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‘Dezesseis tiros’: Família da jornalista Shireen Abu Akleh continua lutando por justiça

Lina Abu Akleh (à direita), sobrinha de Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera assassinada por Israel, durante uma missa em memória de sua tia na Igreja Allika, em Beit Hanina, na cidade ocupada de Jerusalém, em 7 de maio de 2023 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

Em 11 de maio do ano passado, a vida da família Abu Akleh mudou para sempre.

Foi nesse dia que Shireen Abu Akleh, jornalista veterana da rede Al Jazeera, respeitada por sua extensa cobertura sobre Israel e Palestina, foi baleada na cabeça enquanto cobria uma incursão militar israelense na cidade de Jenin, na Cisjordânia ocupada.

Enquanto a notícia se espalhava e canais de televisão ao redor do mundo exibiam imagens dos últimos momentos de Shireen, sua família foi obrigada a enfrentar uma realidade amarga e uma perda monumental.

“Foi muito chocante. Nunca poderíamos imaginar algo assim”, comentou seu irmão mais velho, Anton, em entrevista realizada por videoconferência à agência Anadolu, logo antes do primeiro aniversário da morte da jornalista palestina. “Foi um dia perturbador e triste. Eu estava longe e não pude acreditar até chegar em Jerusalém. Foi muito doloroso”.

Há um ano, Anton e sua família tentam fazer duas coisas dificílimas ao mesmo tempo: se curar de uma angustiante perda pessoal e buscar justiça por alguém que amavam  profundamente.

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“Foi tudo muito difícil. Perdemos uma irmã querida. Shireen era um pilar muito forte na família, que me dava apoio e a meus filhos. Shireen era muito solidária”, afirmou Anton, sete anos mais velho que sua irmã. Ambos cresceram em Jerusalém.

“Somos uma família pequena e todos estamos em péssimas condições físicas e psicológicas”, reiterou o irmão. “Perder Shireen teve um impacto muito negativo em todos nós.”

‘Todos os fatos apontam a Israel’

Lidar com a dor é uma luta contínua, assim como a busca por justiça. Anton e toda a família Abu Akleh, porém, têm absoluta clareza sobre quem foi responsável pela morte de Shireen.

“Todos os fatos apontam a Israel, aos soldados presentes naquele momento”, reafirmou Anton. “Todas as evidências mostram que ela foi um alvo. Shireen estava com colete à prova de balas; seu capacete tinha a palavra ‘imprensa’ escrita dos dois lados. Ela estava junto com colegas de profissão, com a imprensa a serviço. Ainda assim, atiraram 16 vezes em direção a Shireen. Até mesmo o jovem que tentou ajudá-la, tornou-se alvo”.

Anton e a família Abu Akleh não estão sozinhos em sua acusação.

A rede internacional Al Jazeera, organização de notícias onde Shireen passou 25 anos, chegou à mesma conclusão, assim como investigações abrangentes de peritos da Organização das Nações Unidas (ONU) e de grupos proeminentes de direitos humanos.

Tanto a família Abu Akleh quanto a Al Jazeera recorreram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para investigar o assassinato da cidadã palestina de Jerusalém, então com 51 anos, que possuía também nacionalidade dos Estados Unidos.

As autoridades israelenses refutaram as evidências, ao alegar a princípio que Shireen fora pega em uma troca de tiros entre palestinos e o exército ocupante.

Um relatório militar de Israel, divulgado em setembro, insistiu que “não era possível determinar inequivocamente a origem dos disparos”, mas reconheceu “alta possibilidade” de que Shireen fora “atingida acidentalmente” por soldados da ocupação. Não obstante, o relatório destacou a “alternativa” de que Shireen “fora atingida por disparos de militantes palestinos”.

Assim como fez consistentemente ao longo do último ano, Anton logo contestou as afirmações israelenses. “Não houve troca de tiros entre militantes e o exército da ocupação israelense. Não houve nenhuma troca de tiros, nenhum motivo para atirar. Eles sabiam o que estavam fazendo. Eu acredito, com base nos fatos, que Shireen foi o alvo”, indicou seu irmão.

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“Israel tentou culpar os palestinos pela morte de Shireen. “Em seguida, retrataram sua história e disseram ‘talvez a tenhamos matado por engano’. E isso é inaceitável!”

Segundo Anton, a família não tem “nenhuma confiança” nas autoridades israelenses “depois de todas as versões e narrativas que nos apresentaram”.

“Eles retiraram todas elas porque eram falsas”, prosseguiu Anton. “Eles estão tentando encobrir sua culpa nessa história e o assassinato de minha irmã”.

‘​​​Uma enorme influência’

O trabalho de Shireen a tornou uma figura conhecida entre os palestinos e na região em geral. Sua família acredita que tamanha popularidade a tornou alvo.

“Shireen tinha uma enorme influência”, relembrou Anton. “Shireen foi responsável por reportar diversas atrocidades perpetradas pelo exército israelense contra comunidades civis, contra os palestinos e contra crianças: demolição de casas, assassinatos, tudo isso”.

“Acredito que seja uma estratégia e política sistemática de Israel: matar aqueles que têm esse impacto e influência”, acrescentou. “Eles queriam executar Shireen e queriam que isso servisse de exemplo para outros jornalistas”.

Segundo Anton, a enorme presença da população comum no funeral de Shireen Abu Akleh foi prova da capacidade da célebra jornalista de “unir o povo palestino”.

“Nós vimos em seu funeral que todos os palestinos compareceram. Pessoas de várias religiões, vários partidos, todos vieram por Shireen”.

‘Alguém deve pagar’

Anton reiterou que a busca por justiça é um árduo desafio, além de “imenso fardo financeiro” a toda a família. “Ainda assim, estamos lutando”.

Como Shireen era cidadã binacional – palestina e americana – a família entrou em contato com o governo dos Estados Unidos, sob liderança do democrata Joe Biden, e chegou a se encontrar com o Secretário de Estado, Antony Blinken, em julho último. A reunião ocorreu semanas após ser divulgado um relatório de seu departamento afirmando que investigações supervisionadas pelo Coordenador de Segurança dos Estados Unidos “não conseguiram chegar a uma conclusão definitiva sobre a origem do disparo” que resultou na morte de Shireen Abu Akleh.

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Segundo o relatório, disparos de posições israelenses seriam “provavelmente responsáveis” por sua morte, muito embora não houvesse “motivo para crer que tenha sido intencional”.

“Esperávamos nos reunir com o presidente Biden. Infelizmente, não pudemos. Transmitimos a mensagem por meio do secretário Blinken e informamos que as conclusões postas no relatório publicado em 4 de julho não são aceitáveis”, comentou Anton. “Reafirmamos que um crime foi cometido e que esperamos que Washington o trate como qualquer outro crime, ao realizar uma investigação confiável e transparente”.

De acordo com Anton, nenhum oficial israelense jamais entrou em contato com a família. “Não falamos com nenhum oficial de Israel e eles não tentaram falar conosco”.

“Primeiro, Israel precisa reconhecer que se tratou de um assassinato deliberado. Não sabemos como os agentes israelenses chegaram à conclusão de algo ‘não intencional’ ou ‘erro humano’, mas não basta. Mesmo se houver um erro, alguém deve pagar”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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