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De Gaza à Síria: A realidade implacável do colonialismo israelense

8 de março de 2025, às 14h33

Colonos ilegais israelenses sob escolta militar invadem a Cidade Velha de Hebron (Al-Khalil), na Cisjordânia ocupada, em 14 de setembro de 2024 [Mamoun Wazwaz/Agência Anadolu]

O debate sobre colonialismo de assentamento não deve se restringir à academia. Trata-se de uma realidade política, demonstrada às claras dia após dia pelo comportamento de Israel. O Estado ocupante não é meramente um regime expansionista dos livros de história, mas permanece ativo ainda hoje. Além do mais, o âmago do discurso político em Israel, tanto no passado como no presente, orbita a expansão territorial.

Frequentemente sucumbimos à armadilha de atribuir essa linguagem a certo círculo de políticos de direita e extrema-direita ou a um ou outro governo dos Estados Unidos. A verdade é absolutamente distinta: o discurso político israelo-sionista, embora mude de um estilo a outro, sempre permanecem, em essência, o mesmo.

Líderes sionistas sempre associaram o estabelecimento e a expansão de seu Estado aos esforços de limpeza étnica dos palestinos nativos.

Isso se tornou conhecido na literatura sionista como “transferência”. Theodor Herzl, pai fundador do sionismo político moderno, escreveu em seu diário sobre a limpeza étnica dos árabes da Palestina: “Devemos tentar impelir essa população miserável para além da fronteira, para que procure serventia nos países de trânsito, enquanto lhe negamos quaisquer emprego em nossa nação [sic] … Tanto o processo de expropriação quanto a remoção dos pobres deve ser conduzida discreta e cautelosamente”.

Não está claro o que ocorreu ao grande esquema de Herzl para “impelir” os palestinos a toda a região. O que sabemos é que essa chamada “população miserável” resistiu ao projeto possível de inúmeras maneiras. Em último caso, o despovoamento da Palestina se deu por meio da força, culminando na Nakba, ou “catástrofe”, de 1948.

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A promessa de apagamento do povo palestino tem sido o alicerce compartilhado entre todos os oficiais e governos israelenses, sem exceção, que, contudo, expressaram seus objetivos de formas variadas. Este sempre foi um componente material, manifesto pela vagarosa, mas decisiva tomada das casas palestinas na Cisjordânia, bem como de terras produtivas, além da construção de “zonas militares”.

Apesar das alegações de Israel, este “genocídio meticuloso” não se associa à natureza e ao grau da resistência palestina. Jenin e Masafer Yatta ilustram isso claramente.

A limpeza étnica em curso no norte da Cisjordânia, que, segundo a Agência das Nações Unidas para a Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), é o pior desde 1967, tem se caracterizado pelo deslocamento à força de dezenas de milhares de palestinos. Israel justifica suas violações por certa necessidade militar, devido à firme resistência que toma a região, sobretudo Jenin, mas outras áreas também.

Muitas partes da Cisjordânia, contudo, como Masafer Yatta, nem ao menos se engajam em qualquer resistência armada. Ainda assim, são alvos primários da expansão colonial israelense. Em outras palavras, o colonialismo — por óbvio — não deriva da resistência, seja ela ativa ou dormente.

E isso é verdade há décadas.

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Gaza é um grave exemplo. Enquanto um dos mais horríveis genocídios da historiografia recente transcorria a olhos nus, especuladores imobiliários, membros do parlamento (Knesset) e líderes dos assentamentos ilegais de Israel, todos se reuniam para debater as oportunidades de negócios em uma Gaza despovoada. Magnatas calejados se viram ocupados em prometer balneários na praia por preços competitivos, enquanto famílias palestinas nativas morriam de fome, em meio a uma contagem de corpos que parecia não ter fim. Mesmo a ficção não seria tão cruel.

Soldados israelenses reprimem protesto de palestinos nativos contra acampamento de colonos ilegais na aldeia de Umm Safa, ao norte de Ramallah, Cisjordânia ocupada, em 14 de setembro de 2024 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]

Não surpreende que os americanos se juntaram a tamanho empreendimento, como se mostrou pelos comentários igualmente vis de Jared Kushner, genro do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e mesmo pelo próprio incumbente.

Embora muitos comentem sobre a estranheza da atual política externa de Washington, poucos notam que tanto Israel como Estados Unidos são ambos exemplos perfeitos de colonialismo de assentamento. E ambos permanecem comprometidos ao exato mesmo projeto.

O desejo de Trump de tomar e renomear o Golfo do México, sua ambição em adquirir a Groenlândia e, é claro, seus comentários sobre Gaza são exemplos nítidos de retórica e comportamento voltado ao colonialismo de assentamento.

A diferença entre Trump e seus antecessores é que outros recorriam ao poderio militar para expandir a influência americana, mediante guerras e centenas de bases armadas em todo o mundo, sem explicitamente apelar a uma linguagem expansionista. Em vez disso, referenciavam a demanda por desafiar o “perigo vermelho” soviético, “restaurar a democracia” ou lançar uma “guerra ao terror” em escala global, como pretexto para suas ações. Trump não sente a menor necessidade de mascarar suas intenções com um ou outro subterfúgio lógico ou — neste caso — sequer mentiras. Honestidade brutal é sua marca registrada, embora, em essência, não difira dos outros.

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Israel, por outro lado, muito raramente sente a necessidade de se justificar para quem quer que seja. Israel permanece como uma sociedade colonial tradicional sedenta por sangue, que não teme qualquer responsabilidade, tampouco a lei internacional.

Enquanto israelenses pressionavam pela conquista e limpeza étnica da Faixa de Gaza, também se entrincheiraram no Líbano, território que invadiram em setembro. Hoje, Tel Aviv insiste em manter bases em cinco áreas estratégicas, ao violar, portanto, o acordo de cessar-fogo com o Líbano, assinado em 27 de novembro.

Um exemplo perfeito com referência ao colonialismo de assentamento foi a expansão imediata — reitero, imediata! — ao sul da Síria, no instante em que desabou o regime de Bashar al-Assad, em 8 de dezembro de 2024. Enquanto os eventos na Síria abriam margens de segurança, tanques israelenses avançavam e aviões de guerra destruíam o exército sírio em sua quase totalidade. Neste entremeio, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não hesitou em revogar unilateralmente um armistício assinado em 1974.

A expansão continuou, muito embora a Síria não representasse qualquer “ameaça de segurança” a Israel. Hoje, o regime israelense ocupa ilegalmente a montanha de Sheikh e o interior de Quneitra.

Tamanho apetite insaciável por terras e mais terras de Israel se mantém tão preemente como na fundação do movimento sionista e na subsequente tomada das terras nativas do povo palestino, quase oito décadas atrás.

Trata-se de um fato crucial e os Estados árabes, em particular, têm de compreendê-lo. Sacrificar os palestinos à máquina de extermínio israelense com o cálculo faccioso de que as ambições do Estado ocupante se restringe a Gaza e à Cisjordânia certamente é um equívoco fatal.

Israel não hesitará um minuto sequer para avançar militarmente a qualquer terreno de geografia árabe no instante em que se sentir capaz de fazê-lo. E sempre poderá contar com o apoio dos Estados Unidos e o silêncio da Europa, não importa quão destrutivas são suas ações. Jordânia, Egito e outros Estados árabes podem se ver no mesmo apuro que a Síria, vendo seus territórios devorados sob sua própria impotência e sem recurso algum à justiça.

Tamanha epifania, por assim dizer, deveria importar àqueles que afirmam se ocupar de procurar “soluções” ao “conflito” israelo-palestino, de modo a caracterizar o problema pelo viés estreito da ocupação israelense em Gaza e na Cisjordânia.

Não há soluções criativas para o colonialismo de assentamento. Um Estado colonial de assentamento somente deixa de existir como tal, e sua sociedade colonial apenas deixa de operar dessa maneira, quando sua expansão territorial deixa de ser uma obsessão permanente seja para o Estado como para a sociedade.

A única solução para Israel é desafiar seu colonialismo de assentamento, sancioná-lo e, em último caso, derrotá-lo. Pode ser difícil, mas não há outra saída.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.