficos da ocupação sionista, seus interesses estratégicos e sua “margem militar”.

Portanto, é mais fácil contestar ou condenar a agenda de política externa representada por Trump, Pompeo e outros republicanos, apenas porque suas ações mais agressivas e depreciativas continuam, sem dúvida, censuráveis. O discurso democrata, contudo, não pode ser repudiado tão facilmente, pois utiliza uma traiçoeira mistura de superficialidade, platitudes políticas e clichês históricos, fraseado meticulosamente com o objetivo de retomar Washington ao banco do motorista, não importa o processo político que esteja em curso.

Enquanto a postura democrata permanecer comprometida em armar e proteger Israel, a gestão Biden não precisa conceder aos árabes e palestinos qualquer mudança verdadeira. Qualquer mudança significativa só pode ocorrer em respeito à lei internacional. Infelizmente, segundo a lógica distorcida do sionismo expresso do Secretário de Estado Antony Blinken, tais “legalidades” são triviais e devem ser, por ora, deixadas de lado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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