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Por que uma troca de prisioneiros entre Israel e palestinos pode ocorrer em breve?

Forças de segurança israelenses assumem posição em frente à prisão de Ofer, gerida pela ocupação de Israel, na Cisjordânia, 5 de dezembro de 2017 [Shadi Hatem/Apaimages]
Forças de segurança israelenses assumem posição em frente à prisão de Ofer, gerida pela ocupação de Israel, na Cisjordânia, 5 de dezembro de 2017 [Shadi Hatem/Apaimages]

Pela primeira vez desde a guerra israelense sobre a Faixa de Gaza, em 2014, o governo de Israel do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu sinaliza disposição para engajar-se em negociações referentes à liberação de dois corpos de soldados israelenses, supostamente mantidos por grupos de resistência palestinos, em Gaza. Mas outra troca de prisioneiros semelhante àquela de outubro de 2011 de fato acontecerá em breve?

Em 9 de julho, fontes de imprensa israelenses e palestinas reportaram um comunicado enviado pelo governo de Israel ao grupo palestino Hamas, por meio de um intermediário. A nota inclui uma oferta israelense para trocar os corpos de palestinos mantidos em Israel pelos corpos dos dois soldados – Oron Shaul e Hadar Goldin.

Como alternativa, Israel oferece libertar alguns dos presos palestinos mantidos nas cadeias israelenses, desde que não haja “sangue em suas mãos”, referência sionista aos presos palestinos que não participaram diretamente de qualquer ataque que possa ter resultado na morte de soldados da ocupação ou colonos ilegais.

O Hamas e outros grupos palestinos rapidamente descartaram a proposta israelense, por não apresentar condições iniciais para estabelecer uma negociação séria. O grupo palestino já havia indicado que não negociaria qualquer troca de prisioneiros com Israel enquanto o estado ocupante não libertasse alguns dos presos que voltaram a ser detidos logo nos meses e anos posteriores à troca de 2011.

A troca – denominada pela mídia israelense como “acordo de Gilad Shalit” – resultou na soltura de 1.027 palestinos em troca do soldado israelense Gilad Shalit, capturado por combatentes palestinos perto da cerca entre Gaza e Israel, em 2006.

Entretanto, enquanto os palestinos ainda celebravam o retorno de centenas de seus entes queridos, Israel deu início a uma campanha repressiva para prender novamente muitos dos prisioneiros recém libertados, sob uma série de pretextos. O acordo como um todo tornou-se, portanto, inútil.

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Além disso, Israel começou rapidamente a reabastecer suas prisões com novos detentos, oriundos de diversas facções palestinas, entre homens e mulheres, crianças, adultos e idosos.

Na troca de 2011, Israel recusou-se a libertar figuras políticas de destaque de organizações palestinas, como Fatah, Hamas, Frente Popular para a Libertação da Palestina, Jihad Islâmica e outros. Esta decisão arrastou as negociações por meses e foi compreendida como a maneira israelense de preservar muitas figuras proeminentes como moeda de troca para negociações futuras.

Entre tais figuras está o mais popular líder do partido Fatah, Marwan Barghouti, o líder da Frente Popular, Ahmad Sa’adat, entre outros.

Retrato de Marwan Barghouti, líder do Fatah, preso por forças de Israel durante um protesto em 14 de abril de 2015 [Shadi Hatem/Apaimages]

Retrato de Marwan Barghouti, líder do Fatah, preso por forças de Israel durante um protesto em 14 de abril de 2015 [Shadi Hatem/Apaimages]

Autoridades israelenses também prenderam novamente Nael Barghouti, dentro de sua própria casa em Kobar, perto de Ramallah, Cisjordânia ocupada, tornando-o o preso palestino há mais tempo mantido nas cadeias de Israel. Barghouti é considerado moeda de troca particularmente importante para a ocupação.

Vale dizer que a razão pela qual Israel é tão supostamente generoso nas trocas de prisioneiros não se deve, como alegam alguns, à noção de que o estado sionista valoriza a vida de seus cidadãos a ponto de estar disposto a trocá-los por um número desproporcional de palestinos.

Caso a lógica estivesse correta, por que Israel transferiria seus cidadãos, incluindo crianças sob risco, a assentamentos ilegais altamente militarizados na Cisjordânia ocupada?

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Caso Israel de fato valorizasse a vida de seus cidadãos, teria há muito tempo desmantelado os assentamentos ilegais e tentado, na melhor das hipóteses, conquistar um acordo de paz justo com as lideranças palestinas.

Ao contrário, os líderes israelenses, que frequentemente eclodiram guerras para seu próprio benefício – como fez Netanyahu, reiteradamente – utilizam as trocas de prisioneiros também como meio de angariar capital político e cobertura favorável da imprensa.

Netanyahu, cuja imagem foi bastante maculada devido a seu julgamento por corrupção, ainda em curso, trabalha para distrair o público de seus problemas pessoais e desviar a atenção para qualquer outro lugar. Agora que o esquema de anexação ilegal de terras da Cisjordânia foi adiado, o premiê busca desesperadamente alguma outra batalha que possa apresentá-lo como algum tipo de herói aos olhos israelenses, em particular diante de seu eleitorado de direita e extrema-direita.

Além dos corpos dos dois soldados supracitados, dois outros israelenses – Avram Avera Mengistu e Hisham al-Sayed –, que supostamente atravessaram por engano a cerca com Gaza, também são mantidos no território palestino como possível elemento de troca. Uma potencial cobertura de televisão, no futuro próximo, de dois caixões envoltos em bandeiras de Israel, ao lado de dois israelenses recém libertados, certamente melhoraria bastante a imagem do líder abatido.

Grupos palestinos em Gaza compreendem muito bem esta conjuntura. Também estão cientes de que uma oportunidade dessa natureza pode não se apresentar novamente por anos e anos. Portanto, tentarão garantir que uma futura troca de prisioneiros satisfaça três pontos majoritários: primeiro, a soltura de todos os prisioneiros que voltaram a ser detidos desde 2011; segundo, a soltura do máximo de palestinos possível, dentre os 5.000 presos mantidos atualmente nas cadeias de Israel; terceiro, a soltura de prisioneiros palestinos de destaque que representam diversas facções da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), assim como grupos de resistência islâmica.

Este último ponto, em particular, tem grande importância, pois rivais tradicionais, isto é, Hamas e Fatah buscam ativamente implementar um fronte unitário contra a iminente anexação israelense de quase 30% da Cisjordânia ocupada. A soltura de líderes do Fatah, como Marwan Barghouti, por exemplo, poderá ter enorme impacto positivo sobre a opinião pública palestina, especialmente entre apoiadores do Fatah, o que poderia favorecer como nunca as conversas sobre uma frente unitária de resistência política.

Evidentemente, Israel fará tudo o que puder para impedir os palestinos de unificarem suas fileiras. Porém, considerando que os palestinos hoje mantêm quatro israelenses em Gaza, as cartas do jogo não estão inteiramente nas mãos de Netanyahu.

Isso não implica, no entanto, que os palestinos não estejam sentindo também grande pressão. As famílias de milhares de prisioneiros palestinos estão desesperadas por alguma boa notícia de seus entes queridos, especialmente diante de casos de deterioração sistemática da saúde entre os presos, devido à propagação da pandemia de coronavírus.

Em 9 de julho, Saadi al-Gharably morreu no centro médico de Kaplan. Grupos de direitos dos prisioneiros palestinos descreveram o caso como “negligência médica”. Mais tarde, o prisioneiro Kamal Abu Wa’ar, paciente com câncer da área de Jenin, testou positivo para covid-19.

Vários sinais sugerem que uma troca de prisioneiros entre Israel e palestinos logo se aproxima. Contudo, fica a questão: Netanyahu jogará seus trunfos políticos agora ou deverá aguardar até depois, quando precisar mais do que nunca?

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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