Portuguese / English

Middle East Near You

Relembrando o massacre de Eldorado dos Carajás

Manifestação em protesto contra o Massacre de Eldorado do Carajás, em Brasília, 23 de abril de 1996 [Arquivo MST]

Neste dia, completam-se 25 anos do assassinato brutal de 21 trabalhadores rurais pela polícia militar do Estado do Pará.  O episódio trágico ficou conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás. Teve grande repercussão nacional e internacional, obrigando o então presidente Fernando Henrique Cardoso a instituir a data como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

O quê: Massacre de Eldorado dos Carajás

Quando: 17 de abril de 1996

Onde: Eldorado de Carajás, Pará

O que aconteceu antes?

Em setembro de 1995, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reivindicava a desapropriação da Fazenda Macaxeira, em Curionópolis,  Pará. Eles afirmavam que a terra era improdutiva e, com base no artigo 184 da Constituição Federal,  a área poderia ser desapropriada para fins de reforma agrária.

Cerca de 3500 famílias, organizadas pelo MST, formaram um acampamento à margem da rodovia PA-275, próximo à Fazenda.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fez a vistoria, mas apontou no laudo que a terra era produtiva. Entretanto, o MST alegou que o laudo havia sido fraudado. Em 5 de março, às famílias decidiram ocupar a fazenda e os fazendeiros fizeram várias reuniões com o governo do Estado, exigindo a reintegração de posse.

Segundo uma publicação do MST de 1999,  “a Federação dos fazendeiros fez uma reunião com o governador e o secretário de segurança. A Federação levou diversos presidentes dos sindicatos dos fazendeiros da região de Marabá para exigir maior repressão ao MST e entregaram uma lista de 19 pessoas que deveriam desaparecer para ‘voltar a paz’ na região. Na lista estavam todos os coordenadores do MST no Estado do Pará”.

Durante as negociações, com mediação do Instituto de Terras do Estado do Pará,o governo do Pará prometeu assentar 3500 famílias e o envio de doze toneladas de alimentos e setenta caixas de remédios para o acampamento. O prazo combinado passou e as promessas não foram cumpridas e, no dia 10 de abril, cerca de 1500 famílias decidiram marchar até a capital do Estado, Belém, a 800 km do acampamento, em protesto.

Após seis dias de marcha, os trabalhadores acamparam na rodovia PA-150. Eles esperavam o envio de alimentos e um ônibus para o resto da viagem, de acordo com o que foi prometido em novas negociações.  Entretanto, na manhã do dia 17, o envio foi cancelado.

LEIA: Relembrando a criação da CSN e a posição do Brasil na II Guerra

Os trabalhadores bloquearam a rodovia em protesto na altura da chamada curva do S, no município de Eldorado dos Carajás. Com o pretexto de desobstruir a rodovia, os policiais iniciaram uma ação articulada pelo governador Almir Gabriel (PSDB), o secretário de Segurança, Paulo Sette Câmara, e o presidente do Instituto de Terras do Pará, Ronaldo Barata. Sob comando do major José Maria Pereira de Oliveira, chegaram de um lado da rodovia 68 policiais armados, com duas escopetas, quatro metralhadoras e cinquenta fuzis e revólveres. No lado oposto, chegaram 200 homens com metralhadoras e revólveres sob comando do coronel Mário Colares Pantoja, esses chegaram lançando bombas de gás lacrimogêneo. Segundo o MST, nenhum policial estava com a devida identificação.

Bandeiras do MST cobrem os caixões dos trabalhadores mortos no massacre de Eldorado dos Carajás [Sebastião Salgado/ Armazém Memória]

Os camponeses ficaram cercados e o confronto começou por volta das 17h e durou aproximadamente duas horas. Os trabalhadores reagiram jogando paus e pedras, mas correram ao ouvir os primeiros disparos. Segundo testemunhas, o primeiro a morrer foi um deficiente auditivo que não correu porque não ouviu o barulho dos tiros. Ele foi atingido no pé e depois na cabeça. Um dos últimos a morrer foi um líder do MST, Oziel Pereira, de 17 anos. Ele se refugiou em uma casa, mas foi encontrado, algemado e arrastado pelos cabelos até o ônibus da PM. Seu corpo apareceu no Instituto Médico Legal, assassinado com um tiro na testa, à queima roupa.

No local, morreram dezenove trabalhadores, com 37 tiros, e 68 ficaram feridos. Outros dois faleceram no hospital. O médico legista afirmou que houve tiros na nuca e na testa, a queima roupa e doze trabalhadores tinham cortes feitos com foices e facões. Com os trabalhadores rendidos, os policiais usaram os próprios instrumentos de trabalho deles para matá-los, sete foram mortos dessa forma. Um dos homens teve a cabeça esmagada.  O crime foi registrado pela TV Liberal, afiliada da Rede Globo no Pará, em uma cena, a repórter Marisa Romão sai de um local onde se abrigava e grita pedindo que os policiais parassem, repetindo “para, só tem mulher e criança”.  As cenas chocantes fizeram com que o genocidio repercutisse no Brasil e no mundo.

O que aconteceu a seguir?

Após a intensa repercussão nacional e internacional, o ministro da Agricultura, Andrade Vieira, pediu demissão no dia seguinte ao massacre. Pressionado, o então presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu a data como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária e recriou o Ministério da Reforma Agrária, para promoção de assentamentos na região. Mas milhares de famílias permaneceram sem inclusão no programa. A data do massacre acabou sendo escolhida pela Via Campesina, organização internacional de camponeses, como o Dia Internacional de Luta pela Terra. Desde então, abril também é marcado como o mês em que são intensificadas as lutas por terras pelo Movimento Sem Terra.

A fazenda Macaxeira foi desapropriada e se tornou o assentamento 17 de Abril. Desde o ocorrido, o MST passou a realizar a Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária todo o mês de abril para protestar pela reforma agrária e contra a impunidade. Na curva do S foi erguido o Acampamento Pedagógico da Juventude Sem Terra Oziel Alves, lugar de memória permanente dos 21 mortos.

O gerente da fazenda denunciou que os fazendeiros da região ordenaram o massacre, entretanto nenhum foi indiciado. Em maio de 2012, dos 155 policiais denunciados por terem atuado no caso, apenas o coronel Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram condenados — o primeiro a 228 anos e o segundo a 158 anos de reclusão. O governador do Pará, Almir Gabriel, e a cúpula do governo do estado foram isentados de qualquer responsabilidade.

Pantoja cumpria prisão domiciliar depois de quatro anos de pena em regime fechado, mas faleceu em 11 de novembro de 2020 por complicações relacionadas à covid-19.

No local do massacre, foi erguido o Monumento das Castanheiras Queimadas, concebido por Dan Baron Cohen. A castanheira é típica da região e está sob risco de extinção por causa da indústria agropecuária de latifúndio. Dezenove árvores encontradas queimadas foram dispostas formando o mapa do Brasil.

LEIA: Relembrando o golpe militar no Brasil

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Categorias
Ásia & AméricasBrasilNeste diaOpinião
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments