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Para onde devem voar os pássaros depois do último céu?

Crianças soltam balões no céu para seus colegas palestinos que perderam a vida nos ataques israelenses a Gaza no Parque da Democracia e dos Mártires de 15 de julho em Mardin, Turquia, em 9 de novembro de 2023. [Halil İbrahim Sincar/Agência Anadolu].

Para onde devem voar os pássaros depois do último céu?

Para onde devemos ir depois do último céu? 

Nos assombrosos versos da poesia de Mahmoud Darwish, a trágica história de Gaza se desenrola – uma narrativa de esperanças destruídas, resistência duradoura e a dura realidade da vida sob ocupação israelense. As palavras de Darwish transcendem os limites da literatura, atingindo o âmago de uma crise que exige nossa atenção e condenação. À medida que o mundo se aproxima do povo palestino, a vida na Faixa de Gaza se transforma em uma realidade angustiante. Os bombardeios israelenses, como ecos estrondosos, destroem os sonhos e as vidas das pessoas presas nessa prisão a céu aberto. O sangue corre sob os escombros, um testemunho silencioso das feridas infligidas a um povo confinado em uma jaula onde o acesso às necessidades básicas – alimentos, água e eletricidade – é impiedosamente negado.

A dignidade da vida é pisoteada sob o peso da ocupação colonial. O cerco se aperta, dando início a um destino cruel de fome, sede e a queda inabalável de mísseis em áreas residenciais, hospitais, escolas e mesquitas. O mundo, no entanto, parece satisfeito em assistir a essa tragédia que se desenrola como se fosse um mero espetáculo em um circo, onde os atores desempenham seus papéis, criando uma narrativa que deixa os pássaros metafóricos de castigo, sem liberdade para voar. Um ataque terrestre iminente ameaça milhões de pessoas com a terrível escolha de deixar suas casas ou enfrentar assassinato e desenraizamento. Diante desse genocídio que se desenrola, os líderes mundiais permanecem impassíveis, sua indiferença lançando uma sombra sobre o sofrimento inevitável dos palestinos que persistirá até que a ocupação termine.

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A história ecoa através dos tempos, já que em 1948, 1967 e 2014 o mundo fechou os olhos para o sofrimento dos palestinos. Mais uma vez, enquanto os israelenses se preparam para uma invasão terrestre em Gaza, o mundo assiste em silêncio. Os palestinos se veem presos em um trágico dilema – ser bombardeados ou buscar refúgio longe de suas casas, enfrentando outra Nakba, outra catástrofe que ameaça o desenraizamento, o deslocamento e a morte de dois milhões de pessoas que defendem seu direito de existir. O objetivo final dos sionistas, de criar um Israel maior em terras palestinas, se desenrola como um circo trágico. Um paralelo desconcertante surge quando a mídia e o Ocidente, no contexto do conflito Ucrânia-Rússia, rotulam os palestinos que defendem sua terra natal como “terroristas”, enquanto os combatentes ucranianos são vistos como “defensores”. A identidade dos oprimidos é perseguida e derrubada na busca incessante de um regime de apartheid.

Na realidade desoladora de Gaza, onde bebês, mulheres e idosos são impiedosamente assassinados por bombas israelenses, a tragédia que se desenrola pinta um contraste gritante que torna até mesmo o luto um luxo para as famílias sobreviventes. Em meio ao ataque implacável, a busca desesperada pelos mortos sob os escombros torna-se um símbolo das últimas esperanças, uma lembrança assustadora de vidas perdidas em uma luta pela sobrevivência. Nesse cenário terrível, a população de Gaza se vê dividida entre a agonia do luto por seus mortos e a necessidade urgente de garantir abrigo e comida. O ciclo constante de luto e sobrevivência define sua existência, um testemunho dos desafios inimagináveis enfrentados por uma população apanhada no fogo cruzado. À medida que esse grave genocídio se desenrola, a consciência coletiva do mundo é posta à prova. Uma crise exige condenação, mas ainda persiste a indelicadeza histórica do Ocidente para com o Oriente e as repercussões dos projetos coloniais que colocam em risco a vida dos pobres.

O silêncio dos líderes muçulmanos diante da desolação torna-se uma questão gritante. Aqueles que antes expressavam justiça e se posicionavam contra a opressão agora se calam, deixando os oprimidos enfrentarem sozinhos sua situação. O silêncio, como um eco, reverbera nos escombros das nações, ferindo os muçulmanos oprimidos e condenando-os a mais sofrimento. Surge um aviso severo contra o apoio a Israel e aos EUA na eliminação do povo de Gaza.  As consequências são previsíveis: um mundo em ruínas, onde as asas quebradas de pássaros metafóricos e as fronteiras seladas apresentam questões existenciais sem respostas fáceis. Diante de tal tragédia, quando as asas de um pássaro estão quebradas, para onde ele deve voar? Se as fronteiras estão fechadas, para onde devemos ir?

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Essas perguntas ressoam, exigindo ação urgente, compaixão e um compromisso inabalável com a justiça. À medida que o mundo ignora o ataque contínuo, a pergunta se torna pesada: como a consciência global pode descansar quando uma população inteira é submetida às mãos impiedosas da destruição, suportando os horrores de dias e noites manchados pela violência implacável? O silêncio do mundo se torna um eco ensurdecedor, ressoando com os gritos de um povo que precisa desesperadamente de empatia, solidariedade e do fim de sua angustiante provação.

Nós morreremos aqui, aqui na última passagem.

Aqui e aqui nosso sangue plantará sua oliveira.

Mahmoud Darwish

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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