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Conferência no Bahrein demonstra que a resistência palestina não pode ser comprada

Manifestantes na Cisjordânia protestam contra a conferência americana ‘Paz para Prosperidade’, com sede no Bahrein, em 25 de junho de 2019. No cartaz: “Abaixo o acordo do século. Não desistiremos de nossos princípios. A Palestina não está a venda” [Faiz Abu Rmeleh/Agência Anadolu]

As engrenagens do plano de paz para o Oriente Médio promovido por Jared Kushner, genro do presidente americano Donald Trump, já estão em ação. Nesta semana, o primeiro passo para o plano, representado pelo seminário econômico “Paz para Prosperidade”, foi dado em Manama, capital do Bahrein.

A liderança palestina afirmou não ter sido consultada sobre as propostas; no entanto, os israelenses acabaram sequer convidados ao evento. É possível que a administração americana não tenha convidado o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu com o intuito de acobertar o fato de não ter ao menos consultado os palestinos para começo de conversa. Entretanto, jamais seriam capazes de esconder as inúmeras decisões tomadas contra o povo palestino.

“Para ser claro, o crescimento econômico e a prosperidade para o povo palestino não são possíveis sem uma solução política justa e duradoura ao conflito vigente – uma solução que garanta a segurança de Israel e respeite a dignidade do povo palestino,” afirmou Jared Kushner em seu discurso de abertura no evento, na última terça-feira (25).

No entanto, é possível questionar: se a administração dos Estados Unidos “respeita” tanto a dignidade do povo palestino, por qual motivo então suas decisões referentes ao conflito vão justamente contra ele? Em qual aspecto cortar o apoio à UNRWA – Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente – e sugerir, como fez Grenblatt, desmantelá-la é um sinal de respeito aos palestinos?

Durante as administrações anteriores, havia princípios acordados sobre os limites para as ações do presidente americano. Tais princípios incluíam o compromisso com a solução de dois estados, o apoio à UNRWA, entre outras ações. No entanto, sob o reinado de Donald Trump, testemunhamos o completo oposto: a transferência da embaixada americana a Jerusalém, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, o fechamento do escritório da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) em Washington e o reconhecimento da soberania israelense sobre as Colinas de Golã, território ocupado pertencente à Síria.

Recentemente, também testemunhamos a declaração de David Friedman, embaixador dos Estados Unidos em Israel, de que Israel possui o “direito” de anexar territórios da Cisjordânia, o que sugere, junto a todas as outras iniciativas, o caráter enviesado do plano de paz dos Estados Unidos.

“Algumas pessoas debocham deste esforço ao chamá-lo de ‘acordo do século’, mas no fundo não se trata somente de fechar um acordo. De fato, seria melhor chamá-lo de ‘oportunidade do século’, caso a liderança tenha coragem de acatá-la,” declarou Kushner em seu discurso. “Tudo isso se trata de criar uma oportunidade ao povo palestino, criar uma oportunidade às pessoas em todo o Oriente Médio.”

Talvez, a administração dos Estados Unidos pense que o trunfo dos investimentos como suposta oportunidade seja favorável ao seu objetivo de incitar os palestinos a comprometerem suas demandas. Entretanto, essas são as mesmas pessoas que exigem justiça desde a Nakba de 1948.

Seminário no Bahrein – cartum [Arabi21]

É impossível deixar de lado todos os sacrifícios das gerações anteriores em troca de dinheiro, independente do valor proposto. Uma razão para isso é o fato de que os palestinos jamais disseram desejar qualquer favor de ninguém. Ao contrário, desejam somente seus direitos, cujo desaparecimento é visto a olho nu devido às políticas pró-Israel adotadas pelo presidente Trump e por Jared Kushner.

Os desafios diários enfrentados pelos palestinos nunca mudaram. A única diferença entre o passado e o presente é que, hoje, os palestinos enfrentam não somente a ocupação israelense mas também outros desafios.

O primeiro destes pode ser representado pelos países do Golfo, que decidiram vender a Palestina em troca do fortalecimento de sua aliança com Israel. Na quarta-feira (26), Mohammed Al-Sheikh, Ministro de Estado da Arábia Saudita, expressou seu apoio ao plano econômico dos Estados Unidos. Enquanto isso, Obaid Al-Tayer, Ministro de Estado para Assuntos Econômicos dos Emirados Árabes Unidos, afirmou: “devemos dar uma chance a essa iniciativa”. Trata-se de uma boa imagem da forma como os sauditas e emiradenses viraram as costas para o povo palestino.

O segundo desafio é o fato de que os palestinos enfrentam justamente os Estados Unidos, suposto mediador de seu conflito com Israel. Contudo, o fato deste mediador ser evidentemente parcial implica que não pode mais ser visto como mediador de conflito algum.

A administração americana parece saber que os palestinos não aceitarão sua proposta. Portanto, conforme a mentalidade de Donald Trump, que governa o país como gere seus negócios, segundo um modelo empresarial, pensam que a enorme soma em dinheiro será suficiente para comprar os palestinos. No entanto, a forma como os palestinos se uniram em repúdio à participação no seminário econômico demonstra que o modo de pensar da administração de Trump está claramente equivocado.

Aparentemente, este plano não fará nenhum favor a Israel também; parece ser proposto somente em benefício ao governo de Netanyahu. Em abril, Kushner declarou: “O Primeiro-Ministro Netanyahu obteve uma grande vitória [nas eleições], e está no meio do processo de compor sua coalizão. Uma vez feito, provavelmente estaremos no meio do Ramadã; portanto, teremos de esperar até o fim do Ramadã e então divulgaremos nossa proposta.”

Netanyahu, entretanto, fracassou em formar um governo até o mês de maio. Devido ao contexto político em Israel, Grenblatt afirmou este mês que a divulgação dos aspectos políticos do plano pode ser postergada até novembro, assim que seja composto o governo após as eleições israelenses em 17 de setembro. “Se novas eleições não fossem realizadas, talvez poderíamos publicá-los durante o verão,” afirmou Grenblatt. Dessa forma, podemos questionar: este plano é feito para satisfazer o povo ou Netanyahu?

Talvez, o presidente Trump imagine que ajudar Netanyahu será favorável à sua campanha para as eleições presidenciais dos Estados Unidos, no próximo ano. Talvez, tivesse esperanças de que, ao anunciar a soberania israelense sobre as colinas de Golã às vésperas das eleições israelenses de abril, levaria os judeus americanos a apoiá-lo na sua candidatura à reeleição em 2020. Trump ainda parece não compreender o fato de que os judeus americanos não são fãs de Benjamin Netanyahu; assim, ajudar Netanyahu não o beneficia automaticamente. Trump, não obstante, decidiu agir como uma espécie de porta-voz para o primeiro-ministro israelense em Washington.

É bastante claro que não há a menor chance de que as propostas de Kushner alcancem a paz e o fim do conflito israelo-palestino. A vontade do povo é mais forte e mais eficiente do que os bilhões de dólares jogados sobre a mesa, com os quais, aparentemente, pretendem comprar o silêncio e acabar com a resistência do povo palestino.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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