O ano começou com a expectativa do cessar-fogo em Gaza, intermediado por Catar, Egito e Estados Unidos e iniciado dia 18. Uma parcela grande da colônia árabe no Brasil e as dezenas de milhões de apoiadores da causa palestina em toda América Latina se mostrara cética diante desta possibilidade. Mas, ao que parece, o chamado deep state imperial (os poderes fáticos dentro da máquina de guerra dos EUA) forçou uma solução para seus subordinados sionistas e esta avançou.
Em nosso país, existem dois consensos na indústria cultural noticiosa. Uma, é o elogio do rentismo e a defesa da etapa capitalista de acumulação financeira. Outra, é a adesão incondicional ao ocidente avançado e a posição dos cruzados sionistas. Neste caso, a emissora líder deu o mau exemplo.
N dia 15 de janeiro o Jornal Nacional da Rede Globo anunciava o provável cessar-fogo entre o apartheid colonial e o povo originário da Palestina, especificamente na ocupação, destruição e genocídio em Gaza. Ao invés de afirmar os fatos a partir do contexto histórico e da ocupação de longo prazo, incluindo acusações de genocídio e violações de direitos humanos contra a população originária, retomou todo o discurso e as falsificações já desmentidas.
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Vergonhosamente, o âncora de origem árabe William Bonner afirmou que “o estopim desse conflito foram os atentados terroristas do Hamas contra a população israelense” (10:07). Na sequência, um locutor de fundo, no estilo de nota coberta começa a locução: “A guerra entre Israel e o Hamas começou em 07 de outubro de 2023” (10:18); “assassinaram 1200 pessoas, dentre elas crianças e idosos; cometeram execuções diante de câmeras de segurança; estupraram mulheres; queimaram casas; atacaram um festival de música eletrônica que virou símbolo do massacre e capturaram 251 reféns” (10:59).
Tanto as acusações de violação em massa como a tenebrosa “estória” de bebês decapitados foram mentiras plantadas e depois reproduzidas pela mídia ocidental. O caso dos 1200 assassinados a probabilidade maior é de “fogo amigo”, quando as forças sionistas de primeira resposta se engajaram no confronto aplicando o Protocolo Hannibal (“matem todos e tantos quantos puderem!”) tal como já haviam feito em Gaza nos anos 2012 e 2014 (quando o “centrista” Benny Gantz era o carniceiro em chefe). A narrativa parecia uma fábula macabra do Departamento de Estado do império, ao denominar quem resiste de “terrorista” e os invasores como se estivessem “defendendo a única democracia da região”.
Para além das notícias em formato de “assessoria de imprensa colonialista”, o andar do cessar-fogo foi lento, arrastado, abrindo todas as possibilidades de retomar o genocídio como forma de acerto político doméstico dentro do Estado Sionista. Pela “lógica interna”, Netanyahu teria o mesmo destino de ostracismo político como ocorrera com a ucraniana Golda Golda (apelidade de Meir) em 1973; e antes com o polonês David Grün (apelidado de Ben Gurion) após este entrar em rota de atrito com John F. Kennedy, em 1963. Ou então, alguma saída mais drástica, quando os criminosos acertam as contas entre si, como ocorrera com o carniceiro da Palmach, Yitzhak Rabin. Este fora assassinado por um fascista assumido (e não um “genocida simpático” como os citados aqui) em 1995. Logo, quanto mais tempo o “ cessar-fogo” durar sob tensão, mais longeva é a vida política do premiê do premiê do Apartheid.
O gabinete de guerra dos genocidas realizou bombardeios até o último momento
A ideia de “guerra” quando o invasor tem a supremacia aérea é sempre a contagem de corpos. Muito semelhante do realizado por Robert McNamara quando foi chanceler do Império (1961-1968), pensando poder dobrar a espinha do Vietnã elevando o número de assassinatos através de bombardeios e incêndio das florestas.
Pelo menos 113 palestinos foram mortos, incluindo 35 crianças e 31 mulheres, em ataques israelenses em Gaza desde o anúncio de um acordo de cessar-fogo até seu início no domingo, de acordo com a defesa civil do enclave palestino. Enquanto os genocidas fingiam não entrar em acórdão interno, o recurso final já está preparado. Como postou a jornalista brasileira Amyra Khalili, traduzindo notícia dada pelo portal sionista Ynetnews, Trump já teria pré-autorizado seu aliado a seguir matando indiscriminadamente caso “algo saia errado”.
O presidente Trump, de acordo com uma fonte familiarizada com os detalhes, já prometeu a Netanyahu e ao ministro Ron Dermer que, se eles concordarem com um cessar-fogo e a retirada das forças da IDF da Faixa de Gaza, ele apoiará Israel retroativamente se decidir voltar a lutar e violar o cessar-fogo. Isso pode resolver um problema para Netanyahu, mas não é certo que seja o suficiente para acalmar os membros da coalizão da ala direita, nacionalista e colonizadora, que podem ver isso como uma concessão inaceitável. Outras fontes afirmam que tudo o que está acontecendo diante do público, incluindo a oposição de direita, é parte do mesmo show orquestrado.
Ou seja, se a elite política de “israel” entre num impasse diante da provável prisão de Netanyahu e seus asseclas, sempre poderá contar com o aval da Casa Branca para realizar novos massacres e assim postergar o mandato chauvinista. Avisos de que algo ainda pior pode ocorrer não faltam e já começaram os ataques a Jenin, na Cisjordânia.
O cerco sionista continua
O exército sionista fez circular um gráfico em que “avisa” a população local que deve seguir sob cerco genocida. A máquina de guerra colonial alertou os palestinos em Gaza para evitarem a “zona tampão” ao longo de toda a fronteira e áreas onde as forças israelenses estacionaram após o início do acordo de cessar-fogo, no domingo.
A declaração também ameaçou os palestinos a não se aproximarem do Corredor Netzarim ou tentarem retornar para suas casas no norte de Gaza. Além disso, o exército alertou os palestinos para ficarem longe da Travessia de Rafah, perto da fronteira egípcia, e das áreas costeiras de Gaza, onde as tropas israelenses permanecerão estacionadas durante o primeiro estágio do cessar-fogo.
Com este padrão de “avisos”, qualquer tentativa da população local de ultrapassar o cerco pode ser “interpretada” como sendo uma “violação do acordo”. Logo, basta que Tel Aviv (a capital invasora erguida sobre Jaffa) bloqueie os corredores e interrompa o ingresso de bens de primeira necessidade. Uma revolta da população será inevitável, assim como mais atos genocidas por parte dos criminosos de lesa humanidade.
Perguntas ainda sem resposta
Começou o cessar-fogo e troca de reféns, e uma parte dos mais de 18 mil palestinos (número aproximado desde outubro de 2023) sequestrados pelas forças coloniais ocidentais devem ser libertados como base do acordo. Mas, ficam algumas perguntas.
As famílias palestinas poderão retomar seus lares destruídos pelos genocidas sem novos ataques? E a ajuda humanitária, vai entrar sem interrupção? A população palestina, através de seu governo no exílio (caso o acordo de Pequim seja respeitado pelas 14 forças políticas) poderá fazer uso dos recursos naturais na costa mediterrânea de Gaza? Na Cisjordânia, será a mesma dinâmica de limpeza étnica através de prisão em massa, destruição de casas e tentativa de expulsão da população originária?
Fundamental neste momento, é a unidade palestina, e a atenção solidária para evitar – ou ao menos denunciar – novos massacres colonialistas.
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