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Jornal judaico em Londres conclama cidadãos britânicos a não votarem em Jeremy Corbyn

Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista britânico, acena para a população após votar nas eleições gerais em Londres, Reino Unido, 8 de junho de 2017 [Ray Tan/Agência Anadolu]

Com pouco mais de um mês até as eleições gerais do Reino Unido – provavelmente, as mais importantes e mais acirradas da história recente do país –, um jornal pró-Israel da comunidade judaica local com um histórico preocupante de alegações caluniosas publicou um apelo para que o eleitorado britânico não vote em Jeremy Corbyn.

O artigo sensacionalista publicado ontem (8) na primeira página do Jewish Chronicle, sediado em Londres, alertou o público britânico que uma vitória do líder do Partido Trabalhista em 12 de dezembro próximo seria interpretada por seus leitores judeus como um ressonante apoio do Reino Unido ao antissemitismo, capaz de levar a um processo de emigração em massa de judeus britânicos. Segundo o periódico sionista, 87 por cento dos judeus que residem no Reino Unido acreditam que Corbyn é antissemita. O jornal mencionou uma “pesquisa recente” sem fontes que imagina um futuro obscuro aos judeus britânicos caso o Partido Trabalhista assuma o governo. A mesma pesquisa é utilizada para sugerir que metade dos judeus britânico “considera seriamente” emigrar do Reino Unido caso Corbyn vença no próximo mês.

A publicação comunitária de caráter conservador também criticou o líder do Partido Trabalhista por tornar-se amigo de membros rechaçados pela comunidade judaica. O jornal acusa Corbyn de negar-se a “ouvir e aprender” com grupos sionistas descritos como “entidades tradicionais judaicas, como a Junta de Representantes e o Conselho de Liderança Judaico”, ao tratar suas recomendações com suposto “desprezo”. O Jewish Chronicle também condenou Corbyn por apoiar “organizações alternativas” dentro da comunidade judaica. Segundo o jornal, grupos judaicos que apoiam Corbyn “trabalham meramente para negar a existência do antissemitismo dentro do Partido Trabalhista.”

Em seu apelo ao público britânico, o artigo protesta contra o que acredita ser a falta de cobertura de uma onda de antissemitismo que assola o país. Também reivindica que os eleitores britânicos considerem-na “dentre as questões mais fundamentais” para o debate eleitoral, como “Brexit, austeridade, Serviço Nacional de Saúde e educação”.

O artigo levou a discussões intensa, principalmente nas redes sociais. Os adversários de Corbyn aproveitaram-se prontamente das alegações sensacionalistas que o representam como um candidato desqualificado para governar o Reino Unido. Seus apoiadores, em resposta, difundiram a lista de alegações caluniosas e antipalestinas divulgadas sistematicamente pelo Jewish Chronicle.

Uma das vítimas de fake news do jornal sionista é Raphael Cohen, judeu antissionista e membro do Movimento de Solidariedade Internacional. Em episódio de destaque, a Suprema Corte do Reino Unido determinou que o jornal sionista pagasse quase £ 30.000 (US$ 38.000) em danos morais e publicasse desculpas oficiais ao ativista britânico, após alegar sem qualquer fundamento que Cohen foi responsável por promover atentados suicidas. Em relação ao caso, o jornal britânico The Guardian afirmou: “O Jewish Chronicle desculpou-se pelo incômodo e constrangimento causados e concordou em pagar a Cohen a indenização determinada pela justiça por danos morais.”

Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, em Londres, Reino Unido, 15 de março de 2019 [Tayfun Salci/Agência Anadolu]

Em outro episódio vexatório, o jornal teve de pagar £ 60.000 em danos morais por calúnia e difamação publicadas contra a organização humanitária Interpal (Fundo de Auxílio e Desenvolvimento para o Povo Palestino). Como parte do acordo estabelecido, o jornal concordou em publicar um editorial escrito pelo presidente da entidade humanitária, Ibrahim Hewitt, com divulgação plena. Hewitt também é editor sênior do Monitor do Oriente Médio.

O Jewish Chronicle desenvolveu o hábito de rotular críticos de Israel como antissemitas. Em 2014, foi forçado a emitir uma errata sobre um artigo publicado durante os bombardeios de Israel contra a Faixa de Gaza, no qual alegava “antissemitismo” por parte de ativistas da solidariedade palestina. O jornal distorceu comentários feitos pela ex-diretora da Campanha de Solidariedade à Palestina, Sarah Colborne, em artigo no qual tentava difamar todo o movimento pró-Palestina como antissemita.

As alegações caluniosas da publicação sionista contra Corbyn também já foram contestadas. Um texto divulgado por um grupo de judeus que apoiam o líder trabalhista, sob o título de “Fifty times Jeremy Corby stood with Jewish people” (“Cinquenta vezes que Jeremy Corbyn esteve ao lado dos judeus”) viralizou nas redes sociais.

A primeira página do Jewish Chronicle demanda que o público britânico oponha-se a Corbyn, assim como fez outro grupo judaico sionista conhecido como Movimento Trabalhista Judaico (MTJ). O MTJ é considerado por muitos como uma organização no mínimo controversa, pois já foi exposto como uma “fachada para a Embaixada de Israel”. Segundo a entidade, “permitiu-se que uma cultura de antissemitismo emergisse e proliferasse no Partido Trabalhista em todos os níveis,” desde o momento em que Jeremy Corbyn foi eleito seu líder, em 2015.

A retirada do apoio do MTJ a Corbyn e o artigo sensacionalista do Jewish Chronicle surgem em um contexto crítico, diante de eleições gerais consideradas as mais importantes na história recente do Reino Unido. Além de muitos partidos menores, os eleitores britânicos têm de escolher entre o Partido Conservador (mais à direita do que nunca) e a agenda social-progressista do Partido Trabalhista contemporâneo.

Dado que Corbyn é massacrado diariamente por alegações caluniosas e difamações desde quando tornou-se líder do partido, ninguém espera que a imprensa tradicional, supostamente livre, atenue os ataques durante a campanha eleitoral. De fato, parece que esta campanha já começou.

No mesmo dia da publicação do artigo anti-Corbyn do Jewish Chronicle, as redes sociais acompanhavam o fato de que um ex-parlamentar do Partido Trabalhista obteve enorme espaço na televisão e nas rádios para incitar eleitores a apoiarem Boris Johnson, atual Primeiro-Ministro e representante do Partido Conservador (conhecido historicamente como Tory). Como disse Michael Rosen, autor e poeta, em sua página do Twitter: “Perceba a diferença: Ian Austin, jogador reserva, membro de nenhum partido, anuncia sua intenção de votar no Tory e obtém espaço em todas as emissoras e redes de notícias no país. Ken Clarke, ex-chanceler, notável membro do Partido Conservador, anuncia que não deve votar em seu próprio partido. Silêncio total.”

É quase desnecessário dizer que Ian Austin é um apoiador apaixonado do Estado de Israel. O tom antipalestino do “debate” já torna-se claro, a quase cinco semanas das eleições gerais.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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