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Israel, Estados Unidos e a crise do acordo nuclear iraniano

Mulheres iranianas passam em frente a um mural pintado na antiga embaixada dos Estados Unidos em Teerã, capital do Irã, em 4 de novembro de 2020, logo após as eleições presidenciais americanas [Atta Kenare/AFP/Getty Images]
Mulheres iranianas passam em frente a um mural pintado na antiga embaixada dos Estados Unidos em Teerã, capital do Irã, em 4 de novembro de 2020, logo após as eleições presidenciais americanas [Atta Kenare/AFP/Getty Images]

O governo israelense prepara-se para uma nova fase de seu relacionamento com os Estados Unidos sob o governo de Joe Biden. Desta vez, esperam-se divergências e impasses, diferente dos últimos quatro anos sob presidência de Donald Trump, que fez tudo ao seu alcance para satisfazer a extrema-direita israelense liderada pelo Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu.

Uma área de possível divergência com a nova gestão não está vinculada a qualquer atitude específica dos Estados Unidos contra Israel, mas sim sobre o próprio conceito dos interesses regionais de Tel Aviv. Sucessivos governos americanos, em geral, são ávidos por garantir os interesses políticos, econômicos e militares do aliado sionista, sobretudo ao preservar a hegemonia da ocupação em todo o Oriente Médio, ao menos porque Israel age como ferramenta em benefício de Washington, dada a forte aliança entre os países.

As diferenças entre Estados Unidos e Israel remetem, portanto, a posições dos governos Biden e Netanyahu em duas principais questões. A primeira, relacionada à solução de dois estados e à aparente oposição de Biden à imposição de fatos em campo pela ocupação militar israelense nos territórios palestinos ocupados, sobretudo construção de assentamentos e mudanças legais que possam ameaçar o prospecto binacional. A posição de dois estados é também aceita pela maioria dos judeus americanos, que acreditam ser o melhor dos interesses para preservar Israel, sua sólida maioria judaica e um suposto sistema democrático. Trata-se de um requisito essencial para manter apoio e alianças nos países do Ocidente.

A segunda questão é o acordo nuclear com o Irã. Israel crê que Teerã busca desenvolver mísseis atômicos de precisão, capazes de ameaçar a substancial vantagem militar israelense na região. No momento, porém, o estado sionista é o único no Oriente Médio a possuir armas de destruição em massa e sistemas balísticos para dispará-las a longo alcance – e deseja continuar assim.

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O desacordo com os Estados Unidos neste ponto não está no objetivo, mas sim na forma adotada para alcançá-lo. Israel pensa que o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) concede ao Irã seus anseios, ao suspender sanções e emitir recursos que podem garantir a continuidade de programas militares, incluindo o desenvolvimento de seu sistema de mísseis. Além disso, do ponto de vista israelense, após quinze anos, quando expirar o acordo, o Irã terá caminho livre para prosseguir com seu programa nuclear militar – embora Israel afirme que seu desenvolvimento jamais foi interrompido, ainda ativo, longe dos olhos internacionais. Trump retirou os Estados Unidos do acordo, em 2018, mas a nova gestão acredita que retomá-lo é a única forma de impedir o Irã de desenvolver armas atômicas. Biden não enxerga os mísseis iranianos como um problema urgente, mas quer debater a questão com Teerã e limitar suas capacidades no futuro.

O mundo árabe sob influência do Irã e Estados Unidos/Israel [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

O mundo árabe sob influência do Irã e Estados Unidos/Israel [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Israel, por outro lado, quer eliminar o programa nuclear iraniano ao agravar sanções econômicas contra Teerã, que supostamente seriam capazes de impedir o país de fabricar e desenvolver mísseis. O uso da força também é uma possibilidade – Israel cogita destruir fisicamente instalações nucleares do Irã. A revogação do acordo nuclear por Trump foi promulgada sob pressão israelense, assim como a subsequente restituição de sanções. Os israelenses foram ainda um passo adiante e não apenas sabotaram instalações nucleares iranianas, como também estão por trás de uma onda de assassinatos contra cientistas nucleares na república islâmica, segundo relatos. A última vítima foi o pai do programa nuclear iraniano, Mohsen Fakhrizadeh.

Biden parece inclinado a retomar a anuência americana ao acordo nuclear e Israel sente-se de mãos atadas. É possível que o estado sionista volte-se agora a seus novos melhores amigos no mundo árabe para pedir ajuda e pressionar Washington sobre a questão, dado que entre os objetivos árabes para a normalização está a construção de um fronte contra Teerã. Os estados do Golfo consideram o Irã uma enorme ameaça à sua segurança e estabilidade, o que significa que seus interesses convergem aos de Israel.

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Contudo, há problemas em tentar obter pressão árabe contra os Estados Unidos, incluindo o fato de que alguns países árabes vincularam seus interesses ao governo Trump, que omitiu-se sobretudo diante das graves violações de direitos humanos cometidas por países aliados. Com Joe Biden na Casa Branca, tais regimes estão agora em desvantagem e precisam melhorar imediatamente sua relação com o novo governo americano, antes de atingir um patamar onde possam impor alguma pressão.

Há também diferenças entre os próprios países árabes. Por exemplo, nem todos os estados do Golfo adotam a mesma abordagem sobre a questão. Omã e Catar, por exemplo, mantêm relações próximas com o Irã. Mesmo os Emirados Árabes Unidos possuem algum tipo de cooperação econômica e militar com o regime iraniano. Desde a reconciliação entre Arábia Saudita, Emirados, Bahrein e Egito, por um lado, e Catar, alvo de anos de bloqueio pelo grupo de países, por outro, Doha sugere maior diálogo com Teerã para melhorar relações. Parece haver algum grau de interesse em fazê-lo, de modo que, neste caso, Israel pode efetivamente isolar-se perante qualquer confronto com o Irã, mesmo que obtenha apoio de alguns países árabes contra projetos iranianos na região.

Diante de tais divergências com Biden sobre o programa nuclear iraniano e as persistentes tentativas israelenses de influenciar a política americana, o que pensa a ocupação caso os Estados Unidos de fato retornem ao acordo – o que parece provável? Embora não seja capaz de executar um ataque em larga escala para destruir instalações nucleares e sistemas de mísseis, parece provável que Israel continue a sabotar o desenvolvimento do programa atômico iraniano, de um modo ou de outro.

Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede al-Ayyam, em 27 de janeiro de 2021

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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