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Mais de 130 mortos palestinos em 2023: mais um capítulo de contínua limpeza étnica

Destroços deixados por bombardeios israelenses em Beit Lahia, na Faixa de Gaza, em 12 de maio de 2023 [Thair Abo Riash/Agência Anadolu]
Destroços deixados por bombardeios israelenses em Beit Lahia, na Faixa de Gaza, em 12 de maio de 2023 [Thair Abo Riash/Agência Anadolu]

Nesta segunda-feira, 15 de maio, protestos ocorrerão em São Paulo, no Brasil e em todo o mundo contra uma das maiores injustiças da era contemporânea: a Nakba, catástrofe palestina, desde a formação do Estado de Israel na data, no ano de 1948, mediante limpeza étnica planejada, cujo mais novo capítulo são a nova onda de bombardeios massivos a Gaza desde dia 8 do mesmo mês.

Nos 75 anos da Nakba são milhares e milhares de vidas palestinas perdidas. Somente em 2023 já são mais de 130 assassinados, entre os quais mulheres e crianças, pelas forças de ocupação israelenses. Nessa conta estão os 31 estilhaçados pelas bombas disparadas sobre suas cabeças na Faixa de Gaza. Sob cerco criminoso há 16 anos – que tem matado inclusive bebês como Fatma al-Masri em março de 2022, por impedimento sionista de que deixem a estreita faixa até para receber tratamento médico –, os 2,4 milhões de habitantes de Gaza enfrentam uma dramática crise humanitária e bombardeios massivos como agora ou a conta-gotas, sob os olhos e negócios cúmplices de governos com o apartheid. Não à toa, o que os palestinos sob ocupação mais pedem quando recebem alguma visita é “contem ao mundo o que viram, porque a comunidade internacional nos abandonou”

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Na Nakba de 1948, e em apenas seis meses, as gangues paramilitares sionistas expulsaram violentamente 800 mil palestinos de suas terras e destruíram cerca de 500 aldeias. Algo como 20 mil foram assassinados em genocídios em dezenas de vilarejos que serviram de propaganda à limpeza étnica. Lamentavelmente essa lista não para de crescer e inclui demolições de casas, derrubada e destruição de milhares de oliveiras, novas ordens de expulsão em uma situação em que todos os direitos humanos fundamentais são violados.

Na contínua Nakba, a sociedade encontra-se inteiramente fragmentada. Hoje são 13 milhões de palestinos, metade em campos de refugiados ou na diáspora, impedidos do legítimo direito de retorno. A outra metade – em áreas ocupadas em 1948 ou em 1967 – enfrenta apartheid, racismo institucionalizado, além da colonização e limpeza étnica ainda em curso. Resistir não é uma escolha para o povo palestino. É existir, sob constante ameaça de apagamento.

A morte segue à espreita desde o nascimento. E Israel tem assassinado de diversas formas: no começo do mês de maio, o sheikh Khader Adnan pereceu após 87 dias de greve de fome, na cela em que foi jogado sem qualquer acusação formal – no sistema de detenção administrativa em que mais de mil presos políticos palestinos estão submetidos, de um total de 4.900, incluindo mulheres e crianças. Era sua 12ª passagem pelos sórdidos cárceres israelenses e sua sexta greve de fome contra a injustiça que, como seu povo, vivia. Bastante popular, o sheikh Khader Adnan – que era padeiro em sua aldeia, Arraba, e distribuía pão para as crianças – morreu de fome.

Sionismo em declínio

Israel não apenas promove assassinato deliberado como este, mas utiliza a resistência à morte de mais esse mártir palestino como a desculpa da vez de que Israel está se defendendo. Na verdade, para o apartheid e aliados, vidas palestinas não importam; o massacre em curso na estreita faixa de Gaza visa desviar a atenção para a crise interna enfrentada pelo sionismo sem máscaras, com a “extrema direita” no governo, numa tentativa também de reverter a queda livre de apoio a Benjamin Netanyahu e sua coalizão. A busca de ganhos políticos às custas do sangue palestino não é novidade.

Segundo reportagem publicada na Al Jazeera, uma pesquisa da TV pública sionista Canal 2 revelou que 74% dos israelenses considera que o governo vai mal. São meses de protestos gigantescos contra pretendida reforma judicial proposta pelo governo de Netanyahu, em que têm se juntado reconhecidos assassinos do povo palestino. No último dia 6 de maio foram mais de 100 mil às ruas de Tel Aviv, que levantam a bandeira sionista sob o mote de que a tal democracia israelense está ameaçada – uma farsa. Não há democracia sob apartheid. Qualquer denúncia, mesmo que mínima, da segregação e do racismo intrínsecos a um estado colonial como Israel, enclave militar do imperialismo na região do Oriente Médio e Norte da África, não é bem-vinda entre aqueles que defendem sua “democracia” etnocrática.

A crise interna se espraia para o coração do imperialismo, os Estados Unidos. Milhares de jovens e organizações judaicas, como Jewish Voice for Peace e Rede de Judeus Antissionistas, dizem: “Não em nosso nome.” Somam-se àqueles e àquelas que se recusam a silenciar, como as mais de duas dúzias de jornalistas exigindo justiça em Washington no caso do assassinato há um ano de sua colega palestino-americana Shireen Abu-Akleh, durante cobertura de operações de Israel em Jenin, na Cisjordânia ocupada, baleada por um franco-atirador israelense.

Emblemático dessa crise é o fracasso do congressista republicano Kevin McCarthy em conseguir impedir a realização no mesmo dia 11 de maio de um ato pelos 75 anos da Nakba promovido pela congressista democrata americano-palestina Rashida Tlaib, juntamente com o Jewish Voice for Peace, no campus do Capitólio. A sala, próxima ao Senado americano, lotou.

Tlaib apresentou uma resolução à Câmara dos Representantes dos Estados Unidos pelo reconhecimento da Nakba. A proposta diz que, sem enfrentá-la e “remediar suas injustiças contra o povo palestino”, não pode ser estabelecida uma “paz justa e duradoura. O texto evidencia que a Nakba está na raiz da questão.

No evento desta quarta, Tlaib foi categórica: “Digo alto e claro ao apresentar uma resolução histórica no Congresso: a Nakba aconteceu em 1948 e nunca terminou.” A ação é parte do processo de declínio do sionismo no seio da sociedade, sendo cada vez mais difícil obliterar seus crimes contra a humanidade. Há no Congresso americano pressão crescente contra o envio dos bilhões de dólares anuais em ajuda militar dos Estados Unidos a Israel.

Reflexo disso é a ampliação de vitórias do movimento BDS (boicote, desinvestimento e sanções) inclusive na América Latina e no Brasil, como o cancelamento da Feira das Universidades Israelenses na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que estava programada para 3 de abril último.

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Na esteira dessa vitória simbólica, urge fortalecer o movimento de BDS, exigindo dos governos brasileiro e estaduais o reconhecimento do apartheid israelense e então a ruptura dos acordos com o Estado racista de Israel, a começar pelo imediato embargo militar. São as mesmas armas testadas sobre as “cobaias” palestinas, como se vê agora em Gaza e na Cisjordânia, que promovem no Brasil o genocídio pobre e negro nas periferias e o extermínio indígena.

É preciso denunciar os crimes contra a humanidade promovidos pelo apartheid, já reconhecido inclusive pela Anistia Internacional. Para tanto, é fundamental a participação em atividades e manifestações marcadas para 15 de maio. Em São Paulo, na data, ocorrerá o ato unificado “75 anos da Nakba, a catástrofe palestina”, às 17h30, na Praça Oswaldo Cruz (perto do metrô Paraíso). O mote é “basta de limpeza étnica, colonização e apartheid”. No dia 16, às 19h, será a vez de audiência na Assembleia Legislativa de São Paulo, esta última chamada pela Frente em Defesa do Povo Palestino e Fórum Latino-Palestino. Solidariedade internacional efetiva é questão de vida ou morte.

Texto publicado originalmente no website do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe), em 14 de maio de 2023

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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