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Israelenses ameaçam família de cineasta judeu, após denúncia do apartheid em Berlim

Diretor israelense Yuval Abraham recebe o prêmio de Melhor Documentário do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale), pelo longa-metragem “No Other Land”, sobre os pogroms cometidos por Israel em Masafer Yatta, na capital alemã, em 24 de fevereiro de 2024 [John MacDougall/AFP via Getty Images]

O cineasta e jornalista israelense Yuval Abraham declarou temores por sua vida e de sua família após emitir um apelo por igualdade entre judeus e palestinos no último sábado (24), ao receber o prêmio de Melhor Documentário do Festival de Cinema de Berlim (Berlinale).

Seu longa-metragem “No Other Land”, produzido por um coletivo israelo-palestino, documenta os pogroms cometidos por Israel na região de Masafer Yatta, na Cisjordânia ocupada, terra natal de seu codiretor Basel Adra.

Em seu discurso, Abraham denunciou o apartheid e a ocupação ilegal israelense na Cisjordânia e pediu um cessar-fogo em Gaza.

“Em dois dias, voltaremos a uma terra onde não somos iguais”, declarou Abraham. “Eu vivo sob o direito civil, ele vive sob a lei marcial. Vivemos a 30 minutos de distância, mas eu tenho direito ao voto; Basel não. Eu sou livre para ir e vir; Basel, como milhões de palestinos, está confinado na Cisjordânia ocupada. Essa situação de apartheid, de segregação entre nós, tem de acabar”.

O embaixador israelense na Alemanha, Ron Prosor, prontamente atacou seu concidadão como “antissemita”, muito embora Abraham seja também judeu. Autoridades em Berlim abriram um inquérito sobre os comentários de Abraham, ao demonstrar um viés persecutório.

A emissora de televisão israelense Canal 11 editou um trecho do discurso para expor o cineasta como “antissemita”, o que levou a ameaças de morte e mobilização de colonos em frente à casa de sua família.

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Alvejado por uma “turba israelense”, Abraham reporta agora receios por sua vida.

“Uma turba reacionária israelense foi à residência de minha família à minha procura — então, ameaçou parentes próximos que tiveram de deixar a cidade no meio da noite”, relatou o diretor na rede social X (Twitter).

“Ainda recebo ameaças de morte e tive de cancelar meu voo de volta para casa”, acrescentou.

Abraham está parado na Grécia, sob receios de voltar a Israel.

Abraham, no entanto, não recuou, ao rechaçar o “chocante mau uso” do termo antissemitismo por alemães, não apenas para silenciar ativistas palestinos e outros críticos a Israel, mas mesmo para reincidir na perseguição a judeus que pedem pelo fim dos massacres em Gaza.

O cineasta descreveu como “particularmente ultrajante” o uso arbitrário do termo para difamar e censurar judeus, sobretudo pelo próprio histórica de sua família como sobreviventes do Shoah — ou “catástrofe”, como os judeus descrevem o Holocausto perpetrado pelos nazistas.

“Minha avó nasceu em um campo de concentração na Líbia e a maior parte da família de meu avô foi assassinada pelos alemães no Holocausto”, reiterou Abraham. “Portanto, vejo como algo particularmente ultrajante que políticos alemães de hoje tenham a audácia de usar a expressão como arma contra minha pessoa, de maneira a pôr em risco minha família”.

“Todavia, acima de tudo, este comportamento põe em perigo a vida de meu codiretor palestino, Basel Adra, que vive sob ocupação militar [de Israel], cercado pelos violentos assentamentos de Masafer Yatta. Ele está muito mais exposto do que eu”.

Adra é também protagonista da obra. Durante o evento, reafirmou: “Estou aqui recebendo este prêmio, mas é muito difícil comemorar quando dezenas de milhares de meus concidadãos são chacinados e massacrados por Israel em Gaza”.

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A mensagem é particularmente eloquente na Alemanha atual, cujos governo busca criminalizar críticas legítimas à ocupação colonial sionista na Palestina histórica. O próprio Festival de Berlim foi tomado por controvérsias.

A diretora e roteirista americana Eliza Hittman reivindicou um cessar-fogo: “Como cineasta judia que ganhou o Urso de Prata em 2020, é importante para mim estar aqui. Isso não é uma guerra. Quanto mais as pessoas tentam se convencer de que é apenas uma guerra, mais elas se afogam neste ato grotesco de autoengano”.

No fim de semana, as contas oficiais do Festival de Berlim nas redes sociais foram supostamente hackeadas, ao compartilhar mensagens contra a guerra, entre as quais “Genocídio é genocídio. Somos todos cúmplices”.

“De nosso passado nazista mal resolvido a nosso presente genocida, sempre estivemos do lado errado da história”, declarou uma postagem. “Mas não é tarde para mudar o futuro”.

Em resposta, Kai Wegner, prefeito de Berlim, tuitou que sua cidade está “firmemente do lado de Israel”, ao responsabilizar a “nova gestão” do Berlinale pelo incidente.

Neste entremeio, a Alemanha e outros países ocidentais vivem uma ascensão da extrema-direita e mesmo de movimentos neonazistas. A perseguição contra palestinos é politizada por políticos xenófobos e denunciada também como forma de racismo.

Tapete vermelho

Ainda no sábado, em Santa Monica, na Califórnia, durante a cerimônia do Spirit Awards, prêmio do cinema independente, um ato pró-Palestina interrompeu a transmissão. Do palco, declarou a atriz Aidy Bryant: “Estamos na praia e as pessoas estão exercendo seu direito de expressão”.

O período entre fevereiro e março é tradicionalmente marcado por premiações do cinema e da indústria cultural internacional, culminando na cerimônia do Oscar, em Hollywood. Nesta época do ano, atores, diretores e outros profissionais costumam usar sua plataforma para comentar sobre questões políticas e sociais, como no caso da guerra na Ucrânia nos últimos anos.

A temporada deste ano, contudo, pareceu prenunciar receios de censura, diante de um clima de novo macartismo nos Estados Unidos, no qual atrizes como Melissa Barrera e Susan Sarandon foram dispensadas de projetos por seu posicionamento pró-Palestina.

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O embargo foi rompido na 66ª cerimônia do Grammy, em 4 de fevereiro, que premia a indústria musical, com transmissão internacional. Na ocasião, ao encerrar sua homenagem à compositora e ativista irlandesa Sinead O’Connor, falecida em julho de 2023, Annie Lennox ergueu o punho e proclamou: “Artistas por cessar-fogo! Paz no mundo”.

Desde então, algumas celebridades passaram a utilizar um broche que representa a campanha Artistas por Cessar-fogo, ao cruzar o tapete vermelho de diversos festivais, como nos prêmios da Guilda dos Atores da América (SAG), Guilda dos Diretores da América (DAG), Bafta, César, entre outros.

A petição, com apoio das organizações não-governamentais Oxfam e Action Aid, reúne nomes como Mark Ruffalo, Jennifer Lopez, Jeremy Allen White, Joaquin Phoenix, Rooney Mara, Richard Gere, Dua Lipa, Brian Cox, Sandra Oh, Selena Gomez, entre outros.

No início da semana, a atriz americana Hunter Schafer, estrela da série “Euphoria” (HBO) e do filme “Hunger Games and the Ballad of Songbirds and Snakes” (Jogos Vorazes e a Balada dos Pássaros e Cobras), foi presa ao participar de um protesto pró-Palestina, pedindo um cessar-fogo imediato em Gaza.

O protesto, convocado pelo grupo de judeus antissionistas Jewish Voice for Peace (JVP), ocorreu na sede da NBC no Centro Rockefeller, na cidade de Nova York, em uma tentativa de interromper a participação do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no programa de entrevistas “Late Night with Seth Meyers”.

Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, em retaliação a uma ação transfronteiriça do grupo Hamas, que capturou colonos e soldados. São cerca de 30 mil palestinos mortos e 70 mil feridos, além de dois milhões de desabrigados.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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Palestina: quatro mil anos de história
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