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‘É genocídio sem dúvida alguma’ em Gaza, diz relator especial da ONU

Crianças palestinas esperam na fila para receber alimentos preparados por voluntários para famílias palestinas, deslocadas para o sul de Gaza devido aos ataques israelenses, entre os escombros de edifícios destruídos em Rafah, Gaza, em 10 de fevereiro de 2024. [Belal Khaled/ Agência Anadolu].

Alimentos, água, saneamento e outras necessidades básicas estão em falta sem precedentes para mais de um milhão de palestinos que fugiram da Faixa de Gaza para a cidade de Rafah, no sul do território, disse um relator especial da ONU à Anadolu.

“Mais de um milhão de pessoas estão concentradas em Rafah, tendo fugido de outras partes de Gaza. Eles estão sofrendo uma grave carência das necessidades básicas da vida, de alimentos, água e saneamento, com a ameaça de doenças que vão além de tudo o que já vimos em qualquer conflito nas últimas décadas em todo o mundo, por mais graves que tenham sido esses conflitos”, explicou Balakrishnan Rajagopal, relator especial da ONU sobre o direito à moradia. “Nunca houve uma situação em que uma população não tivesse sequer permissão para fugir.”

Rajagopal destacou que nem mesmo Israel sabe para onde essas pessoas devem ir, lembrando muitas declarações de fontes de Israel que indicam “um desejo de expulsá-las totalmente de Gaza”.

Apontando para sérias alegações de que as principais autoridades israelenses e outros líderes estão planejando eliminar a população palestina de Gaza, Rajagopal enfatizou que essas alegações, vistas por alguns como “discursos de pessoas aleatórias dentro de Israel”, não podem ser ignoradas.

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“Infelizmente, tudo o que pensávamos não ser possível está se tornando cada vez mais possível a cada dia. Temos que julgar as ações de Israel não pelo que eles dizem, mas pelo que realmente acontece. O que está acontecendo é que as pessoas foram deslocadas várias vezes e se concentraram em Rafah. Elas estão sendo bombardeadas agora”.

Ressaltando como os relatores da ONU escreveram vários relatórios sobre a dimensão “genocida” dos ataques de Israel em Gaza, Rajagopal observou que eles mencionaram um “sério risco de genocídio” em seu relatório inicial. Ele acrescentou que eles publicaram outro relatório que incluía a possibilidade de atos genocidas em andamento, afirmando: “Desde então, confirmamos isso de fato. O que está acontecendo em Gaza constitui genocídio”.

Comentando sobre o caso de genocídio movido contra Israel no Tribunal  Internacional de Justiça (TIJ), Rajagopal disse que a decisão provisória do principal tribunal da ONU foi que a África do Sul, que apresentou as acusações, estava “amplamente correta” em sua petição. “As ações tomadas por Israel para criar condições para que Gaza se torne inabitável para a população que vive lá, juntas, constituem, na minha opinião, atos de genocídio, sem qualquer dúvida.”

Gaza sitiada é a prisão a céu aberto que resiste à colonização da Palestina por Israel – Charge [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio][Sabaaneh/MEMO]

Comparando a situação em Gaza com a Guerra da Bósnia da década de 1990, Rajagopal ressaltou que oTIJ  também decidiu que o massacre de bósnios muçulmanos pelas forças sérvias em Srebrenica também foi considerado genocídio. “Durante a guerra da Bósnia, na antiga Iugoslávia, e nesse conflito, cerca de 8.000 a 9.000 pessoas foram mortas. Se aquele caso foi genocídio, acho difícil acreditar que o que está acontecendo em Gaza não seja genocídio.”

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Os ataques israelenses mataram mais de 28.000 palestinos na Faixa de Gaza, a maioria mulheres e crianças.

O destaque dado à questão de Gaza, disse o relator especial, representa um “fracasso completo” da comunidade internacional. O mecanismo de ação coletiva está completamente congelado e a comunidade internacional não fez nada.

“O Conselho de Segurança da ONU ou a Assembleia Geral da ONU aprovaram resoluções muito fracas que não foram cumpridas. Mesmo de maneira proforma, a decisão da Corte Internacional de Justiça, embora importante do ponto de vista moral e simbólico, não ordenou nada de concreto que levasse a ações ou inações específicas por parte de Israel.

“Basicamente, em termos institucionais, acho que o mundo falhou. Ele falhou com Gaza. E, mais uma vez, Israel mostrou que está protegido pelo que venho chamando de impunidade institucionalizada. Israel parece estar protegido, não importa qual seja a transgressão.

    “Em outras palavras, o sistema foi projetado para proteger Israel de quaisquer consequências.”

Ressaltando que muitos edifícios em Gaza foram destruídos como resultado dos ataques, Rajagopal afirmou que as avaliações baseadas em dados de satélite e relatórios de campo mostram que mais de 70% das casas em Gaza foram destruídas ou severamente danificadas, tornando-se inutilizáveis. Ele observou que os dados de áreas como Khan Younis, no sul de Gaza, indicam que 82% a 84% dessas áreas podem ter sido completamente destruídas.

“Estamos falando de um nível de destruição muito grande, do tipo que não vimos em outros conflitos, como, por exemplo, até mesmo em Mariupol, que foi a cidade mais severamente destruída pelo bombardeio russo na Ucrânia, ou por conflitos na Síria.”

Rajagopal destacou que as casas em Gaza não foram destruídas apenas por bombardeios ou ataques de artilharia pesada, mas também por forças israelenses que se deslocaram para as áreas bombardeadas e destruíram casas e prédios públicos.

Ele destacou que a reconstrução de Gaza será extremamente desafiadora e levará anos de esforço persistente, traçando paralelos com a reconstrução de outros países destruídos durante conflitos.

“Eu me pergunto quanto tempo levará para limpar os escombros em Gaza. A reconstrução de Roterdã levou quase duas décadas. A propósito, isso ocorreu nas circunstâncias mais ideais, pois estávamos prontos para um investimento muito, muito significativo de recursos e tempo para reconstruir o local.

“A segunda coisa é mais importante: garantir que sejam estabelecidas condições para uma paz sustentável na região antes que a reconstrução possa de fato acontecer. Caso contrário, não será possível esperar que a reconstrução avance de forma significativa”, concluiu.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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