Com Israel ainda atacando o Líbano e Gaza, a guerra de múltiplos fronts acendeu novos alertas após um ano, em 1º de outubro de 2024, quando o Irã lançou uma bateria de mísseis a instalações militares em diversas cidades israelenses. Teerã justificou as ações em resposta aos assassinatos de lideranças libanesas, iranianas e palestinas, em particular o chefe político do movimento Hamas, Ismail Haniyeh, e o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah.
Este foi o segundo ataque direto do Irã contra Israel, em um conflito que muitos ideólogos sionistas descrevem como uma “guerra de seis frentes” ou a convergência das confrontações e disputas no Oriente Médio em uma “única grande guerra”.
Desde 7 de outubro de 2023, Israel trava uma guerra de extermínio contra Gaza e Cisjordânia, além de ataques a Líbano, Síria, Iêmen, Iraque e Irã. Ainda em 8 de outubro daquele ano, o Hezbollah lançou mão de uma escalada militar meticulosamente calculada contra Israel, seguida por ações esporádicas de grupos no Iêmen, Irã e Iraque sob um chamado por “união dos campos”.
O ataque de mísseis iraniano, há mais de dois meses, marcou o ápice das operações coordenadas. Abu Obaida, porta-voz do braço militar do Hamas, as Brigadas Izz al-Din al-Qassam, descreveu o momento como convergência das chamas da Ummah — ou comunidade islâmica global — nos céus da Palestina.
Esta mobilização sem precedentes, em múltiplos fronts, em apoio à resistência palestina é algo há muito esperado. Marca a culminação de décadas de ações políticas de elementos que juntou se autodenominam o Eixo da Resistência — uma rede de Estados e movimentos aliados ou alinhados, incluindo Irã, Hamas e Jihad Islâmica na Palestina, Hezbollah no Líbano, Ansar Allah — ou houthis — no Iêmen, e grupos iraquianos.
Políticos e ideólogos da mídia ocidental buscam criminalizar o Eixo da Resistência como uma “rede terrorista”, sem qualquer contexto histórico, ao enquadrá-lo como uma espécie de ameaça expansionista à estabilidade no Oriente Médio.
Após o assassinato de Sayyed Hassan Nasrallah, em 28 de setembro deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, celebrou o ataque aéreo israelense à periferia sul de Beirute como um ataque a “grupos terroristas apoiados pelo Irã”, no que caracterizou como um “reinado de terror”.
LEIA: Quem realmente matou Hassan Nasrallah?
Oficiais israelenses comparam o eixo a um polvo: “O Irã é a cabeça e vemos seus tentáculos por toda a parte, desde os houthis ao Hezbollah e o Hamas”.
Após o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, chamar os palestinos de “animais humanos”, Thomas Friedman, colunista do The New York Times chegou a descrever o eixo como um “parasita invasivo”. Ao escavar ainda mais o fundo do poço, em sua tarefa inglória de justificar o genocídio realizado por Israel em Gaza, Friedman escreveu que o Irã seria um inseto parasitário e Ansar Allah, Hezbollah, Hamas e Kataib Hezbollah, ou Hezbollah iraquiano, seriam seus ovos. “Não temos contra-estratégia para matar segura e eficientemente essa vespa, sem colocar fogo em toda a selva”, declarou o colunista.
Negar a humanidade e a autonomia desses agentes na região — chamados ora de grupos por procuração, ora de tentáculos — caminha lado a lago com negar seu direito à resistência a ingerências estrangeiras em sua região. Embora a mídia corporativa costume destituir as partes denominadas como Eixo de Resistência de sua história e mesmo humanidade, suas raízes ideológicas antecedem ainda a Revolução Iraniana de 1979. A Palestina aparece em seu âmago, ao unificar seu pensamento, ao evoluir, porém, à circulação transnacional de pessoas, ideias e especialidades, tornando o chamado Eixo da Resistência em uma poderosa e influente força na região.
Revolução iraniana
A Palestina teve um inegável impacto à revolução que transcorreu no Irã entre 1978 e 1979, assim como seu ponto de vista global. Desde o princípio, quando o aiatolá Khomeini comandou a insurreição, a partir do establishment religioso, a colonização sionista na Palestina histórica, incluindo Jerusalém, e o relacionamento entre Israel e o xá Mohammad Reza Pahlavi foram centrais à luta revolucionária.
Em 1968, Khomeini emitiu um decreto religioso em apoio às forças de guerrilha fedayeen da Palestina, ao permitir que seus seguidores xiitas fizessem doações, ou zakat. Na década de 1970, o Fatah, facção dominante na Organização para Libertação da Palestina (OLP) emergiu como um ponto de contato fundamental ao movimento transnacional contra o xá. A organização abraçou os revolucionários de esquerda e religiosos no Irã, ao lhes proporcionar treinamento, conhecimento e contatos com combatentes da resistência em todo o mundo.
Sob a liderança de comandantes experientes como Yasser Arafat e Khalil al-Wazir, a facção Fatah ascendeu ao topo da OLP — e da luta transnacional na região —, por meio de uma liderança forte, quadros habilidosos, recursos uma ideologia abrangente. Revolucionários iranianos e quadros da OLP se tornaram irmãos em armas na década de 1970. Após a Revolução Islâmica de 1979, a OLP exerceu um papel essencial em estabelecer a Guarda Revolucionária Iraniana, à medida que a luta pela libertação da Palestina passou a inspirar, desde os primórdios, sua visão global.
LEIA: Como o Congresso Islâmico Mundial de 1931 internacionalizou a causa palestina
De fato, muitos cofundadores da Guarda Revolucionária — incluindo Mohammad Montazeri e Abbas Aqa-Zamani — receberam treinamento nos campos de refugiados palestinos, na década de 1970. Tais figuras bem aproveitaram as benesses do Fatah para construir seu próprio braço armado da revolução.

Certificado do partido Fatah a um cidadão iraniano que passou por treinamento militar em campos palestinos, em 1977 [Mohammad Ataie/Coleção particular/Reprodução]
A Revolução de 1979 se imbuiu ainda de um sentimento de solidariedade entre as nações do Terceiro Mundo. Os revolucionários iranianos tomaram lições e se inspiraram dos esforços nacionais de Ahmed Ben Bella, na Argélia, Patrice Lumumba, no Congo, e Gamal Abdel Nasser, no Egito, contra o colonialismo e o neocolonialismo.
A Palestina se tornou a intersecção dessas lutas por libertação e a própria visão ecumênica dos revolucionários. Para eles, a causa palestina estaria no âmago de um conflito entre o Islã e a “arrogância global” —Istikbar-i Jahani ou al-sticker al-ʿalami; isto é, o imperialismo.
As origens do eixo
O Eixo de Resistência surgiu após 1979, durante uma série de eventos cruciais, em particular, a Revolução Iraniana naquele mesmo ano, a invasão do Irã pelo Iraque no ano seguinte e a invasão israelense ao Líbano em 1982. O Iraque, sob a presidência de Saddam Hussein, temia que a revolução se espalhasse, à medida que Israel receava a formação de um eixo encabeçado por OLP e Irã no território libanês.
LEIA: Quais são as opções que a ocupação israelense deixou para os palestinos?
Tais invasões, que buscavam conter a revolução às fronteiras do Irã, em vez disso, levaram as forças do novo regime à Síria, ao plantar as sementes do Eixo de Resistência. Portanto, diferente das narrativas prevalentes que caracterizam o eixo como expansionista, este se originou de uma aliança de defesa entre Irã e Síria. Na época, ambos compartilhavam apreensões geopolíticas sobre as ambições regionais de Saddam e temiam a queda do Líbano ao campo de árabes como Egito e Jordânia, que haviam reconhecido Israel.

Documento de participação de Mohammad Montazeri na Conferência de Solidariedade com o Povo Árabe a Questão Central da Palestina, em Lisboa, Portugal, novembro de 1979 [Mohammad Ataie/Coleção particular/Reprodução]
O Hezbollah emergiu da resistência libanesa e palestina à invasão israelense e conseguiu, de fato, expulsar o exército ocupante de Beirute e da maior parte do território para a extremidade ao sul, em 1985. A cooperação entre Irã e Síria, ao prover bases, treinamento e armas, foi crucial ao êxito do Hezbollah contra Israel, que levou este a se retirar do Líbano em 2000, salvo as Fazendas de Shebaa.
Tais conquistas atingiram um clímax sem precedentes em 2006, após o exército Israel lançar sua guerra aberta contra o Líbano, como resposta à captura de soldados israelenses em uma operação transfronteiriça do Hezbollah, para que fossem trocados por prisioneiros libaneses nos cárceres da ocupação. Israel então declarou que as operações seguiriam até que o Hezbollah fosse exterminado. Trinta e três dias depois, no entanto, Tel Aviv concordou com um cessar-fogo, sem alcançar nenhum de seus objetivos, com nenhum soldado resgatado e um Hezbollah muito mais forte tanto política quanto militarmente. Tamanha vitória solidificou a imagem do Hezbollah como única organização a ter forçado Israel a devolver territórios ocupados e obliterou, de fato, uma antiga linha vermelha israelense: zero concessões frente à resistência armada.
A OLP foi influente na formação do Hezbollah. Para além do impacto galvanizante da resistência palestina sobre os fundadores do movimento libanês, alguns de seus principais líderes, como Imad Mughniyeh e Abu Hassan Salameh, haviam sido membros da OLP. Salameh, nativo de Jabal Amil no sul do Líbano, exemplificou a influência do Fatah sobre o Hezbollah, desde os primórdios, incluindo o compromisso com a resistência armada palestina.
LEIA: Os grupos de resistência palestina têm o dedo no gatilho nas negociações
Salameh era tão popular entre os palestinos que Arafat lhe emprestou a alcunha do falecido comandante palestino, Ali Hassan Salameh, morto pela agência de espionagem israelense Mossad em 1979. Como chefe do Hezbollah entre 1982 até seu próprio assassinato, por Israel, em 1999, Abu Hassan Salameh orquestrou as ações de resistência no sul libanês e concedeu apoio extensivo não apenas à OLP, como também aos movimentos Hamas e Jihad Islâmica.
Resistência palestina
A metamorfose da resistência palestina, encabeçada pelo Hamas e pela Jihad Islâmico, notavelmente tomou forma a partir da resistência islâmica no Líbano.
A humilhação histórica de Israel em 2000 foi um momento de euforia para os palestinos, então desiludidos com os Acordos de Oslo. A Segunda Intifada, dentre 2000 e 2005, deflagrou-se neste contexto, com a ressurgência da resistência armada contra a colonização sionista. O Hamas e a Jihad Islâmica perseveraram, ao desenvolver suas capacidades militares, sobretudo em uma Gaza recém-libertada.
O plano de desengajamento de Israel em Gaza foi um momento decisivo na trajetória da resistência palestina, não apenas para o enclave, mas em direção ao objetivo mais abrangente de libertação da Palestina — do rio ao mar.
Por meio da colaboração com o Eixo de Resistência, as Brigadas Izz al-Din al-Qassam, braço armado do Hamas, e as Brigadas al-Quds Brigades, braço armado da Jihad Islâmica, desde então desenvolveram sua expertise e suas capacidades militares, ao impor um desafio considerável ao exército da ocupação. A partir de algumas metralhadoras utilizadas na época da retirada israelense de Gaza, seu arsenal evoluiu a mísseis capazes de atingir Tel Aviv e além com uma força significativa. Tamanho desenvolvimento técnico nasceu da longeva cooperação com Síria, Irã e Hezbollah, que compartilharam tecnologias de drones e mísseis com os grupos palestinos.
Diversas batalhas exemplificaram as novas capacidades armadas, em particular os 11 dias da Operação Espada de Jerusalém, em 2021, que revelaram a capacidade da resistência de confrontar e mesmo desmobilizar as forças israelenses, com eficácia, em todo o seu território.
Desde 2000, o Eixo da Resistência se vê envolvido na encruzilhada dos conflitos que tomam a região. A invasão dos Estados Unidos ao Iraque, em 2003, e a ascensão do grupo terrorista Estado Islâmico (Daesh), em 2014, deram vazão a diversas organizações militantes iraquianas, que se alinharam ao Eixo da Resistência. O mesmo ocorreu com o Ansar Allah, ou os houthis, após a Revolução Iemenita de 2011 e 2012.
LEIA: A imoralidade sistemática e o terror de Israel contradizem suas alegações de autodefesa
Ainda assim, a Palestina, na intersecção ecumênica entre a libertação do mundo islâmico e do chamado Terceiro Mundo, permaneceu como fator unificador entre os distintos agentes do eixo, cada qual com sua agenda política e nacional nos diferentes contextos nacionais, por vezes até mesmo conflitantes.
Tensões e conflitos
Muito longe de ser uma história de meras comemorações, a história do Eixo do Resistência se marcou por numerosas tensões e conflitos sobre o relacionamento político entre os povos árabes, além da divergência entre as inclinações panárabes, de esquerda ou islamitas que envolvem seus parceiros.
Em conjunturas voláteis, Irã, Síria, Hezbollah e Hamas divergiram e mesmo colidiram, incitando rumores e especulações sobre o colapso da parceria.
Durante os anos formativos das relações entre Síria e Irã, na década de 1980, divergências emergiram entre o então presidente sírio Hafez al-Assad e Khomeini, sobre uma série de questões, incluindo os vínculos iranianos com Arafat e com a oposição islâmica na Síria; sobre os movimentos Hezbollah e Amal no Líbano; e sobre as confrontações entre Irã e Iraque.
Os clérigos revolucionários no Irã simpatizavam com a Irmandade Muçulmana e mantinham laços com uma facção da Irmandade na Síria, para grande preocupação de Assad. Mutio embora o relacionamento entre o Irã e a Irmandade síria fosse ainda limitado, o apoio dos religiosos iranianos a movimentos sunitas e ao Hezbollah no Líbano levou a tensões entre Damasco e Teerã sobre o Estado levantino. Assad então desconfiava do Hezbollah e temia o fortalecimento da Irmandade Muçulmana na Síria e, por consequência, de seu arqui-inimigo, Arafat. Assad também temia a crescente influência iraniana no Líbano, que via como um quintal de sua ditadura.
Ao longo da década de 1980, as divergências e desacordos entre Teerã e Damasco puseram o Hezbollah em rota de colisão com a Síria, levando a uma chacina que incorreu na morte de 28 membros do Hezbollah, pelas forças sírias, em 1987.
Neste mesmo contexto, havia rivalidade entre o Hezbollah e o grupo Amal, pró-Assad, que temia perder terreno entre a comunidade xiita. O conflito entre Amal e Hezbollah, conhecido como Guerra dos Irmãos, tomou os anos finais da década de 1980, até que um acordo com mediação sírio-iraniana foi firmado entre as partes, no ano de 1990.
LEIA: Chefe do Hezbollah no Líbano: Hamas negocia em nome de todo o Eixo de Resistência
O Hezbollah então reconheceu o papel fundamental da Síria no Líbano, a fim de proteger tanto seus arsenais quanto seus laços com o Irã. À medida que Teerã e Damasco consolidaram sua parceria, na década de 1990, o apoio iraniano às forças da resistência no Líbano e na Palestina se tornou cada vez mais vinculado a sua aliança síria. Deste modo, levou uma década até que Teerã e Damasco convergissem à convivência, desafiando expectativas sobre o colapso da colaboração.
No entanto, com a invasão dos Estados Unidos ao Iraque e a queda de Saddam Hussein, em 2003, tensões ressurgiram entre Irã e Síria sobre visões divergentes em torno da ordem política pós-Saddam. A Síria assadista queria garantir um papel do antigo partido governista Baath, a contragosto de Teerã. Com o fim de um inimigo em comum, especulações surgiram sobre o fim da parceria. Ainda assim, esta não apenas sobreviveu como se tornou mais forte do que nunca.
Crises e levantes
Com os levantes árabes desde 2010, o Eixo da Resistência enfrentou uma de suas maiores crises quando a revolução contra Bashar al-Assad, filho de Hafez, varreu a Síria, com o país mergulhado em uma guerra civil. A repressão contra manifestantes e dissidentes políticos por parte de Damasco e o subsequente papel de Teerã prejudicou a legitimidade de ambos os regimes, incluindo protestos no Irã, nos últimos anos.
À medida que a revolução síria tomou contornos armados, envolvendo uma gama de forças regionais e internacionais, o Hezbollah, no começo de 2013, começou a se envolver cada vez mais na guerra civil. Contudo, o movimento libanês passou a enfrentar críticas crescentes tanto no Líbano quanto na região, por negligenciar seu papel na resistência contra Israel para entrar na guerra a favor de Assad.
Neste mesmo contexto, em 2012, o Hamas deixou discretamente sua base na Síria, ao revelar fissuras no Eixo de Resistência sobre a conjuntura. Aos olhos de Assad, os palestinos o haviam abandonado, para se alinhar a seus arqui-inimigos da Irmandade Muçulmana. Em um momento que dividia toda a região, à margem do sectarismo, perder o Hamas impôs um revés considerável ao chamado Eixo de Resistência. Todavia, o relacionamento do Hamas com Irã e Hezbollah não se encerrou.
Mesmo o braço armado do Hamas, as Brigadas al-Qassam, continuaram a desenvolver suas capacidades por meio de cooperação com o Hezbollah e as Forças al-Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã. Em poucos anos, o papel de mediação de Qassem Soleimani, então líder das Forças al-Quds, e Nasrallah, do Hezbollah, ressuscitaram o relacionamento entre Síria e Hamas, culminando na visita da liderança palestina a Damasco de 2022.
LEIA: Khomeini, a Revolução e a Palestina
Tais esforços transcorreram à medida que os Estados Unidos, tanto sob o republicano Donald Trump quanto sob o democrata Joe Biden, buscavam vigorosamente os chamados Acordos de Abraão, para estabelecer um novo Oriente Médio centrado na normalização com Israel. Os esforços substituíram a suposta paz israelense com o lado palestino por uma normalização entre a ocupação israelense e as autocracias assentadas por toda a região, em particular, as famílias governantes na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein.
Contudo, as ações do Hamas em 7 de outubro de 2023 não apenas descarrilaram os Acordos de Abraão como deram nova vida ao Eixo de Resistência.
Mesmo com o assassinato de Nasrallah, líder do Hezbollah, em setembro de 2024, acabar com o Eixo de Resistência permanece uma possibilidade remota. Ataques aéreos, ações de sabotagem e assassinatos de líderes políticos e militares certamente não bastarão para consolidar os ensejos do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, por um novo Oriente Médio e pelo ressurgimento dos Acordos de Abraão.
Palestina global
Ao longo de quatro décadas, o Eixo de Resistência evoluiu a uma força significativa que repaginou o Oriente Médio. Todavia, como é que o Eixo de Resistência conseguiu sobreviver a tantas contradições e paradoxos em uma região tão volátil, cujas alianças históricas sempre pareceram ter vida curta? Como explicar o realinhamento do Hamas ao Eixo de Resistência que, para a surpresa de muitos observadores, descarrilou os panoramas e planos americanos para a região?
Afinal, para os sionistas, a aliança entre árabes, iranianos, sunitas e xiitas não parece “natural” e, de acordo com suas visões sectárias das sociedades e das forças políticas na região, deveria ter desmoronado há muito, muito tempo.
Seria bastante difícil imaginar tamanha longevidade sem o movimento global pró-Palestina e a causa pela libertação de Jerusalém, como catalisador das mobilizações da Ummah — a comunidade islâmica internacional. Nas palavras de Fathi al-Shiqaqi, fundador do movimento de Jihad Islâmica: “A Palestina e a união constituem dois lados de uma mesma moeda para o Islã”, contra a “fragmentação [al-tajz’ia] e o empreendimento sionista — estes, dois lados de um mesmo esquema colonial”.
LEIA: Resistência contra outro desenraizamento da terra da Palestina
Para além da causa dos muçulmanos, a Palestina prevalece como uma questão existencial para todo o chamado Terceiro Mundo. De fato, sua conexão com lutas amplas por justiça social, econômica e ambiental continua a ser uma das forças mais unificadoras do movimento progressista global.
Radiando da solidariedade entre os oprimidos e uma visão ecumênica do Islã, os heróis e mártires da Palestina uniram elementos do Eixo de Resistência para muito além de identidades sectárias e divergências políticas.
Desde o início da década de 1980, o crescimento do Eixo mudou notavelmente as dinâmicas de poder entre si e Israel. Houve um tempo em que Israel considerava a guerra um “luxo com perdas mínimas”. Nos dias que antecederam a invasão israelense ao Líbano, em 1982, o então chefe do exército ocupante, Raphael Eitan, vangloriou-se de que suas tropas seriam “uma máquina militar muito bem azeitada e preparada”. Então, acrescentou, a favor da guerra: “Por que não utilizá-las?”
Conforme as forças israelenses avançavam a Beirute, alguns combatentes libaneses e palestinos enterraram suas armas na areia e fugiram da batalha. Após a libertação libanesa de 2000, Nasrallah recordou suas histórias, ao proclamar: “Alguns enterraram suas armas em 1982 quando os sionistas entraram no Líbano. Nós, no entanto, enterraremos os sionistas, caso ousem voltar outra vez a nossas terras”.
As guerras céleres de Israel, combatidas sem perdas em terras estrangeiras, resultando em vitórias espetaculosas, são um vestígio de uma era há muito perdida. Tamanhas mudanças devem muito a quatro décadas de solidariedade trans-sectária e transnacional, além de cooperação entre os parceiros do chamado Eixo da Resistência.
LEIA: Netanyahu, Hamas e as origens da guerra da Nakba de 2023
Publicado originalmente em Middle East Eye
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.