Paraguai e sua embaixada que era em Jerusalém

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e sua esposa Sara, com o então presidente do Paraguai, Horacio Cartes, na inauguração da Embaixada do Paraguai em Jerusalém. [ Amos Ben Gershom, GPO, Fotos Públicas]

Horacio Cartes (ANR – Partido Colorado) presidiu o Paraguai entre agosto de 2013 a agosto de 2018, sendo o primeiro presidente eleito após o golpe com apelido de impeachment  que veio a derrubar o chefe de Estado constitucional Fernando Lugo, em junho de 2012. O presidente que transferiu a embaixada paraguaia em Israel de Tel Aviv para Jerusalém em maio de 2018 foi antecedido pelo médico e agora radialista, Federico Franco, do PLRA, partido de centro-direita que era coligado com o Frente Guasú (guarda-chuva de partidos de centro-esquerda com algumas agrupações mais à esquerda), legenda essa do presidente deposto. Parece um modus operandi do novo intervencionismo estadunidense com alianças oligárquicas e reacionárias na América Latina. Como de costume, a direita latino-americana de imediato reproduz o pacto estadunidense neocon (neoconservadores) e telecon (tele-evangelistas) e levanta a bandeira sionista, fingindo ignorar a milhões de famílias descendentes de árabes com presença em todos os países de nosso Continente.

O golpe paraguaio 

Lugo é ex-bispo da Igreja Católica que se tornara um político de centro-esquerda, eleito em agosto de 2008 e destituído em junho de 2012. O hoje senador (eleito e reeleito após seu impeachment) com algumas posições moderadas, quando em seu mandato à frente do governo nacional paraguaio, tomou medidas delicadas para a correlação de forças no país de maioria guarani, tais como: promoção da reforma agrária; tentar impedir a instalação de uma base militar dos Estados Unidos; questionar os títulos grilados dos chamados “brasilguaios”; além de abrir uma base de diálogo com os movimentos sociais paraguaios, em especial indígenas e camponeses.

Seu impeachment foi “justificado” pelo chamado Massacre de Curuguaty , município localizado no Departamento de Canindeyú, fazendo fronteira com os estados brasileiros do Paraná e Mato Grosso do Sul. Nesta localidade, após algumas semanas de ocupação de fazenda improdutiva pertencente ao ex-senador Blas Riquelme (também ex-presidente do poderoso Partido Colorado), o cerco da Polícia Nacional do Paraguai termina por transformar famílias camponesas em alvos móveis dos atiradores da repressão. Supostamente as forças policiais teriam sido emboscadas, algo jamais comprovado. O fato é que o Massacre resultou em 11 camponeses e seis policiais mortos, fato ocorrido em 15 de junho. No dia 22 de junho pela tarde, tanto Câmara como Senado destituem o então presidente eleito, culminando em dois dias um processo jurídico e político que deveria percorrer os quatro meses previstos na regra legal e constitucional. Não seria o primeiro golpe do gênero na América Latina e nem o último.

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Mudança de sede e uma estranha amizade 

Em abril de 2018 o empresário filiado ao Partido Colorado Mario Abdo Benítez (Marito como é popularmente conhecido, cuja família paterna tem origem libanesa) ganha por menos de três pontos de diferença de seu rival, Efraín Huerta, do PLRA. Já eleito, o novo chefe de Estado não foi consultado da manobra diplomática realizada por seu antecessor, Horacio Cartes, que em maio desse ano transfere a sede da representação diplomática paraguaia em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

Horacio Cartes também é “supostamente” um ex-sócio de Darío Messer –  cidadão  com passaporte brasileiro e paraguaio, além de já ter tido livre trânsito em Israel – este último considerado o “doleiro dos doleiros” do Brasil e preso pela Polícia Federal na Operação Lava Jato em julho de 2019, após  estar foragido havia mais de um ano. Um acordo entre ambos implicava que Messer não se entregaria enquanto o amigo Horacio estivesse no poder. Para retribuir o “carinho” ao amigo, o mega doleiro recebeu do ex-presidente eleito após um golpe de Estado um volume equivalente a 600.000 dólares para “despesas pessoais e de viagens”. A quantia teria sido repassada através do Banco BASA, controlado pela família do ex-mandatário Cartes e o próprio Messer são detentores de um patrimônio absurdamente maior que todos os ingressos de renda e herança registrados em suas vidas. O ex-presidente também é suspeito de narcotráfico.

Antes, no auge do poder e do mandato, Messer fez parte da comitiva oficial do governo paraguaio em viagem à Israel. Na Palestina Ocupada em 1948, Cartes foi recebido com todas as honras por Netanyahu sendo que também recebera o “prêmio Shalom” em Congresso  Mundial Judaico.  No discurso, chamou Dario Messer como “irmão de alma” e o pai do doleiro, como segundo pai. Hoje os amigos são investigados pela Polícia Federal, sendo que o doleiro fechou acordo de delação premiada. Considerando que Dario Messer opera no mercado paralelo de dólares desde o início da década de 1990 e foi “consorciado” com o uruguaio Najun Turner, esse último tendo feito serviço militar e operado na área de inteligência de Israel, é simplesmente impossível que a diplomacia de Israel não tivesse conhecimento destas atividades e dos vínculos de Cartes com a dupla de doleiros.

Retorno da embaixada para Tel Aviv, incidente diplomático e “guerra cultural”

Durou quatro meses a aventura política chauvinista  pois o presidente Marito, também conservador  e colorado, retirou a representação diplomática de Jerusalém para Tel Aviv. Como resposta, em setembro de 2018, o governo Netanyahu fechou sua embaixada no país guarani, criando um alinhamento imediato com a nova extrema direita latino-americana, muito obediente da tese de “choque de civilizações, guerra cultural, islamofobia” além de outras excrescências geradas nos laboratórios da alt-right dos Estados Unidos. Ao que tudo indica, há representação formal do Estado israelense no Paraguai, mas ainda não foi reaberta uma embaixada regular (não consta da lista de representações diplomáticas.

No mesmo dia do retorno da embaixada paraguaia para Tel Aviv, o já ex-presidente Horacio Cartes, “cidadão exemplar” como vimos pela sua ficha corrida de acusações, escreveu o seguinte Twitter:

“Hoje os valores da civilização judaico-cristã foram traídos. Hoje a vontade e o sentimento do povo paraguaio foram traídos. Cada povo que deu as costas a Israel pagou caro.”

Não surpreende nem espanta essa correlação entre um discurso de ódio, lealdade às cegas (talvez por interesses impublicáveis) e subserviência a Trump e Netanyahu de parte do maior beneficiado pelo “golpe paraguaio”, ao menos na carreira política. O abuso do grotesco e da legitimação como se o Estado que promove o Apartheid na Palestina histórica fosse um “oásis de civilização” é tão racista quanto mentiroso. Quais são os valores que Cartes se refere? Deportações em massa e limpeza étnica (Nakba); invasão de territórios vizinhos e criação de bantustões (Naksa)?! Ou tudo não passa de um apelo patético de uma camada dirigente paraguaia que enriqueceu gerando sofrimento ao povo paraguaio e através das conexões com o crime internacional?

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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