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Guerra no Sudão se intensifica em Cordofão, com chacinas nas aldeias

Centenas morreram em um massacre conduzido pelas Forças de Suporte Rápido (FSR), descrito como um dos mais mortais ao longo da guerra

31 de julho de 2025, às 06h00

Centro de Cartum, capital do Sudão, em meio à guerra civil, em 14 de julho de 2025 [Ahmed Satti/Agência Anadolu]

Uma aldeia no estado de Cordofão do Norte, no Sudão, foi completamente destruída por um massacre conduzido por milícias das Forças de Suporte Rápido (FSR), em conflito com o exército regular, registraram imagens de satélite. 

Centenas de civis foram mortos em sucessivas ondas deflagradas em 12 de julho, à medida que a guerra se intensifica na região estratégica de Cordofão.

Imagens compiladas pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária (HRL, da sigla em inglês), da Universidade de Yale, que monitora o conflito desde seu início, em abril de 2023, mostram as ruínas em chamas de Shaq al-Noum, uma das muitas aldeias do Cordofão do Norte atacadas pelas tropas paramilitares.

O HRL identificou fumaça saindo de várias estruturas recentemente destruídas, além de áreas com marcas térmicas desconexas, “indicativas de incêndio criminoso”. Também foi observado um padrão consistente com rastros de veículos “ao redor dos prédios e por toda a comunidade”.

Mais de 200 civis teriam sido mortos — a maioria queimada viva em suas casas ou executada a tiros. O massacre é visto como um dos mais mortais da guerra civil. Vídeos gravados em Shaq al-Noum, reunidos o Sudan War Monitor, mostram estruturas em chamas e tropas da RSF correndo entre as casas. Ouve-se gritos e disparos.

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O grupo de direitos humanos Emergency Lawyers reportou que ao menos 38 pessoas foram mortas em massacres simultâneos nas aldeias próximas de Fojah, Umm Nabag, Jakouh e Mishqah, além de dezenas detidas ou desaparecidas.

Faheem, morador de Fojah, contou ao grupo Avaaz que a RSF chegou a sua aldeia em um comboio de cerca de 30 veículos: “Cercaram a aldeia, forçaram as pessoas a fazerem fila e começaram a detonar explosivos nas casas. Nossas casas são de palha; o fogo se espalhou rapidamente”.

“Vi a casa da minha tia queimar — uma das mulheres mais idosas da aldeia”, acrescentou Faheem. “Peguei meus filhos e fugimos. Não tivemos notícias de mais ninguém”.

A importância de Cordofão

Kholood Khair, analista sudanesa e fundadora do think tank Confluence Advisory, disse ao Middle East Eye que a intensificação dos combates, “de todos os lados”, em Cordofão lembra o início da guerra, quando as partes ainda não haviam se estabelecido em suas respectivas bases de poder: a RSF na região oeste de Darfur; o exército, nas áreas central e leste do país.

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A cidade de el-Obeid, ponto estratégico próximo a rotas que levam a Darfur e à capital Cartum, está sob controle do exército; contudo, esteve sob cerco da RSF. Agora, os paramilitares voltaram a bombardeá-la, para tentar retomar seu controle.

Em 13 de julho, quarenta e seis civis — incluindo grávidas e crianças — foram assassinados em um ataque da RSF à aldeia de Hilat Hamid, perto da cidade de Bara, sob controle paramilitar pela maior parte da guerra.

No Cordofão Ocidental, ataques aéreos do exército regular mataram ao menos 23 civis entre 10 e 14 de julho. Em 17 de julho, outros 11 civis morreram em mais um bombardeio na região de Bara.

“Cordofão é agora o epicentro estratégico”, reiterou Khair. Rotas-chave que passam pelo Cordofão do Norte até el-Fasher — capital de Darfur do Norte, cercada pela RSF —, Cartum e Omdurman foram recentemente retomadas pelo exército.

Segundo Khair, com a estação chuvosa no Sudão no seu pior período, de junho a setembro, tanto a RSF quanto o exército buscam avançar em Cordofão, provavelmente no intuito lançar ofensivas a el-Fasher ou Omdurman, quando cessarem as tempestades — entre outubro e novembro.

Testemunhas disseram ao MEE que drones estão sendo usados por ambos os lados em Cordofão — assim como em outras partes do Sudão.

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Os combates seguem enquanto os dois lados aguardam uma suposta intervenção diplomática internacional, especialmente do governo do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos. 

“Ambos os lados querem avançar militarmente enquanto preparam as condições necessárias antes de qualquer mediação diplomática”, explicou Khair.

O governo militar sudanês opera a partir de Porto Sudão, na costa do Mar Vermelho, enquanto a RSF estabeleceu uma aliança executiva em Nyala, em Darfur do Sul.

Ações humanitárias

A intensificação dos combates em Cordofão “afetou gravemente” as operações de agências humanitárias na região, observou Shihab Mohamed Ali, diretor da organização Islamic Relief, no Sudão, responsável por 36 centros de saúde no Cordofão Ocidental e outros 48 no Cordofão do Norte — em parceria com o Programa Alimentar Mundial (PAM) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

A Islamic Relief distribui alimentos, água e recursos a sudaneses deslocados pela guerra — que somam 12 milhões de pessoas até então.

Dois escritórios da Islamic Relief no Cordofão Ocidental foram saqueados: um em agosto de 2024, outro em maio de 2025, disse Ali. Ambos os saques ocorreram durante invasões da RSF, embora a entidade não confirme os responsáveis.

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“A maior parte do Cordofão Ocidental está sob ocupação da RSF, e o conflito é contínuo”, ressaltou Ali. “Tentamos distribuir ajuda”.

Fora de Cordofão, “a situação está melhorando”: “A comunidade local teve um papel importante com as cozinhas comunitárias” — sobretudo iniciativas das Salas de Resposta Emergência do Sudão, rede de organizações de assistência mútua.

“Conseguiram superar um momento difícil”, relatou Ali, ao reconhecer a recente ameaça de corte de financiamento dos Estados Unidos, após o desmantelamento por Trump de sua Agência para Desenvolvimento Internacional (USAID). “A situação, contudo, parece estar melhorando em algumas partes do país”.

Publicado originalmente em inglês na rede Middle East Eye, em 21 de julho de 2025