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Dos otomanos ao petróleo: A comunidade árabe e muçulmana na Colômbia

A Mesquita Omar Ibn Al-Khattab é a peça central da comunidade muçulmana de Maicao [Anton Alexander/Al Jazeera]
A Mesquita Omar Ibn Al-Khattab é a peça central da comunidade muçulmana de Maicao [Anton Alexander/Al Jazeera]

Em uma tarde quente de sexta-feira, o jovem imã Ahmad Gian Jimenez recebe concidadãos locais em uma pequena sala de orações no andar superior de um discreto edifício na zona oeste de Bogotá. O sol da tarde entra no Centro al-Qurtubi de Estudos Islâmicos, uma residência simples convertida em mesquita, à medida que chegam os fieis. O adhan — chamado à oração — ecoa levemente por todo o edifício, enquanto o imã se prepara para seu sermão.

Jimenez, de apenas 22 anos de idade, acende uma luminária circular em frente ao púlpito — ou minbar — e põe seu celular para transmitir as orações nas redes sociais.  Sobe ao púlpito e fecha seus olhos, antes de lançar à sala palavras em árabe. Diante de si, colombianos, venezuelanos, argentinos, jordanianos, afegãos e paquistaneses o escutam — embora alguns pareçam fazê-lo com mais atenção uma vez que suas palavras rumam ao espanhol.

“Por que é que há muçulmanos na Colômbia?”, pergunta Jimenez em certo momento.

A comunidade islâmica na Colômbia é apenas uma minoria, o que não surpreende em um país com tamanha influência católica. No entanto, cresce pouco a pouco. Isso se evidencia pelo número de mesquitas na capital. Em 2007, Bogotá tinha somente uma mesquita; agora são seis, espalhadas pela cidade, com presença islâmica nos principais centros urbanos.

“Na Colômbia, há apenas alguns anos, a maioria da população islâmica era imigrante; hoje, a maioria consiste em cidadãos nativos”, observa o jovem imã, vestido tradicionalmente, a reportagem do Middle East Eye.

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Migração árabe

A diáspora árabe tem uma longa história na Colômbia. Os primeiros imigrantes árabes chegaram ao país no final do século XIX, fugindo da presença otomana no Oriente Médio. Libaneses, palestinos e sírios saíram ao mar em busca de melhores oportunidades nas Américas e muitos chegaram ao Caribe. Acredita-se que, entre 1860 e 1914, aproximadamente 1.2 milhão de árabes reassentou-se nas Américas à medida que minguava o Império Otomano.

Uma minoria pouco a pouco chegou à Colômbia, sobretudo libaneses, e se assentou nas cidades ao norte, como Barranquilla e Maicao. De 1880 a 1930, acredita-se que entre 10 mil e 30 mil libaneses migraram à Colômbia.

“A migração árabe à Colômbia no fim do Império Otomano é relativamente pequena e perdeu, ao longo do caminho, algumas de suas tradições e costumes. Os grupos no país eram tão pequenos que não havia realmente uma continuidade”, observa Diego Castellanos, acadêmico colombiano do Instituto Francês de Estudos Anatólios, cuja pesquisa se concentra nas comunidades islâmicas da América Latina.

A continuidade veio mais tarde, quando uma segunda onda de imigrantes libaneses aportou na costa colombiana, no decorrer da década de 1970. À medida que uma brutal guerra civil assolava o país, muitos optaram por deixá-lo na esperança de uma vida melhor. Encorajados por parentes e amigos que migraram previamente, muitos refugiados libaneses, desta vez, voltaram-se ao país. Um número considerável de novatos assentou-se em Maicao — pequena cidade incrustada na fronteira norte com a Venezuela.

“Parte do apelo que os levou a Maicao é que a cidade ainda estava crescendo. Os libaneses começaram a ver Maicao como uma alternativa, pois era fácil de chegar e realizar suas iniciativas econômicas. A presença de seus parentes os ajudou a se instalar e favoreceu, na prática, a economia local”, explica Castellanos.

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Comunidade próspera

Maicao logo se tornou epicentro da comunidade árabe e islâmica na Colômbia. A imigração libanesa coincidiu com o boom do petróleo venezuelano, na década de 1970, o que possibilitou à cidade fronteiriça prosperar economicamente. Lojas árabes — incluindo itens têxteis, perfumes e móveis — se tornaram parte do comércio cotidiano de Maicao.

O crescimento da comunidade árabe seguiu com firmeza pelas próximas duas décadas, com um pico nos anos de 1990, estimado entre cinco mil e oito mil membros na pequena cidade.

“Durante a década de 1990, Maicao desfrutou de livre comércio e havia mais oportunidades de trabalho. De fato, havia uma comunidade árabe realmente grande”, relata Nasser Gebara, empresário libanês que chegou à cidade em 1987.

Tamanha era a comunidade árabe e islâmica em Maicao que uma mesquita proeminente logo foi construída. A Mesquita Omar Ibn al-Khattab, edificada em 1997, se tornou motivo de orgulho da comunidade local. Trata-se da terceira maior mesquita da América Latina, construída com mármore branco e grandiosos vitrais, com um minarete que observa altivo a cidade fronteiriça. Conforme dizem, trata-se da única mesquita do país com permissão para transmitir publicamente o chamado à oração.

Maicao abriga ainda o Colégio Dar El Arkam, que proporciona a seus alunos aulas de árabe e estudos islâmicos. Na década de 1990, a instituição tinha entre 800 e 1.200 alunos, majoritariamente de raízes árabes.

Maicao também é a primeira e única localidade na Colômbia a ser governada por um prefeito muçulmano, o libanês-colombiano Mohamad Jaafar Dasuki, eleito em 2020.

“É uma honra ser o primeiro prefeito na história da Maicao com raízes árabes e, particularmente, libanesas, além de adepto da fé islâmica”, comentou Dasuki de seu gabinete ornado com temas ancestrais, à rede Middle East Eye.

Economia ilícita

O rápido crescimento econômico, porém, também trouxe um certo aspecto de terra sem lei. A prosperidade de Maicao foi irrefreável e a passagem de bens e pessoas pela fronteira transcorreu por anos sem muito controle. Com efeito, uma vibrante rede de comércio ilícito também prosperou no centro de Maicao, sobretudo entre 1980 e 1990.

“A situação de fronteira significa que há bastante comércio legal aqui na região. Ao mesmo tempo, no entanto, é um legal onde economias ilícitas entre Colômbia e Venezuela se desenvolveram, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e contrabando, sem que o Estado conseguisse exercer muito controle”, aponta Castellanos.

Neste entremeio, grupos armados passaram a disputar controle sobre a região, sobretudo em meados da década de 1990, por vezes recorrendo a táticas agressivas como extorsão e sequestro contra a proeminente comunidade de negócios da cidade de Maicao.

O crescimento da comunidade, porém, logo se frustrou. O declínio econômico da Venezuela, na virada do século, suspendeu boa parte da economia de fronteira, junto a um aumento na fiscalização do governo sobre as importações locais e o comércio alternativo. O arrefecimento das oportunidades econômicas afetou grande parte da comunidade árabe, somado a um cenário de insegurança crescente que forçou algumas famílias a deixarem a cidade.

Isso se refletiu no corpo discente do Colégio Dar El Arkam, cujos alunos matriculados chegaram ao menor número de sua história: 147 estudantes.

A população árabe na cidade declinou como um todo, com cerca de mil árabes ou descendentes ainda radicados em Maicao. Alguns migraram à cidade portuária de Barranquilla, enquanto outros se aventuraram nas ilhas caribenhas, Panamá ou Venezuela. Alguns poucos decidiram retornar ao Líbano e outras áreas do Oriente Médio, onde os problemas não cessaram.

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“Vejo uma comunidade em crise”, diz Pedro Delgado, pesquisador da comunidade árabe local convertido ao Islã. “Lá atrás, Maicao era bastante importante para a população árabe e muçulmana do país. Contudo, as condições econômicas e de segurança levaram as pessoas a deixar a cidade. Maicao perdeu seu status como bastião da comunidade árabe”.

Aqueles que ficaram são parte essencial do tecido social da cidade de Maicao. Apesar dos problemas, esperam que suas comunidades — tanto em casa quanto na diáspora — floresçam mais uma vez.

“Temos esperança de que as coisas melhorem e é isso que nos mantém aqui. Enfrentar as dificuldades. Se Deus quiser, as coisas vão voltar à vida e poderemos crescer novamente”, conclui Gebara.

Artigo originalmente publicado em inglês no MIddle East Eye, em 5 de abril de 2023

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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