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Madonna, um show de ativismo seletivo

Madonna se apresenta durante a noite de abertura da The Celebration Tour na The O2 Arena em 14 de outubro de 2023 em Londres, Inglaterra. ´[Kevin Mazur/WireImage para Live Nation]
Madonna se apresenta durante a noite de abertura da The Celebration Tour na The O2 Arena em 14 de outubro de 2023 em Londres, Inglaterra. ´[Kevin Mazur/WireImage para Live Nation]

Não prestei muita atenção às notícias sobre o show de Madonna no Rio de Janeiro por diversos motivos, os quais nem cabem aqui explicar. No entanto, lembrei-me de que, logo no dia 8 de outubro, a cantora postou em sua conta no Instagram a seguinte mensagem:

“O que está acontecendo em Israel é devastador. Ver todas essas famílias e, especialmente, crianças sendo vítimas de violência nas ruas é de partir o coração. Imagine se isso estivesse acontecendo com você? É incompreensível. Os conflitos nunca podem ser resolvidos com violência. Infelizmente, a humanidade não compreende esta verdade universal. Nunca entendi isso. Vivemos em um mundo devastado pelo ódio. Meu coração está com Israel. Às famílias e lares que foram destruídos. Às crianças que estão perdidas. Às vítimas inocentes que foram mortas. A todos que estão sofrendo ou que sofrerão com este conflito, estou orando por vocês. Estou ciente de que este é o trabalho do Hamas e que há muitas pessoas inocentes na Palestina que não apoiam esta organização terrorista. Este ataque trágico só causará mais sofrimento para todos. Vamos todos orar. Por Israel. 🇮🇱🇮🇱🇮🇱 Pela paz. ♥️ Pelo mundo.” – Madonna, 8 de outubro de 2023

Quero discutir um pouco sobre o tom da mensagem escrita por Madonna. Em primeiro lugar, o que está acontecendo em Israel é devastador, Madonna? E quanto ao sofrimento dos palestinos sob ocupação há mais de 76 anos, não merece a mesma consideração?

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Ela disse que os conflitos não podem ser resolvidos com violência. Isso suscita uma discussão ainda mais crítica. Gostaria de saber qual seria a maneira correta dos palestinos resistirem à ocupação? Qual luta pela libertação foi conquistada com coelhinhos brancos e rosas vermelhas? A Independência dos EUA foi conquistada com rios de sangue, principalmente do povo originários e dos pobres escravizados no continente africano. Além do mais, quantos morreram na luta pela independência indiana, mesmo com Mahatma Gandhi como líder espiritual? Desobediência civil e não-violência não têm nada a ver com submissão incondicional. O mesmo podemos dizer para todas as lutas pela independência ou contra outros regimes de apartheid, como na África do Sul. Mas é fácil para Madonna dizer que a solução está na paz quando ela está do lado do opressor fortemente armado.

“Meu coração está com Israel”. Sabemos muito bem, Madonna, pelo menos desde que se “converteu” ao judaísmo e começou a frequentar o Kabbalah Center, junto com outras estrelas de Hollywood.

Quanto aos “bebês decapitados”, nem vou mencionar. Prefiro acreditar que a cantora foi vítima de sua própria governança cúmplice dessa desinformação, já que Biden ajudou a propagar a mentira no maior palco do mundo, mesmo após ser orientado a excluir tais linhas de seu discurso.

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“Estou ciente de que este é o trabalho do Hamas e que há muitas pessoas inocentes na Palestina que não apoiam esta organização terrorista”. Esta afirmação é bastante intrigante. Primeiramente, há sim muitos inocentes na Palestina, assim como também há nos EUA, que não compactuam com seu governo terrorista instalado na Casa Branca. Neste momento, esses estadunidenses inocentes estão sendo espancados e presos por ocuparem suas universidades em protesto contra este genocídio. O uso do “há” na formulação da frase da cantora sugere que, assim como alguns não apoiam, outros apoiam, portanto, devem ser punidos.

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Quanto ao Hamas ser terrorista ou não, devemos analisar como os Estados Unidos definem o que é terrorismo. Segundo o U.S Department of State:

“Um ato de terrorismo significa qualquer atividade que: a) envolva um ato violento ou uma séria ameaça à vida humana que seja considerado um crime pelos Estados Unidos ou qualquer outro Estado, ou que seja reconhecido como tal, se praticado dentro do território jurisdicional americano ou de qualquer outro Estado; e b) pareça (i) ser uma intimidação ou coerção à população civil; (ii) influenciar a política governamental por meio de intimidação ou coerção; ou (iii) ameaçar a conduta de um governo por meio de assassinato ou sequestro.” – U.S Code

Segundo a definição estadunidense, Madonna, basta observar qualquer organização que opera da mesma forma que os EUA e Israel e podemos defini-los como terroristas. Mas, como eles não podem se incluir na própria lista, preferem rotular praticamente todos os seus inimigos, em outras palavras, partidos políticos, incluindo quase todos os palestinos.

Mas não sejamos injustos, em 2020 Madonna se posicionou para o Google recolocar a Palestina no mapa. Isso foi muito bonito da parte da rainha do pop, mas no ano anterior, mesmo sob vários protestos de seus fãs para que a cantora não se apresentasse no Eurovision Israel, em uma campanha do Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), a cantora respondeu dizendo:

“Nunca deixarei de tocar música para me adequar à agenda política de alguém, nem deixarei de me manifestar contra as violações dos direitos humanos, onde quer que estejam no mundo.” – Madonna

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Mas tudo bem, dois de seus dançarinos se apresentaram em uma cena, cada qual com uma bandeira palestina e israelense em seu figurino, se abraçando. A cena foi ignorada pelos palestinos, afinal, o pior que era se apresentar em Israel a cantora já havia feito. Mas o governo israelense ficou furioso. A ministra da Cultura de Israel, Miri Regev, disse que “Política e evento cultural não devem ser misturados, com todo o respeito a Madonna.”

Seja como for, goste você ou não de Madonna, da Palestina ou de Israel, não importa, a crítica aqui está direcionada ao ativismo seletivo da rainha do pop, Madonna, ou Esther, como ela se declarou após sua conversão. Ao que parece, só há ativismo quando este não atrapalha os lucros, o que no caso do Brasil gira em torno de 17 milhões do dinheiro dos contribuintes.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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