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Envolvimento da Arábia Saudita na Síria é maior do que parece

Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, encontra-se com o Secretária da Defesa dos Estados Unidos e com o conselheiro adjunto de Segurança Nacional da Casa Branca, em Riad, capital saudita, 19 de abril de 2017 [Jonathan Ernst/AFP/Getty Images]
Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, encontra-se com o Secretária da Defesa dos Estados Unidos e com o conselheiro adjunto de Segurança Nacional da Casa Branca, em Riad, capital saudita, 19 de abril de 2017 [Jonathan Ernst/AFP/Getty Images]

O príncipe herdeiro da Arábia Saudita Mohammed bin Salman voltou recentemente a atrair atenções, após a denúncia de que, apenas duas semanas depois do assassinato de Jamal Khashoggi, o mesmo “esquadrão tigre” viajou ao Canadá para executar Saad al-Jabri, ex-oficial saudita. Soterrado entre tais acusações tão escandalosas, há um fato revelador relacionado à Síria.

Al-Jabri alega que bin Salman encorajou o Presidente da Rússia Vladimir Putin a intervir na Síria, dois meses antes das forças armadas russas se comprometerem com a guerra e encerrarem efetivamente qualquer chance de vitória militar para a oposição ao regime sírio de Bashar al-Assad. Embora muitos comentem sobre este aspecto como algo surpreendente, um exame das ações da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, anteriores à revelação, podem levar à conclusão lúcida de que seu apoio à oposição síria era mais ambíguo do que declarado. Ironicamente, neste mesmo período, outro homem exercia lobby contundente para que a Rússia enviasse tropas à Síria: o falecido general iraniano Qasem Soleimani. Trata-se talvez da recordação mais contundente de que sauditas e iranianos apresentam uma visão mais alinhada sobre Oriente Médio do que gostariam de admitir.

Circunstancialmente, tanto a Arábia Saudita quanto os Emirados Árabes Unidos opõem-se de modo abrangente a qualquer movimento democrático ou mesmo populista na região. Seja no Egito, Tunísia, Palestina ou Líbia, ambos os países dispuseram-se ao lado de autocratas seculares, em oposição característica a movimentos espontâneos da população, em particular diante de qualquer eventual participação ativa de grupos islâmicos. Khalifa Haftar (Líbia), Abdel Fatah el-Sisi (Egito) e Mohammed Dahlan (Palestina), além do estado profundo ligado ao falecido ditador Zine el Abidine Ben Ali (Tunísia), estão entre os eleitos ao apoio de Riad e Abu Dhabi. Uma Síria democrática contrastaria com os planos sauditas e emiradenses para o Oriente Médio, muito menos caso incluísse “ativistas islâmicos” sentados à mesa.

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De fato, os Emirados Árabes Unidos revelaram sua inclinação a Assad de forma explícita ao reabrir sua embaixada em Damasco, em 2018. Um apoio muito mais agressivo a Assad e indicação do ressentimento emiradense à oposição síria revelou-se neste ano, quando Abu Dhabi supostamente ofereceu US$3 bilhões a Assad, para retomar sua campanha contra Idlib. A retomada dos combates neste fronte ameaçam criar outros três milhões de refugiados sírios, dos quais mais de um milhão já estão sob reiterado deslocamento interno. Sem dúvida, levou a milhares de mortos. Sobretudo, segundo relatos, os Emirados Árabes Unidos estão oferecendo efetivamente treinamento a pilotos e oficiais de inteligência de Assad, assistência que viola de modo flagrante o Ato Caesar, isto é, as sanções dos Estados Unidos aprovadas após surgirem evidências graves de tortura e violações de direitos humanos pelo regime sírio.

Isso nos leva a outro fator circunstancial que sugere em quem Arábia Saudita e Emirados de fato apostaram. Refiro-me à antipatia compartilhada entre os governos destes países ao Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan. Sobre este aspecto da narrativa, está ainda o apoio de ambos os estados do Golfo ao grupo curdo Unidades de Proteção Popular (YPG), que se opõe ao regime turco. Este apoio inclui assistência militar. Relatos de envio de tropas egípcias ao norte da Síria reforçam este viés. O Egito é um dos quatro países, junto de Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, alinhados no bloqueio ao Catar, imposto desde 2017, além de outros projetos paralelos na região. Além disso, Riad paga a conta pela presença de tropas dos Estados Unidos no nordeste da Síria, onde aliaram-se a grupos curdos e, principalmente, extraíram petróleo sírio, ao custo de US$500 milhões e contando.

Outra alegação, tão escandalosa quanto, foi revelada contra Riad e Abu Dhabi no que se refere ao assassinato do líder da oposição síria Zahran Alloush, que representou talvez a maior ameaça militar a Bashar al-Assad, quando reuniu a oposição na região de Ghouta, nos subúrbios de Damasco. Após sua morte, a oposição local se desintegrou devido a disputas internas e logo foi derrotada por Assad. A história mostra que as coordenadas de Alloush foram entregues a Assad via Emirados e que seu único instrumento de comunicação era um telefone via satélite dado ao presidente sírio pela Arábia Saudita. Aqueles que apresentam tais acusações também alegam que há impressões digitais do governo emiradense em assassinatos de outras figuras de destaque da oposição síria.

Embora Riad possa ter oferecido algum grau de apoio a alguns grupos da oposição síria, a entrada de tropas russas na equação, convocada por bin Salman, segundo al-Jabri, permitiu aos sauditas que se aproximassem de seu verdadeiro objetivo duplo: conter a influência iraniana na Síria e deteriorar a oposição popular no país. Em último caso, uma leitura da política do reino na região destaca a aversão saudita à ideia de uma democracia síria. Certamente, a influência islâmica presente em parcelas significativas da oposição síria, e sua aliança à Turquia, parecem representar um “mal maior” a Riad do que o próprio Bashar al-Assad, um homem que encaixa-se perfeitamente em seus moldes de liderança árabe: supostamente secular, autocrata e implacavelmente brutal ao tratar de “seus” cidadãos. O envolvimento da Arábia Saudita na Síria é maior do que parece.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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