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As vidas das crianças do Iêmen também importam; a guerra deve ter fim

Crianças em frente a tendas provisórias em um campo de refugiados de Sana’a, capital do Iêmen, 11 de abril de 2018 [Mohammed Hamoud/Agência Anadolu]
Crianças em frente a tendas provisórias em um campo de refugiados de Sana’a, capital do Iêmen, 11 de abril de 2018 [Mohammed Hamoud/Agência Anadolu]

Após cinco anos de conflito, a crise no Iêmen alcançou níveis sem precedentes, onde crianças lutam para sobreviver dia após dia. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) declarou estado de emergência para as crianças iemenitas, que enfrentam a fome como resultado da falta de assistência humanitária e da devastação do país. Além disso, milhões de crianças no país sofrem devido às consequências da pandemia de coronavírus, como a própria suspensão de remessas humanitárias – o que é inaceitável. Onde está a compaixão da Arábia Saudita e seus aliados, que impõem a crianças inocentes o fardo terrível da guerra brutal que decretaram ao Iêmen?

O país já possuía antes um sistema de saúde devastado, assim como sua infraestrutura. Portanto, como é possível que sua população enfrente de algum modo a atual pandemia? A grave situação imposta sobre as crianças do Iêmen provavelmente deverá piorar a menos que a guerra chegue imediatamente ao fim. Segundo o último relatório da Unicef, há 30.000 crianças que “podem desenvolver desnutrição aguda, sob risco de vida, no decorrer dos próximos seis meses; o número total de crianças desnutridas abaixo de cinco anos de idade pode aumentar para 2.4 milhões de crianças”. Muitas destas crianças não serão capazes de sobreviver à pandemia, sem alimento suficiente, muito menos sem instalações médicas adequadas. As crianças do Iêmen foram privadas de uma vida pacífica e normal; privadas de educação, alimento e estabilidade; vivenciaram coisas em sua infância que jamais desejaríamos aos nossos próprios filhos.

Como mãe, é bastante doloroso para mim pensar que as crianças do Iêmen estão sofrendo em uma escala sem precedentes, carentes de qualquer acesso a instalações médicas e serviços essenciais que possam salvar suas vidas. Mark Lowcock, Subsecretário-Geral da ONU para Assuntos Humanitários, relatou ao Conselho de Segurança, em 24 de junho, que o covid-19 espalhava-se rapidamente no Iêmen e que 25% dos casos confirmados foram fatais – “cinco vezes a média global”. Tratam-se de dados bastante preocupantes, que devem ser tratados com urgência pelos governantes em todo mundo, cuja responsabilidade é agir de imediato e denunciar a guerra.

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Entretanto, o Reino Unido recentemente retomou suas vendas de armas à Arábia Saudita, ao alegar que as violações de direitos humanos e outras, decorrentes do desprezo de Riad aos termos e condições do acordo internacional, eram apenas “incidentes isolados”. Há receios de que a retomada da venda de armas agrave ainda mais a situação. O governo britânico deveria reconhecer sua cumplicidade nos efeitos hediondos desta guerra e fazer tudo o que estiver em seu poder para proteger os civis iemenitas, especialmente as crianças, afetados pelo conflito.

Ativistas de direitos humanos protestam contra a venda de armas do Reino Unido à Arábia Saudita, em Londres, 11 de julho de 2016 [Campanha contra o Comércio de Armas/Flickr]

Ativistas de direitos humanos protestam contra a venda de armas do Reino Unido à Arábia Saudita, em Londres, 11 de julho de 2016 [Campanha contra o Comércio de Armas/Flickr]

Ironicamente, uma conferência virtual de doadores, realizada em junho pela Arábia Saudita e países ocidentais, decidiu comprometer-se com US$1.35 bilhões para operações humanitárias no Iêmen. Esta soma é muito inferior aos US$2.4 bilhões solicitados pela ONU; ainda menor que os US$3.6 bilhões recebidos em 2019. Contudo, apesar do fato da Arábia Saudita desejar apresentar-se como apoiadora de um governo legítimo, e não instigadora do conflito, a guerra efetivamente é travada por Riad e seus aliados. O que o povo do Iêmen realmente quer e precisa é paz e o fim do sofrimento infringido a eles. Promessas vazias não serão bem recebidas a menos que sejam acompanhadas por ações reais que deem fim a guerra de uma vez por todas, além de responsabilizar todos os culpados por crimes de guerra, crimes contra humanidade e outras violações da lei internacional.

A comunidade internacional tem o dever de denunciar a injustiça e fornecer ajuda humanitária à população carente no Iêmen, conforme a crise aprofunda-se ainda mais. O governo iemenita reconhecido internacionalmente, apoiado pela coalizão saudita, enfrenta os rebeldes houthis, apoiados pelo Irã. A economia da nação mais pobre do Oriente Médio está em ruínas. Estima-se que há no país aproximadamente 900 casos de covid-19 e mais de 250 mortes da doença até então, mas é esperado um aumento exponencial nos índices de casos e mortalidade. Oitenta por cento da população do Iêmen depende hoje de assistência humanitária, ainda mais necessária diante dos desafios impostos pela pandemia.

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“Se não conseguirmos recursos urgentes”, explicou Sara Beysolow Nyanti, representante da Unicef no Iêmen, “As crianças serão levadas à margem da inanição e muitas morreram. A comunidade internacional estará enviando uma mensagem de que as vidas das crianças em uma nação devastada pelo conflito, pela doença e pelo colapso econômico, simplesmente não importam.”

Apesar deste alerta claro, o volume de assistência humanitária ao Iêmen permanece o mesmo; o mundo permanece em silêncio à medida que mais crianças morrem em uma guerra brutal. Arábia Saudita e seus aliados têm de pôr de lado suas ambições políticas e dar fim imediato à guerra. As vidas das crianças no Iêmen de fato importam – é seu direito que desfrutem da infância que merecem.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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