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Relembrando o desaparecimento de Amarildo Dias de Souza

Protestos eclodiram no Brasil e no mundo com a pergunta que, após 8 anos, ainda não foi respondida: Onde está Amarildo?
Ato simbólico na praia de Copacabana lembra o desaparecimento de Amarildo [Fernando Frazão/ ABr]

O quê: Desparecimento de Amarildo Dias de Souza

Onde: Rio de Janeiro, Brasil

Quando: 14 de julho de 2013

Na noite de 14 de julho de 2013, após uma pescaria, o ajudante de pedreiro, Amarildo Dias de Souza, de 47  anos, saiu de sua casa para comprar limão e alho para o preparo do peixe. No caminho foi abordado por policiais militares que o algemaram e o levaram até a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para verificação, termo usado pela corporação para interrogatório, e de lá, nunca mais foi visto. Com enorme pressão da sociedade as investigações prosseguiram e apontaram que Amarildo foi brutalmente torturado, submetido a espancamento, descargas elétricas e afogamento em um balde, antes de sua morte e ocultamento de seu cadáver.

O que aconteceu?

Negro, pobre e favelado, Amarildo não foi o primeiro caso de abuso policial na favela, no entanto, foi o único a ganhar visibilidade entre os 6.034 desaparecimentos contabilizados entre novembro de 2012 e outubro de 2013, pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) . O sumiço de seu corpo se tornou símbolo de luta no Brasil contra a violência policial, abuso de autoridade e assassinatos cometidos por policiais. O caso Amarildo gerou protestos em todo país e no exterior, vindos da sociedade civil, movimentos sociais e classe artística, com a pergunta que viralizou nas redes sociais e nas ruas #OndeestáAmarildo? Pergunta que, após oito anos, ainda não foi respondida.

[Arquivo agência Brasil]

Amarildo era o sétimo de 12 irmãos e filho de uma empregada doméstica e de um pescador. Analfabeto, só escrevia o próprio nome e começou a trabalhar aos 12 anos vendendo limão. Casado há 27 anos com Elizabete Gomes da Silva, Amarildo tinha 6 filhos e vivia em um barraco de um cômodo na favela da Rocinha. A última imagem que Elizabete tem de seu marido é dele entrando algemado na viatura policial. Com a demora de seu retorno para casa, ela foi até a UPP para perguntar por seu marido e a resposta dada foi de que ele já havia sido liberado e que estava a caminho de casa. Os agentes disseram que Amarildo havia saído da sede da unidade pela escada da Dionéia, porém, ninguém o viu passar por ali e nenhuma câmera de segurança registrou sua saída, inclusive a que ficava no local citado pelos PMs.

A família registrou seu desaparecimento 2 dias depois e, a partir daí, eclodiram no Brasil protestos pressionando por respostas sobre o paradeiro de Amarildo. A Anistia Internacional entrou com uma forte campanha no Brasil e no exterior exigindo esclarecimento do desaparecimento  de Amarildo. O caso Amarildo é tido como o escancaramento da violência policial e de Estado, herança da ditadura militar no Brasil, período em que foram listados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) 191 mortos, desaparecimento de 210 pessoas e outros 33 cujos restos mortais foram localizados após o término dos trabalhos da CNV.

O que aconteceu depois?

Em outubro de 2013, o Ministério Público (MP) denunciou 25 dos 29 policiais militares que estavam presentes naquele dia, incluindo o major Edson Santos, então comandante da equipe. Em entrevista à Revista Veja, a promotora responsável pelo caso, Carmem Eliza Bastos de Carvalho, afirmou que “Amarildo foi capturado por determinação do major Edson Santos. Um informante do soldado Douglas Roberto Vital telefonou dizendo que o Boi, apelido de Amarildo, sabia onde estavam armas e drogas de traficantes da Rocinha. O então comandante deu ordens para que o Grupamento de Polícia de Proximidade Extraordinário (GPP), comandado por Vital, e o Grupamento Tático de Polícia de Proximidade (GTPP), de responsabilidade do sargento Jairo da Conceição Ribas, pegassem Amarildo para ‘trabalhar a testemunha’ – ou seja, torturar. Eram oito policiais. Todos sabiam que ele seria torturado. Estavam mancomunados.”

[Charge Carlos Latuff]

Após três anos de processo, 12 dos 25 policiais denunciados foram condenados pelos crimes de tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual. O comandante da operação, major Edson Santos,  teve a maior pena entre todos, 13 anos e sete meses de reclusão. O subcomandante da UPP, tenente Luiz Felipe de Medeiros, foi sentenciado a 10 anos e sete meses de reclusão, enquanto o soldado Douglas Roberto Vital Machado pegou 11 anos e seis meses.

Os soldados Marlon Campos Reis, Jorge Luiz Gonçalves Coelho, Jairo da Conceição Ribas, Anderson César Soares Maia, Wellington Tavares da Silva, Fábio Brasil da Rocha da Graça e Felipe Maia Queiroz Moura foram condenados a 10 anos e quatro meses de reclusão cada. As policiais Rachel de Souza Peixoto e Thaís Rodrigues Gusmão receberam pena de nove anos e quatro meses cada. O soldado Victor Vinicius Pereira da Silva  foi condenado, mas morreu antes do veredito.

No entanto, o major Edson Raimundo dos Santos, continuou ligado à PM e cumpriu pena em liberdade condicional desde 2019, recebendo salário, os soldados Jairo da Conceição Ribas e Fábio Brasil foram absolvidos em março de 2019.

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No dia 29 de janeiro deste ano, o Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro publicou a reintegração do major. Oito anos antes do fim da pena, o major retorna ao quadro de oficiais da Polícia Militar.

A pedido do deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), presidida  pelo deputado federal  Helder Salomão, pediu explicações sobre a reintegração ao governador  do Rio de Janeiro, Cláudio Bomfim de Castro e Silva, e que ela seja “reavaliada a partir do Estatuto do Policial Militar e dos direitos fundamentais à segurança e à moralidade no serviço público”.

O documentado apresentado diz:  “Amarildo, pedreiro, negro e de periferia. O ato de reintegração do Major, antes mesmo de cumprida sua pena, e a possibilidade de retorno às mesmas atividades policiais de antes, é um recado da convivência institucional com o racismo estrutural e com a letalidade policial”.  Ressalta ainda que a violência policial, agravada no contexto de pandemia, levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a expressar “profunda preocupação com os recordes históricos de ações policiais violentas registradas no Brasil, (…).

O Estado do Rio de Janeiro foi sentenciado a pagar indenização de 3,5 milhões aos familiares de Amarildo, porém, este valor nunca foi pago e a família nunca recebeu nenhuma ajuda do governo.

A todos os policiais, tenentes e major que comprovadamente participaram do brutal assassinato e ocultamento dos restos mortais, foi perguntado: Onde está Amarildo? E a resposta segue no vácuo da impunidade incrustada na “justiça” brasileira. Elisabete, viúva de Amarildo e seus 6 filhos seguem a vida da forma que só eles sabem, sem resposta, sem indenização, sem justiça!

Campanha Anistia Internacional, agosto de 2013

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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