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Por que a melancia se tornou um símbolo da luta palestina?

Criada como resposta à proibição por Israel do uso da bandeira palestina e outros símbolos, a melancia ressurgiu nas redes sociais após o 7 de outubro
Manifestação em solidariedade à Palestina em Sydney, em fevereiro de 2024 [ndrek Torilo / Flickr]

Desde o reinício do conflito entre Israel e Palestina, com os ataques do Hamas no dia 7 de outubro do ano passado, sua aparição é constante. Em manifestações, debates, publicações, bandeiras e até nas redes sociais, tem sido comum observarmos o uso de melancias por parte de simpatizantes da causa palestina.

Representando as mesmas cores da bandeira palestina, a utilização da fruta como símbolo remete às primeiras décadas do conflito árabe-israelense: em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, o Estado sionista passou a proibir a exibição pública de bandeiras, bem como o uso das cores nacionais palestinas em qualquer forma, fosse em anúncios, obras de arte, publicações ou mesmo em fotografias antigas, com punições severas, que poderiam incluir prisão. Além do desafio direto à medida, o povo palestino começou a procurar uma série de táticas para contornar a proibição.

Nos anos 80, as forças israelenses invadiram uma galeria de arte em Ramallah, na Cisjordânia. Nessa ocasião, os artistas Nabil Anani, Sliman Mansour e Isam Bader foram presos por terem usado as cores nacionais palestinas em obras de arte. De acordo com Mansour, durante uma discussão em que um chefe de polícia israelense tentava persuadi-los de parar de pintar obras de arte com caráter político, um policial teria dito: “mesmo que você pinte uma melancia, ela será confiscada”. De acordo com o artista, “a ideia da melancia veio, na verdade, do policial, não de nós”.

Em 1993, embora as proibições de 1967 não tenham sido completamente extintas como parte dos Acordos de Oslo, que compreendiam o reconhecimento da Autoridade Nacional Palestina e marcaram os primeiros acordos formais que tentariam resolver a questão entre Palestina-Israel, a bandeira palestina passou a ser aceita como símbolo da Autoridade Nacional Palestina, que atualmente governa a Cisjordânia

Após a Segunda Intifada, em 2007, o artista palestino Khaled Hourani, residente de Ramallah, na Cisjordânia, retomou a história da melancia vivida por Sliman Mansour em um livro  chamado “Subjective Atlas of Palestine” [Atlas Subjetivo da Palestina]. Para o capítulo “Novas bandeiras para a Palestina”, o artista enviou a obra “Melancia”, uma referência direta à história de Mansour.

LEIA: Sliman Mansour e a arte palestina no campo de batalha

Mas foi no ano de 2013 que o artista renomeou a obra de “The colors of the Palestine flag” [As cores da bandeira palestina], vista e adquirida por milhares de simpatizantes da causa ao redor do mundo

Em 2021, colonos israelenses, apoiados pelo sistema judiciário de Israel, tomaram terras de palestinos na região de Sheik Jarrah, ao leste de Jerusalém. Ali, o simbolismo da melancia voltou a ser utilizado. Já em janeiro de 2023, o ministro de Defesa Nacional israelense determinou que a polícia voltasse a confiscar bandeiras palestinas. Houve até uma tentativa de tornar isso uma lei, mas antes que pudesse efetivá-la, o governo de Benjamin Netanyahu desmoronou.

Em junho de 2023, a Zazim, uma organização comunitária árabe-israelense, lançou uma campanha para enfrentar a censura às bandeiras palestinas, e imagens de melancias foram coladas em táxis em plena Tel-Aviv, com a seguinte mensagem: “isso não é uma bandeira palestina.” Amal Saad, que trabalhou nessa campanha contra o confisco de bandeiras, declarou à Al-Jaazera: “se querem nos calar, acharemos outros modos de nos manifestar.”

Mas a censura não se dá somente através do confisco de bandeiras. Desde o início da atual guerra de Israel contra a Palestina,  diversos ativistas da causa palestina denunciam medidas de contenção de publicações relacionadas à Palestina nas redes sociais, com perfis banidos ou sofrendo “shadowban” –  uma censura mais discreta, que reduz a exposição e engajamento do conteúdo publicado. Em outubro do ano passado, por exemplo, o Instagram foi acusado de reduzir o alcance de publicações pró-Palestina. A Meta, dona do Instagram, lançou um comunicado em que atribuiu o problema a uma “falha que impactou todos os stories que compartilhavam Reels e publicações do Feed”.

Para driblar a suposta censura digital, ativistas palestinos recorreram à utilização de emojis de melancias em seus nomes e publicações. As redes sociais viraram um verdadeiro campo de batalha simbólica.

Outros símbolos da causa palestina

Além da melancia, uma série de outros símbolos foram e são usados pelos palestinos para enfrentar ou contornar as medidas de apagamento simbólico israelense e reafirmar sua identidade nacional.

Oliveiras e azeite

Árvore extremamente resistente, capaz de suportar climas bastante secos e ventos fortes, as oliveiras são tomadas pelos palestinos como símbolo de sua resiliência e longevidade. Estima-se que sua origem remeta à Era Terciária (65 milhões de anos atrás), entre a região da Palestina e Síria. Na primeira vez que um palestino teve a oportunidade de discursar na ONU, o presidente da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat, não deixou de citar as oliveiras: “venho com a arma do combatente da liberdade em uma mão e um ramo de oliveira na outra. Não deixem que o ramo de oliveira caia de minha mão”.

LEIA: Colheita de azeitonas – Identidade e resistência palestina

Homem palestino durante colheita de oliveiras em Azmut, na província de Nablus, em 2006. [michael loadenthal / Flickr]

Além de ser um símbolo de resistência, as oliveiras também representam um importante e antigo meio de sobrevivência para milhares de palestinos que trabalham no plantio e na colheita das azeitonas e na produção do azeite, muito utilizado na culinária palestina. Em 2011, chegou-se a estimar que 57% da área cultivável nos territórios palestinos era usada para o plantio de oliveiras, e cerca de 100 mil famílias palestinas têm o plantio de oliveiras e a produção de azeite como sua principal fonte de renda.  Pelo seu peso simbólico e cultural, a destruição israelense de plantações palestinas de oliveiras é uma constante.

Chave do retorno

Todos os anos, no Dia da Nakba, os palestinos saem às ruas para protestar e homenagear seus antepassados que foram expulsos de suas terras históricas em 1948. A Nakba  (“Tragédia”) refere-se à ocasião na qual quase 1 milhão de palestinos foram expurgados de suas terras. E um dos principais símbolos exibidos neste dia de indignação são chaves antigas, pesadas e desgastadas pela ação do tempo: essas chaves foram das casas de seus antepassados e têm mais de 76 anos de idade. São mais antigas que boa parte da população israelense, e são símbolo de um desejo negado aos palestinos: o retorno às suas terras de origem.

Manifestantes levantam “chaves do retorno” durante manifestação em Londres, em 2022. [ Alisdare Hickson / Flickr]

Atualmente, a ONU reconhece os palestinos como um dos povos mais deslocados do mundo: são mais de 5,9 milhões de palestinos distribuídos entre a Jordânia, Gaza, Cisjordânia, Síria, Líbano e Jerusalém Oriental, impedidos de retornar às suas casas.

Keffiyeh

O keffiyeh é um lenço xadrez tradicional, utilizado historicamente para distinguir os beduínos da população das cidades e aldeias. Eles o usavam para se proteger do sol e da areia no deserto. Mas em 1936, quando os palestinos se insurgiram contra a ocupação britânica – processo que ficou conhecido como Revolta Árabe – os grupos rebeldes adotaram o keffiyeh como parte de seus uniformes.

Yasser Arafat com seu célebre keffiyeh durante discurso em reunião do FMI em 2001. [ Remy Steinegger / FMI / Flickr]

Por ser um acessório de fácil identificação pelas tropas britânicas, os líderes palestinos determinaram que todos os homens – rebeldes ou não – deveriam utilizá-los, para confundir os britânicos. Assim o keffiyeh começou a ser utilizado como símbolo de resistência. Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, Israel proibiu, além das bandeiras palestinas, também o keffiyeh.

Handala

Criado pelo cartunista Naji Salim al-Ali em 1969, o Handala é um personagem que representa os refugiados e a consciência de luta dos palestinos. A arte ilustra uma criança olhando para o horizonte em uma posição que inspira justiça e esperança. O artista afirma que é uma criança que para sempre terá 10 anos: a idade que Ali tinha quando sua família foi expulsa de suas terras, durante a Nakba de 1948.

Handala, personagem símbolo da luta palestina, em grafitte reproduzido em redes sociais [Pinterest]

Handala, personagem símbolo da luta palestina, em grafitte reproduzido em redes sociais [Pinterest]

“O símbolo predominante é a de Handala observando silenciosamente o que está acontecendo”, diz o cartunista e jornalista Joe Sacco, autor de “Palestina” e “Notas sobre Gaza”. “Ele está em silêncio, mas está observando, e fica claro para o leitor que ele tem consciência, ele sabe o que está acontecendo. Ele sabe que há hipocrisia.”

LEIA: Naji Al-Ali, ícone da luta palestina

Handala, personagem criado pelo cartunista Naji Salim al-Ali.

‘Handal’ (Citrullus colocynthis) também é o nome de uma planta que dá frutos amargos e é extremamente resistente proveniente da Palestina. Ela tem raízes profundas e, mesmo que arrancada em uma parte, continua crescendo.

Tatreez

A arte palestina do bordado conhecida como tatreez sempre foi um aspecto integral da cultura palestina, expressando de forma única a identidade vibrante de um povo resistente. O tatreez é um tipo de bordado cuja confecção requer muita paciência e dedicação.

A palavra “tatreez” em árabe se refere a um estilo de costura que é unicamente palestino, tradicionalmente conhecido como “fallahi”. E fallahi significa “fazendeiro, trabalhador da aldeia, cultivador do solo”.

Tatreez, o bordado palestino. [Ma’moun Othman / Wikicommons]

Em cada região, existem diferentes tipos de desenhos bordados nos tatreez. Em Gaza, os tatreez são conhecidos por terem símbolos de árvores. Já em Ramallah, é típico que os tatreez sejam mais avermelhados e brilhosos.

Publicado originalmente em Opera Mundi

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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