Israel intensificou seus ataques contra a Faixa de Gaza sitiada, matando centenas de civis em uma nova fase de seu genocídio contra o povo palestino, após expirar a trégua com o Hamas no fim de novembro. A escalada contradiz promessas de Washington de que Tel Aviv evitaria baixas civis.
Nesta sexta-feira (8), o exército israelense confirmou atacar 450 alvos em Gaza nas últimas 24 horas. Trata-se de um recorde desde a pausa de uma semana que se encerrou em 1° de dezembro, ao quase dobrar os índices diários reportados desde então.
Durante a trégua, Israel e Hamas trocaram prisioneiros — mulheres e crianças —, embora as forças ocupantes tenham mantido sua campanha de prisão na Cisjordânia.
Relatos apontam que o número de palestinos nas cadeias de Israel praticamente dobrou desde 7 de outubro, superando dez mil pessoas — a grande maioria sem julgamento ou sequer acusação; reféns, por definição.
Em Gaza, a maior parte da população foi expulsa de suas casas, sem acesso a assistência humanitária e hospitais, sob a iminência de fome e doenças.
Neste entremeio, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA) reportou que a sociedade em Gaza está “à beira de um colapso absoluto”.
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Residentes confirmaram a escalada não apenas no norte do território costeiro, mas também no sul, onde novos ataques foram lançados nesta semana.
A campanha contrapõe alegações israelenses de que concluiu sua missão no norte de Gaza, em novembro, assim como as promessas de que o sul seria uma “zona segura”, após emitir ameaças para que a população se deslocasse à região.
O Ministério da Saúde de Gaza confirmou 350 mortos neste mesmo período de 24 horas, chegando a 17.170 óbitos nos dois meses de genocídio contra o povo palestino. Milhares continuam desaparecidos sob os escombros — provavelmente mortos.
Ataques foram registrados nesta manhã em Khan Yunis, no sul, e no campo de refugiados de Nuseirat, no centro, além da contínua ofensiva na Cidade de Gaza, ao norte.
“Após quase uma semana após iniciar a campanha ao sul, permanece imperativo que Israel priorize a proteção a civis”, insistiu nesta quinta-feira (7) o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, durante coletiva de imprensa realizada em Washington.
“Há ainda uma lacuna entre o objetivo de proteger a população civil e os resultados factuais que vemos em campo”, reconheceu o chanceler.
Medo, fome e frio
Com bombardeios tanto ao norte quanto ao sul de Gaza, residentes relatam que se tornou impossível encontrar refúgio.
Israel alega dar detalhes sobre onde fugir; os palestinos, porém, corroboram os alertas da Organização das Nações Unidas de que “não há lugar seguro”. Rotas de fuga são atacadas, assim como abrigos.
“Estamos em uma área que o mapa alega estar segura”, declarou Mohammed al-Amouri, ao ajustar a máscara de oxigênio em seu filho, deitado em um leito de hospital com bandagens sobre as pernas e diversos ferimentos.
“As crianças estavam nas ruas brincando, vivendo a vida. Então saímos todos correndo com o barulho, ouvindo os gritos, para encontrar jovens, crianças, homens e mulheres com seus corpos estilhaçados — muitos mortos e feridos”, acrescentou.
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Em Rafah, a poucos minutos da fronteira com o Egito, Thaer Kadeeh divide uma tenda improvisada com sua família, à véspera do inverno.
“Não dormimos. Medo, fome e frio — os três juntos. E ninguém está olhando por nós”, lamentou Kadeeh. “Tentamos esquecer da fome por uma hora que seja, mas então as crianças voltam a nos pedir comida”.
Conforme outro refugiado, abrigado com sua família em um colégio no centro de Gaza, com os ataques de todas as direções, não há para onde fugir. “Dentro e fora da escola é a mesma coisa, o mesmo sentimento de medo da morte, o mesmo sofrimento, a mesma fome. Todos os dias dizemos, como sobrevivemos? E por quanto tempo?”
Thomas White, diretor regional da UNRWA, alertou na rede social X (Twitter): “A ordem civil está em colapso na Faixa de Gaza. As ruas são inóspitas, sobretudo após anoitecer. Já houve saque de comboios e alguns veículos da ONU foram atacados com pedras. A sociedade está à beira de um colapso absoluto”.
No entanto, reiterou: “A UNRWA continua a servir a população com a assistência limitada que temos”.
Em meio a bombardeios a sítios arqueológicos, universidades, bibliotecas, museus e centros culturais, Ramy Abdu, diretor do Monitor Euromediterrâneo de Direitos Humanos, publicou imagens dos danos à Grande Mesquita Omari, patrimônio histórico de Gaza e cartão-postal da Cidade Velha.
“O exército israelense bombardeou a Grande Mesquita Omari, maior e mais antigo santuário islâmico de Gaza”, destacou Abdu. “Estão atacando bastiões religiosos — primeiro a Igreja de Santo Porfirio e agora a Grande Mesquita Omari, ambas com séculos de história”.
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As ações israelenses coincidem com práticas coloniais de memoricídio adotadas na Palestina histórica desde a fundação do Estado sionista, na ocasião da Nakba ou “catástrofe”, em maio de 1948. Como prática comum a outras entidades coloniais ao longo da história, o objetivo é apagar traços da população nativa das terras ocupadas.
As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.