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Brasil pode liderar ruptura de relações com Israel na região

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, abre 4ª Conferência Nacional de Cultura, em Brasília, e posa com bandeira palestina [Valter Campanato/Agência Brasil]

A denúncia pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista na Etiópia no dia 18 de fevereiro último, do genocídio em curso na Faixa de Gaza detonou centralmente dois movimentos antagônicos: uma agressão e humilhação por parte das lideranças do Estado de Israel e suas entidades no Brasil — acompanhada vergonhosamente pelo coro do oligopólio midiático subserviente ao sionismo e imperialismo estadunidense, por bolsonaristas e oposição no Congresso Nacional —, e uma defesa que levou muitos parlamentares, intelectuais e artistas apoiadores do governo a finalmente quebrarem seu silêncio.

Cantores como Chico Buarque e Caetano Veloso estão entre eles. Na 4ª Conferência Nacional de Cultura nesta segunda-feira, 4 de março, o poeta Antônio Marinho abriu o evento em Brasília entoando em seus versos que “se é aquele que vive confirmando a bravura do sangue nordestino e pediu, pelo povo palestino, pela paz, pelo fim do genocídio, eu nem leio os ditames do dissídio, eu só quero saber onde eu assino”. Lula o aplaudiu de pé. Ao final, tirou foto com a bandeira palestina juntamente com os participantes.

Após a declaração do presidente na Etiópia que detonou esse movimento, o Estado racista e colonial de Israel partiu em tal grau para suas ofensas a ponto de declarar Lula “persona non grata” e dizer que o presidente eleito “envergonha o Brasil”, o que acabou por forçar a convocação do Brasil de seu embaixador em Tel Aviv de volta para consultas. Lula não apenas não voltou atrás em sua declaração como tem reiterado a afirmação de que o que ocorre com o povo palestino em Gaza é genocídio sim. No chamado Sul Global, a fala foi bem recebida.

Não há mesmo porque se desculpar por ter feito uma fala correta, isso seria indigno. Pelo contrário, é preciso romper definitivamente relações econômicas, militares e diplomáticas com o Estado racista de Israel e expulsar o embaixador sionista do Brasil — como reivindicam milhares de vozes que se levantam em solidariedade internacional. Este embaixador já havia meses antes protagonizado a afronta de ingressar no Parlamento acompanhado do colega genocida Bolsonaro e se reunir com seus asseclas no Congresso Nacional. Até o momento o Brasil tratou de suspender os acordos militares, e é urgente ir além, o que é coerente com o reconhecimento do genocídio.

Resistência não é terrorismo

Além da demora nessa ação, equívoco é tentar se justificar alegando referência ao governo Netanyahu somente — como se não tivesse a ver com um projeto colonial e racista de Estado, o que é demonstrado pela história. Ainda, anteceder sempre a defesa de que se trata de genocídio com argumento bastante deseducativo, repetido por muitos apoiadores da declaração de Lula: a confusão de que ação da resistência legítima seria terrorismo. Isso a despeito de as diversas fake news sionistas sobre o 7 de outubro, que serviram de desculpa para Israel partir para sua tentativa de “solução final” na contínua Nakba (catástrofe palestina há mais de 75 anos), já terem sido devidamente desmentidas.

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A propaganda de guerra contra o povo palestino, ao lado das armas europeias e estadunidenses, os bilhões de dólares dos Estados Unidos e a cumplicidade internacional histórica, deu o aval para o genocídio em curso e a limpeza étnica agressiva na Cisjordânia.

O escândalo de uma carnificina televisionada, exposta ao mundo pelos heroicos jornalistas de Gaza e ecoada pela solidariedade internacional gigantesca, felizmente tem mudado o curso dessa história. O isolamento de Israel cresce, ao ritmo de sua crise interna e do imperialismo, e é nesse contexto que se dá a importante declaração de Lula. Mas é necessário rechaçar a ideologia que segue a equiparar resistência a terrorismo.

Em meio ao imperialismo estadunidense em crise e decadente, coube ao embaixador chinês na Organização das Nações Unidas (ONU), Zhang Jun, recorrer à Resolução 3070/1973 para fazer isso, ao enfatizar: “A luta travada pelos povos pela libertação, pelo direito à autodeterminação, incluindo a luta armada contra o colonialismo, a ocupação, a agressão, a dominação contra forças estrangeiras, não deve ser considerada ato de terror.” A declaração foi feita no dia 22 de fevereiro, em meio às audiências públicas no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, Holanda, com foco na ocupação ilegal sionista.

Estado fora-da-lei

O TIJ decidiu, em 26 de janeiro, ser plausível a ação da África do Sul contra Israel pelo crime contra a humanidade de genocídio, a qual foi apoiada por 70 países, entre os quais o Brasil. Não obstante, Israel, um estado fora-da-lei, segue a ignorar solenemente todas as medidas ordenadas pela corte. Não só o genocídio segue — com mais de 30 mil palestinos assassinados pelas bombas genocidas em Gaza, 70% dos quais mulheres e crianças, e a fome a assolar os 2,4 milhões de habitantes da estreita faixa — como se aprofunda.

A ajuda humanitária, cuja permissão de acesso é uma das medidas ordenadas pelo TIJ, diminuiu após a decisão da corte. E Israel ainda protagonizou outra ação escandalosa repugnante: o “massacre da farinha” na semana passada, quando matou cerca de 150 palestinos e feriu mais de mil que tentavam alcançar desesperadamente um dos poucos comboios humanitários a trazer alimentos. Enquanto isso, 15 crianças palestinas morreram de fome recentemente em Gaza, segundo seu Ministério da Saúde.

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Em referência ao “massacre da farinha” e reforçando a declaração de Lula, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, escreveu em seu Twitter (X), no dia 29 último: “Pedindo comida, mais de 100 palestinos foram assassinados por Netanyahu. Isso se chama genocídio, e também nos lembra do Holocausto, embora os poderes mundiais não gostem de reconhecer isso. O mundo deve embargar Netanyahu. A Colômbia suspende todas as compras de armas de Israel.”

 

A União Africana e países da América Latina caminham no sentido de aprofundar o necessário isolamento internacional do Estado de Israel. É questão de vida ou morte para milhões de palestinos apertar o passo. O Brasil tem potencial de liderar esse processo. Esse é o clamor das vozes que se levantam contra o genocídio em Gaza e por cessar-fogo. Essa é a medida concreta e efetiva a ser tomada por quem se coloca do lado certo da história.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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