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Para os palestinos de Gaza, um destino pior que a morte: o exílio permanente

Ruínas deixadas pelos bombardeios de Israel à Cidade de Gaza, em 25 de novembro de 2023 [Ashraf Amra/Agência Anadolu]

Sob uma chuva de bombas lançadas por Israel de norte ao sul na Faixa de Gaza, os palestinos locais foram esmagados contra a fronteira com o Egito, em Rafah, do lado oposto da região árida da península do Sinai, sem efetivamente ter para onde ir. Centenas de milhares foram expulsos de suas casas e à medida que bombardeio novamente se aproxima, muitos temem que a única alternativa seja o exílio.

No entanto, não querem isso. Reiteram, jamais poderiam voltar.

“Não tem lugar seguro. A ofensiva por terra de Israel deve chegar aqui”, relatou Umm Osama (55), deslocada da Cidade de Gaza, no norte, a um abrigo em Rafah. “Para onde devemos ir, depois daqui?”

Umm Osama e muitos outros palestinos deslocados pela guerra rechaçam a ideia de atravessar a fronteira, mesmo que fosse uma possibilidade.

“Não queremos o deslocamento ao Sinai, queremos voltar a nossas casas, mesmo que estejam em ruínas”, comentou Umm Osama.

Ela e seus concidadãos são assombrados pelo trauma do exílio de seus pais e avós: a enorme maioria dos residentes de Gaza são descendentes dos refugiados expulsos de suas terras e aldeias na ocasião da Nakba, ou “catástrofe”, em 1948, quando foi criado o Estado de Israel mediante limpeza étnica.

“Se me fizerem escolher entre viver sob as bombas ou sair, eu fico. Eu vou voltar, mesmo que haja tanques na minha porta. Eu vou voltar para a Cidade de Gaza e vou aguentar qualquer coisa”, comentou

Umm Imad, de 73 anos, também abrigada em Rafah.

Após mais de dois meses de ataques aéreos, disparos de tanques de guerras e tropas em campo, que Israel insiste alvejar o Hamas, cerca de 85% dos 2.4 milhões de palestinos de Gaza sofreram deslocamento forçado. Israel ordenou os residentes do norte de Gaza a fugir ao sul – então bombardeou rotas de fuga e abrigos nas “zonas seguras”.

O norte de Gaza foi o alvo inicial, após uma operação surpresa do movimento Hamas, em 7 de outubro, que cruzou a fronteira e capturou cerca de 240 colonos e soldados.

Rafah, no extremo sul do território sitiado, tem importância estratégica porque abriga a única travessia funcional a Gaza – uma que não é controlada pelas forças de Israel, por onde a escassa assistência humanitária é capaz de entrar. No entanto, é a mais recente área a sofrer os bombardeios.

‘Não há lugar seguro’

Ataques israelenses ao bairro de al-Shaboura em Rafah destruíram toda uma rua na noite de quinta-feira (14). Na manhã seguinte, homens e meninos tentaram limpar os destroços, espantados com casas transformadas em crateras, em busca de pertences irrecuperáveis.

Os bombardeios deixaram pilhas de escombros e metal distorcido, com cobertores e sofás, bicicletas e panelas pendurados pelos ramos.

“Não há lugar seguro em Gaza”, repetiu Jehad al-Eid, residente de al-Shaboura.

A atual ofensiva israelense contra Gaza é a mais mortal de sua história. São cerca de 19 mil mortos e 50 mil feridos – 70% mulheres e crianças.

Oficiais árabes nos países vizinhos também estão apreensivos com a possibilidade de um deslocamento permanente da população de Gaza. Nas circunstâncias atuais, migração em massa ao Egito parece improvável.

A saída dos residentes de Gaza é lenta, sob uma pequena travessia de fronteira asfixiada pela insegurança e por uma imensa fila de caminhões assistenciais, que a Organização das Nações Unidas (ONU) adverte não ser suficiente, nem de perto, para suprir as necessidades da população.

A violência avançou ao sul. No Hospital Nasser, em Khan Younis, um pai lamenta a morte de seus dois filhos, de apenas 17 e 18 anos, assassinados por um bombardeio israelense na sexta-feira. O pai acompanhou os corpos até que fossem envoltos em lençóis brancos e transferidos ao necrotério, à espera de condições mínimas para seu sepultamento.

“Eles estavam parados perto da porta de casa quando uma bomba caiu no vizinho. Eles foram ajudar e uma segunda bomba os matou”, relatou o pai, Majdi Shurrab.

Shurrab disse que os corpos de seus filhos ficaram horas na rua porque as ambulâncias não conseguiam chegar ao local. Israel destruiu estradas e manteve ataques a equipes de resgate, a despeito da lei internacional. Além disso, impede a entrada de combustível a Gaza, tornando ambulâncias um recurso raro. Paramédicos tiveram de carregar os filhos de Shurrab ao hospital em um carrinho de mão.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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