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Financiamento coletivo de assassinos israelenses expõe racismo antipalestino enraizado

Amiram Ben-Uliel, extremista judeu condenado pelo incêndio criminoso de Duma, fala com sua esposa por trás de uma vidraça durante audiência de sentença, no tribunal distrital da cidade de Lod, no centro de Israel, 9 de junho de 2020 [Menahem Kahana/AFP/Getty Images]
Amiram Ben-Uliel, extremista judeu condenado pelo incêndio criminoso de Duma, fala com sua esposa por trás de uma vidraça durante audiência de sentença, no tribunal distrital da cidade de Lod, no centro de Israel, 9 de junho de 2020 [Menahem Kahana/AFP/Getty Images]

O racismo antipalestino é enraizado e endêmico em grandes segmentos da sociedade de Israel. Este fato foi demonstrado mais uma vez quando uma campanha de crowdfunding israelense arrecadou mais de 1,38 milhão de shekels (equivalente a £310.000) em apenas cinco dias, na semana passada, para o fundo de recurso legal de Amiram Ben Uliel, terrorista israelense condenado a três penas perpétuas por matar três membros da família palestina Dawabsheh, em 31 de julho de 2015. O incêndio criminoso cometido por Ben Uliel matou a criança de dezoito meses Ali Dawabsheh e seus pais Saad e Riham. Ahmed Dawabsheh, único sobrevivente do ataque, com apenas cinco anos na época, ficou com queimaduras de segundo e terceiro graus em mais de 60% do corpo.

A campanha racista para angariar recursos, criada pela esposa de Ben Uliel, Orian, e pelo grupo de assistência jurídica de extrema-direita Honenu, logo após sua condenação na segunda-feira passada, ultrapassou suas metas em apenas cinco dias. Até o momento, a campanha recebeu dinheiro de mais de 4.900 contribuintes e foi apoiada por uma série de proeminentes personalidades israelenses  incluindo mais de vinte rabinos de todo o espectro religioso nacional e o filho mais velho do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Yair Netanyahu.

“Em preparação para o recurso ao Supremo Tribunal, uma equipe de defesa de advogados de primeira linha está sendo formada a um custo particularmente alto”, escreveram os rabinos em uma declaração conjunta pedindo a libertação de Ben Uliel. “Pedimos que o público contribua generosamente [ao  crowdfunding], conforme sua capacidade individual, para esta campanha de vida ou morte.”

LEIA: Ben Uliel e o assassinato da família Dawabsheh: por que Israel celebra seus terroristas?

Em declaração separada, Elyakim Levanon, rabino-chefe do Shomron e líder do assentamento ilegal Elon Moreh Yeshiva observou: “Todos de Am Yisrael estão em crise. Apelo a todos e cada um para se juntar à campanha para libertar este homem inocente e libertá-lo de toda a culpa, tanto com orações em Rosh Hashaná como com contribuições substanciais.”

O êxito imediato da declaração conjunta dos rabinos e o apoio claro dos israelenses a Ben Uliel exemplificam uma crescente onda de sentimento antipalestino na sociedade israelense, que considera cada vez mais os israelenses que atacam e matam palestinos como heróis. Um vídeo viralizou nas redes sociais, mostrando dezenas de israelenses dançando em comemoração à notícia da morte de Ali Dawabsheh, o que ilustra bem o deleite com que tais notícias são recebidas em Israel.

Ahmed Dawabsheh, irmão de Ali Dawabsheh, que foi morto em um incêndio criminoso cometido por colonos israelense

Ahmed Dawabsheh, irmão de Ali Dawabsheh, que foi morto em um incêndio criminoso cometido por colonos israelense

O caso de Azaria

Mais recentemente, um soldado israelense atirou no palestino Abdel Fattah Al-Sharif na cabeça enquanto ele estava caído, ferido e desarmado. Em maio de 2018, Elor Azaria foi libertado após cumprir apenas metade de sua sentença de dezoito meses, por homicídio culposo. Azaria executou Al-Sharif onze minutos depois do jovem palestino ser baleado e atirado no chão; o soldado foi originalmente acusado de assassinato apenas para ser solto apressadamente pela Polícia Militar de Israel.

Sem surpresa, a condenação de Azaria por homicídio culposo causou alvoroço em Israel e levou uma ampla gama de líderes sociais e políticos a expressarem solidariedade aberta ao assassino, em pedido amplo para que Azaria fosse perdoado. De acordo com o membro do Knesset, Yifat Shasha-Biton, todo o caso foi “fundamentalmente distorcido” desde o início, quando Netanyahu, ciente da condenação de Azaria, observou: “Um dia difícil e doloroso para todos nós”. Protestos massivos pediram a libertação de Azaria, em Israel; segundo estimativas da polícia, cerca de 5.000 pessoas se reuniram na Praça Rabin, em Tel Aviv, com brados de  “morte aos árabes”.

Desde 2018, quando foi libertado, Azaria tornou-se uma verdadeira celebridade em Israel, recebendo grande apoio popular e até mesmo sendo pago para aparecer em anúncios de campanha política do Likud em 2019, ao lado do Vice-Ministro de Proteção Ambiental Yaron Mazuz. A fama crescente de Azaria tem como pano de fundo um sistema de justiça no qual, por exemplo, a palestina Ahed Tamimi, 17 anos, foi mantida em prisão militar por oito meses por supostamente agredir um soldado israelense, após seu primo ser baleado na cabeça com uma bala de borracha, enquanto o assassinato a sangue frio de palestinos atrai sentenças mínimas de prisão ou, em muitos casos, nenhuma pena. “Sem as imagens que se tornaram virais no país e em todo o mundo, ninguém sequer saberia o nome [de Azaria]”, escreveu Allison Kaplan Sommer no jornal Haaretz.

A condenação do racismo na sociedade israelense, exemplificada nos apelos generalizados para libertar o assassino da família Dawabsheh e a falta de responsabilidade dos soldados que assassinam palestinos cotidiana, provavelmente surpreenderá aqueles que ainda estão preocupados com o mito de um Israel igualitário e democrático. O fato serve como alerta que força pessoas razoáveis ​​a lidar com a realidade da sociedade israelense em 2020, tão distinta da imagem promovida por seus apologistas. Longe do contrato social estabelecido em sua declaração de fundação, Israel tornou-se um lugar em que até mesmo o assassino condenado de uma criança de dezoito meses, junto de seus pais, é defendido com veemência e apoiado financeiramente tanto aberta quanto, para a eterna vergonha de Israel e da comunidade internacional, entusiasticamente.

LEIA: Colono israelense recebe três penas perpétuas por assassinato da família Dawabsheh

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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