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Os árabes devem se preparar para pagar indenizações a Israel

Dia da Nakba, 1948 [Carlos Latuff/Middle East Monitor]

O governo israelense está processando os estados árabes e o Irã em $250 bilhões como indenização imobiliária aos judeus que deixaram seus país de origem e emigraram ao estado sionista.

A princípio, toda pessoa que possui terra, imóvel ou propriedade e não a tenha vendido, mas sim tenha sido forçada a deixá-los para trás, detém o direito de retorno ou de receber indenização em concessão à propriedade; a escolha deveria ser exclusiva aos proprietários. Isso é lógico e justo e deve ser aplicado a todos, independente do local de residência ou de origem.

O problema da migração judaica a partir dos países árabes para Israel é fundamentalmente diferente da migração dos judeus europeus, de modo que todos os países árabes estiveram sob controle colonial. Conspirações foram articuladas contra o povo árabe, contra a Palestina e seus habitantes, da mesma forma como ocorreu com judeus que desejavam continuar a viver nos países árabes onde nasceram. Havia interesses em comum entre o movimento sionista, o colonialismo e alguns dos regimes árabes. Esse processo resultou em relacionamentos caracterizados por tensões entre judeus falantes do idioma árabe e suas comunidades locais, durante e após as ondas de migração judaica para a Palestina. As dificuldades atingiram o ápice com a Nakba de 1948 e a subsequente limpeza étnica de 750 mil palestinos em suas terras.

Os detalhes são diversos e complexos. Porém, considerando os judeus emigrados de países árabes, seja por medo, intimidação, bombardeios suspeitos, incitação ou assédio, seja por escolha própria devido a incentivos financeiros ou de outra natureza oferecidos por organizações sionistas, nenhum destes elementos anula o direito de propriedade de qualquer indivíduo. A propriedade é deles contanto que a tenham herdado ou adquirido com seu próprio dinheiro; ninguém possui o direito de confiscá-la ou negar sua posse. Este direito deve ser aplicado a todos: judeus, palestinos, cristãos e muçulmanos, sírios, libaneses, jordanianos, egípcios e turcos. O mesmo se aplica aos bens religiosos (Awqaf, em árabe). Foi ilegítimo que Israel confiscasse todos os fundos do Awqaf islâmico e muitas das propriedades cristãs, o que compunha ao todo mais de 83 por cento dos bens imobiliários nas cidades palestinas. Tampouco foi razoável privar os grupos religiosos destas reservas, com base no pretexto de que o proprietário – nestes casos, presume-se, Deus – está “ausente”. Ainda assim, é precisamente o que Israel fez e tornou legal após a Nakba.

Caso deixe a minha casa, por qualquer razão, não significa a perda da posse. Tenho o direito de retornar à minha propriedade ou ser compensado caso seja impedido. Estar do lado derrotado de uma guerra não autoriza a expulsão ou a usurpação de minha casa, jardim, árvores, bens, imóveis e dotes religiosos. Os israelenses argumentam que os judeus nos países árabes eram civis que não ofereceram resistência, mas também é o caso de 99 por cento dos palestinos expulsos de suas casas em 1947/48. Também eram civis desarmados, com medo por suas vidas e de seus familiares. Vemos, ainda hoje, um cenário semelhante, milhões de árabes e não-árabes deslocados em processo de migração para áreas e terras mais seguras. Como refugiados, eles sempre terão o direito a retornar para suas terras, quando seguros para tanto. Esta é a lei – e seus direitos de propriedade não são cancelados pela “ausência”. Mesmo aqueles que lutaram em defesa de suas terras e perderam a batalha não cederam o direito às suas casas e posses.

Atualmente, todos os dias – não há setenta anos atrás –, o governo israelense ainda confisca terras e destrói edifícios pertencentes aos palestinos, em aparente impunidade. Os proprietários de terras são impedidos de retornar por forças do exército e devem se resignar a somente assistir enquanto tudo que construíram é destruído diante de seus olhos. Em alguns casos, são forçados a destruir suas próprias casas ou a pagar às forças da ocupação israelense para fazê-lo. Por definição, não são políticas ou ações de um país considerado civilizado, muito menos de uma democracia; é barbárie.

Estima-se que há 300 mil palestinos deslocados dentro das fronteiras de Israel. Esses indivíduos e suas famílias não vivem em campos de refugiados, contudo também não vivem nas aldeias ou cidades de seus ancestrais. Entretanto, muitos ainda detêm o direito às propriedades das quais foram expulsos, talvez somente a algumas centenas de metros de distância. Alguns foram retirados de suas casas após o fim do conflito de 1948, como nos casos das aldeias de Hula, Iqrit e Bar’am.

Há alguns dias, visitei um senhor idoso de Iqrit, da família Ashqar. Ele vive como refugiado na aldeia de Mi’ilya, na Alta Galileia, desde a Nakba. Possui noventa anos de idade e me contou uma história de família, por vezes indignado, por vezes envolto em sarcasmo. O Exército israelense ordenou que as pessoas evacuassem a aldeia duas semanas após a ocupação. Os soldados advertiram e asseguraram que a população levasse somente algumas mudas de roupa e deixassem tudo como estava, pois retornariam em duas semanas. O Exército chegou a pedir que alguns jovens ficassem para guardar suas propriedades e casas até o retorno. Muitos dos palestinos não acreditaram nessas promessas, mas nada puderam fazer diante das forças armadas que haviam demonstrado sua violência na obliteração das aldeias vizinhas e na expulsão ou assassinato dos povos locais, tais quais Dayr al-Qassi, Tarbikha, Marwahin, Nabi Sablan, etc.

O povo de Iqrit, ainda aguarda o direito de retorno. Como católicos romanos, chegaram a apresentar o caso ao pontífice no Vaticano, na década de 1960. Ademais, o povo de Iqrit e da aldeia vizinha de Kafr Ba’ram chegou a vencer um processo na Suprema Corte de Israel, em 1951, o qual lhes permitiria o retorno a suas casas e propriedades. Apesar da vitória em juízo, seu retorno foi interditado e caso plantassem sequer um ramo de menta – literalmente – forças da Autoridade de Terras de Israel viriam arrancar o cultivo no dia seguinte.

Cerca de um ano após a saída dos residentes de Iqrit, um de seus homens morreu. Decidiram enterrá-lo em sua antiga aldeia e assim o fizeram, em segredo, durante a noite. Contudo, o Exército de Israel foi informado e ordenou a exumação do corpo para ser enterrado em outro lugar. Repousa então no cemitério de Fassuta, a aldeia mais próxima.

Os israelenses pensam conforme a prerrogativa de “acordo do século”, cogitam uma negociação: indenização por indenização. Eles irão propor cerca de $100 bilhões em troca da propriedade e das reservas financeiras dos palestinos. Caso aceito, os estados árabes terão de pagar, portanto, o “saldo” de $150 bilhões. É melhor que se preparem para fazê-lo, pois Israel costuma ter o que quer; justiça e legalidade nada significam para o estado sionista e seus aliados.

Este artigo foi primeiro publicado em árabe, no website Al-Quds Al-Arabi, em 9 de janeiro de 2019.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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