O Brasil é solidário com a Palestina. E a extrema-direita alucina

Ato em frente ao estádio do Pacaembu ao final da carreata pelo fim do massacre palestino, em São Paulo em 15 de maio de 2021 [Foto Lina Bakr]

É impressionante como rapidamente se reuniu gente e representatividade na lista de nomes que dois deputados de extrema-direita coletaram e que, na verdade, expressa a forte ligação do Brasil com o povo palestino. Os criadores da lista sugerem que todo mundo que se preocupa com a Palestina é apoiador de terrorismo. Na lógica dos propagandistas, virou festa agora: terroristas brotam em cada esquina do Brasil. E no Parlamento. E nas organizações sociais. E na mídia.

Calma, o 8 de janeiro já foi debelado. Os quartéis, desmontados. E os terroristas brasileiros já estão saindo dos tribunais para a prisão. Mas sobraram esses caçadores de bruxas que, não tendo Bolsonaro na Presidência, vão entregar suas delações macarthistas ao que acreditam ser seu chefe maior. Não sei o que diz a Justiça sobre esse delírio da direita – que rapidamente apagou o post com a lista, que já circulou -, mas penso que, só pela exposição caluniosa de brasileiros a um governo estrangeiro, ambos os autores deveriam ter seus mandatos cassados.

De todo modo, a lista tem efeito colateral. Expõe uma pequena parte da solidariedade ativa no Brasil. Vê-se que a lista é uma coleta de nomes de abaixo-assinados e manifestações pró-Palestina que serviços tacanhos de inteligência ficam copiando de manifestações públicas para mostrar serviço ao sionismo. Se alguém nos EUA se prestar a ler, será apenas para saber que sua participação no massacre palestino não é bem-vista nem aceita por aqui. Mas nem é preciso ler. Bastará uma foto do ato deste domingo e de outros pelo Brasil para que os sistemas de reconhecimento facial que monitoram movimentos sociais façam seu trabalho habitual.

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O que unifica a relação de nomes é a denúncia da limpeza étnica do povo palestino, é o apelo para que a comunidade internacional intervenha para um cessar-fogo, é a dor pelas vítimas que tombam desprotegidas, sem teto, sem luz, sem água, sem comida, sem remédio, sem amparo… e ainda assim dignas, como a  palestina Heba Abu Nada, poeta, escritora, e agora morta.

Ainda na véspera, a autora do romance “O oxigênio não é para os mortos” escrevia seu último verso enquanto nada mais podia fazer contra seu destino anunciado pela farra  vingativa das bombas de Israel.

Heda Abu Nada

“A noite na cidade é escura, exceto pelo brilho dos mísseis; silenciosa, exceto pelo som dos bombardeios; aterrorizante, exceto pela promessa reconfortante da oração; negra, exceto pela luz dos mártires. Boa noite.”

Heba morreu na mesma “boa noite” sob os mísseis disparados pela mentira ocidental que justifica a violência de décadas do apartheid como “direito de defesa”. Mentira que ela enfrentou com a vida, a poesia, a teimosia e a dignidade.

O Hamas matou e sequestrou em Israel ao furar as cercas da prisão que é Gaza? Nós vimos com espanto as notícias na TV. Destruiu a autoconfiança de Israel em sua capacidade de manter toda população de Gaza bem vigiada e isolada, a ponto de permitir festas de jovens desprotegidos bem ao lado da terra convertida em prisão? Vimos também isso acontecer.

Mas o que estamos vendo agora é uma aliança covarde entre o governo extremista de Netanyahu e o império bélico militar de Joe Biden direcionando seus mísseis para alguns quilômetros de terra contra 2,5 milhões de palestinos exaustos e já semimortos, em uma clara e letal punição coletiva. Estamos vendo também o extremista Netanyahu dizer que a guerra será longa, sabendo que, quando a guerra acabar, sua sorte acaba também. E estamos vendo ainda a insistência para que a guerra se propague para a região, porque só assim será longa .

Acabar com a resistência física de um povo aquartelado, negando alimentos vitais, para eliminar vidas em massa mais facilmente é o pior que a humanidade já fez, especialmente quando as pessoas levadas à inanição estão todas cercadas em um só local exposto ao extermínio. Calar, cortando comunicações, matando jornalistas, suspendendo perfis para que os gritos não sejam ouvidos, deixa o mundo sem a chance de perguntar aos que vão morrer. Como é querer lutar contra um terror que chega de cima e pelo qual só se pode esperar?

Como diz o egípcio Bassem Youssef na entrevista ao apresentador britânico Piers Morgan,  os palestinos estão acostumados a ser mortos e o mundo está acostumado a deixar que os matem. E, ainda assim, como ele reconhece, os palestinos insistem em não morrer, por mais que sejam mortos.

Heba, ao morrer e manter-se viva em suas palavras, explica esse mistério.

“Se morrermos, saibam que estamos satisfeitos e firmes e digam ao mundo, em nosso nome, que somos apenas pessoas do lado da verdade”.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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