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Por que a surpresa? O partido “Poder Judeu” é a nova regra na política israelense

Urnas eleitorais durante votações israelenses em 2015 [Foto de arquivo]

Logo após o Primeiro-Ministro israelense Benjamin Netanyahu aliar-se com o grupo político marginal Otzma Yehudit (Poder Judeu), uma indignação generalizada sobreveio.

A aversão não veio somente de Partidos de centro, esquerda ou árabes, mas também de alguns partidos de direita. Mesmo o lobby pró-israelense nos Estados Unidos, conhecido por suas perspectivas políticas predatórias, repudiou a aliança sinistra.“Os pontos de vista do Otzma Yehudit”, publicou em seu Twitter o Comitê de Assuntos Públicos Israeli-Americanos (AIPAC), “são repreensíveis. Eles não refletem os valores fundamentais da própria fundação do Estado de Israel.”

Mas e se for verdade? E se pudêssemos considerar que o “Otzma Yehudit” na realidade se trata somente de um nova articulação das mesmas ideias israelenses convencionais, um verdadeiro reflexo dos tais “valores fundamentais” que até mesmo o AIPAC defende cegamente desde a fundação, em 1953?

Antes da aliança entre o partido de direita de Netanyahu, o Likud, o partido de extrema-direita Lar Judeu, de Rafi Peretz, e o Otzma Yehudit, efetivada em 20 de fevereiro, Israel dificilmente poderia ser visto como uma democracia liberal contrária ao racismo e adepta do pluralismo político. De fato, devemos compreender a inclusão do Otzma Yehudit no ambiente da política majoritária israelense como algo coerente com a corrupção moral da política israelense como um todo.

Manifestar indignação contra a aliança entre Netanyahu e os líderes fanáticos do Otzma Yehudit é sugerir que a política majoritária israelense não representa este mesmo chauvinismo, racismo e ideias de violência dos quais o partido extremista se tornou um campeão desde sua formação, em 2012.

O Otzma Yehudit foi ressuscitado por seguidores do rabino Meir Kahane, nascido no Brooklin, defensor da limpeza étnica dos palestinos e liderança para inúmeras incursões violentas de seus correligionários contra comunidades árabe-palestina, em Israel e nos territórios palestinos ocupados.

O partido Kach, que ocupou uma cadeira no Knesset de 84 a 88 e foi banido de Israel em 1994 , tampouco foi repudiado pelas suas “políticas racistas”, como agora é sugerido pela mídia. O partido operava fora dos limites da agenda política do governo israelense. Dessa forma, foi proscrito, porém, suas ideias violentas persistem no Knesset até hoje. Se o racismo contra o povo palestino é apenas uma anomalia política patrocinada pelo Kach, como é possível explicar as evidências racistas da Lei do Estado-Nação, que define Israel como um “estado-nação para o povo judeu” – promovendo tudo que é judaico e rebaixando tudo que é palestino?

A lei difere pouco do estatuto do Otzma Yehudit, o qual define Israel como um “estado judeu em seu caráter, símbolos nacionais e valores legais”, além de definir o hebraico como “único idioma oficial” de Israel.

Uma leitura cuidadosa do estatuto do partido e do texto da Lei do Estado-Nação nos revela semelhanças espantosas. Isso sugere que, desde os dias de Meir Kahane, é a sociedade israelense que se aproximou das ideias dos extremistas judeus, não o caminho contrário.

De fato, Kahane foi morto em 1990, mas as suas ideias sobreviveram e se expandiram junto aos assentamentos judeus até finalmente capturar a imaginação geral. A indignação contra a aliança Netanyahu-Otzma Yehudit é provavelmente motivada por uma leve sensação de medo diante da face horrorosa do sionismo, plenamente exposta para todo o mundo.

Quanto ao AIPAC, está claro que não há idioma diplomático e eufemismos suficientes para explicar a razão do governo israelense estar povoado por membros de um partido listado como organização terrorista pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, desde 1994.

Netanyahu está desesperado e, como a história nos ensinou, quando o Primeiro-Ministro israelense se vê numa crise política, ele é capaz de qualquer coisa para se safar. Na últimas eleições gerais, em 2015, Netanyahu fez um apelo final aos seus apoiadores. “Eleitores árabes estão massivamente a caminho dos colégios eleitorais,” ele disse, recorrendo a seu estilo característico de incitação ao medo. Sem surpresas, ele venceu.

Líder do Partido Likud, Benjamin Netanyahu, discursa durante uma conferência de imprensa em Jerusalém, 16 de abril de 2008 [Lior Mizrahi/Getty Images]

Netanyahu está mais desesperado do que nunca. Seus adversários moderados estão fundindo seus partidos de centro em uma nova coligação, chamada Kahol Lavan ou “Azul e Branco”, com potencial de depô-lo em 9 de abril.

Pior ainda, o procurador-geral de Israel decidiu, em 28 de fevereiro, indiciar Netanyahu por “propina e fraude”. Uma pesquisa publicada no dia seguinte revelou que dois-terços dos israelenses pensam que Netanyahu deve renunciar caso indiciado.

O legado oportunista de Netanyahu é mais do que suficiente para explicar sua decisão de se aproximar do Otzma Yehudit, mas o que é realmente surpreendente é o escândalo diante de um movimento de governo que parece ser perfeitamente apropriado ao jogo político majoritário de Israel.

Mesmo que o Comitê Eleitoral Central de Israel decida barrar o Otzma Yehudit de participar das próximas eleições, pouco irá mudar em termos de seus valores e ideais partidários, princípios que, de uma forma ou de outra, também definem o Lar Judeu, a Nova Direita, o Likud, entre outros.

A plataforma do Otzma Yehudit reivindica uma guerra contra os “inimigos de Israel” de forma “total, sem negociações, sem concessões e sem qualquer conciliação”.

Contudo, não é essa, em essência, a mesma perspectiva de Ayelet Shaked, Ministra da Justiça na coalizão de Netanyahu, e agora um dos líderes do recém-formado partido da “Nova Direita”?

Em 2014, logo antes de Israel lançar sua investida mais devastadora sobre a Faixa de Gaza sitiada, até então, Shaked declarou a necessidade de uma guerra absoluta. “Não uma operação, não um movimento cauteloso, não à baixa intensidade ou à escalada controlada… Isso é guerra… Isso é guerra entre dois povos. Quem é o inimigo? O povo palestino.”

Mais de 2.139 palestinos, em maioria civis, foram mortos pela guerra israelense, após sua declaração, além de 11.000 feridos.

Por que então o escândalo, quando a missão do partido marginal é “resgatar a soberania e a propriedade sobre o Monte do Templo” – ou seja, sobre a Mesquita de Al-Aqsa – é consistente com a visão da maior parte dos israelenses, tanto religiosos quanto seculares? Membros do Knesset insistiram, e voltaram a insistir, nesse tipo de exigência, frequentemente em relação à própria Mesquita de Al-Aqsa, escoltados por fileiras de soldados e colonos judeus armados.

Quanto ao confisco de terras palestina e à expansão ilegal dos assentamentos judaicos, como é defendido pelo Otzma Yehudit, este também é um ideal comum a muitos grupos políticos israelenses, independente de espectro, da direita à esquerda, advogados despudoradamente.

O AIPAC não é a única entidade hipócrita ao sugerir que o Otzma Yehudit viola os “os valores fundamentais da própria fundação do Estado de Israel”, embora também seja propositalmente falacioso.

A plataforma do Otzma Yehudit somente reforça os “valores fundamentais” vigentes do Estado de Israel, os mesmo valores patrocinados pelo AIPAC, sem qualquer consideração pelos direitos humanos, pela lei internacional ou por princípios honestos de valores democráticos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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