No verão de 2025, enquanto grande parte do mundo se ocupa com debates sobre cessar-fogo e acordos de reféns, Israel revelou um plano assustador: a criação de uma “cidade humanitária” sobre as cinzas de Rafah. Na linguagem da burocracia e da segurança, as autoridades israelenses a descrevem como um enclave controlado para “proteger civis”. Mas, tirando os eufemismos, a realidade é algo muito mais sinistro: uma zona de internamento controlada pelos militares, onde até dois milhões de palestinos serão examinados, confinados e deslocados permanentemente.
Após sofrerem uma das maiores atrocidades da história, o Holocausto, os líderes israelenses agora propõem uma política para os palestinos que espelha assustadoramente os horrores que sofreram no passado: encurralar civis à força, incluindo crianças, em enclaves semelhantes a campos fechados sobre as ruínas de suas casas — sob controle militar e detenção por tempo indeterminado. Com esse plano, eles ameaçam não apenas o deslocamento em massa, mas a eliminação de um povo inteiro de sua terra natal. Essa proposta é genocídio em tudo, exceto no nome: visando jovens, examinando exclusivamente homens em idade de lutar e confinando-os em massa; empregando a fome e o bombardeio como ferramentas de controle; privando uma população resiliente de sua autonomia e direito de permanecer em suas terras.
Este não é um novo capítulo no sofrimento de Gaza — é o ato final de uma estratégia de apagamento que já dura um século.
O termo “cidade humanitária” não é apenas enganoso — é violento. É uma camuflagem linguística usada para mascarar o mecanismo de deslocamento forçado. Por trás dessa palavra está a alegação, agora repetida por autoridades israelenses e americanas, de que os palestinos estão recebendo ajuda e segurança. Mas isso é uma mentira. Uma mentira não diferente daquela que enquadra seu movimento forçado como “evacuação voluntária”. Não há nada de voluntário em fugir da fome, das bombas ou do fósforo branco. Não há proteção humanitária em ser amontoado em escombros sob vigilância militar, isolado do mundo exterior.
Essa terminologia — como “cidade humanitária”, “zona segura”, “corredor de evacuação” — é o vocabulário da dominação colonial. Ela apresenta os palestinos como uma população a ser administrada, não como pessoas com direitos inalienáveis. Apaga sua história, sua soberania e seu direito de retorno. Finge que a transferência é uma questão de logística, não uma violação do direito internacional. Na verdade, essas palavras servem à arquitetura de um plano profundamente sistemático: a transformação de palestinos de legítimos proprietários de terras em refugiados permanentes.
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Não se trata de um projeto humanitário. É o clímax de uma política de limpeza étnica.
As raízes desse deslocamento remontam ao século XIX, quando os projetos coloniais sionistas começaram a imaginar uma pátria judaica em uma terra já habitada. Essa visão exigiu a remoção gradual, mas implacável, de palestinos. A Nakba de 1948 deslocou mais de 700.000. A Naksa de 1967 acrescentou centenas de milhares a mais. As guerras de 2008, 2014 e agora de 2023-25 não apenas mataram — elas desapropriaram, uma aldeia, um acampamento, um bairro de cada vez. Hoje, a proposta de “cidade humanitária” sobre as ruínas de Rafah está sendo apresentada não como uma medida temporária, mas como uma nova geografia permanente para um povo que Israel há muito busca fazer desaparecer.
A natureza sistemática dessa transferência deve ser confrontada. Não é caos; é planejamento. A perseguição de jovens, a destruição de lares e hospitais, a negação de ajuda, o fechamento de fronteiras — tudo faz parte de uma estratégia que empurra os palestinos para o exílio permanente. O termo “transferência”, frequentemente usado friamente por planejadores militares e políticos, é em si um termo colonial. Ele nivela o trauma em política e transforma a expulsão de um povo inteiro em uma tarefa administrativa. Desumaniza. Desfigura a verdade. E deve ser rejeitado.
O próprio ato de limpeza étnica — por qualquer medida legal — deve ser nomeado e combatido. De acordo com as Convenções de Genebra, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional e todas as principais declarações de direitos humanos, a transferência forçada de civis sob ocupação é um crime de guerra. Justificá-la em nome da “segurança” ou da “preocupação humanitária” não é apenas imoral — é ilegal. Aqueles que facilitam ou silenciam sobre esse crime são cúmplices. E, no entanto, a comunidade internacional continua a debater a formulação, não a ação.
Enquanto isso, os países árabes, invocando o direito de retorno, praticamente fecharam suas portas aos palestinos em fuga. Embora essa postura vise impedir o exílio permanente e preservar as reivindicações palestinas às suas terras, na prática, deixou os palestinos presos — abandonados à fome e ao bombardeio, sem um santuário real. O direito de retorno não tem sentido se não houver mais ninguém para retornar e nenhuma terra para onde retornar.
O que Israel oferece hoje não é segurança. Não é paz. Nem mesmo é exílio. É algo muito mais cruel: uma ilusão de refúgio sobre as ruínas da história, imposta por aqueles que emergiram das cinzas do genocídio na Europa. Que um Estado nascido de tal horror agora planeje o apagamento de outro povo é um colapso moral vasto demais para compreender.
Mas os palestinos sempre resistiram ao desaparecimento. Eles sobreviveram a guerras, cercos, traições e abandono político. A “cidade humanitária” pode ser construída com arame farpado e drones, mas jamais conterá o espírito de um povo que se lembra de quem é e de onde pertence.
Não há linguagem humanitária que justifique o deslocamento em massa. Não há estrutura ética que possa expiar os crimes que estão sendo cometidos. Se o mundo aceitar esse plano, aceitará o fim da Palestina — não apenas como terra, mas como um povo vivo.
E não aceitaremos isso.
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