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Os limites e obstáculos do poderio global da China

Presidente da China Xi Jinping [Kevin Lamarque/AFP via Getty Images]
Presidente da China Xi Jinping [Kevin Lamarque/AFP via Getty Images]

A ascensão da China tomou as manchetes da arena global, com seu extraordinário desempenho econômico, ambiciosa Iniciativa da Rota e da Seda (BRI) e sua diplomacia frenética, que cobre desde o conflito na Ucrânia até questões da África e da região do Golfo.  Contudo, há elementos subjacentes a serem abordados sobre tamanha narrativa de uma “China emergente”.

Apesar de forças tão propagandeadas, as consideráveis limitações de Pequim por vezes passam despercebidas. Dificuldades em consolidar uma aproximação ideológica com países terceiros e sua obstinada desvantagem militar em relação aos Estados Unidos são obstáculos persistentes.

Questões de ideologia

A importância da ideologia não pode ser subestimada, em particular, quando potências buscam exercer sua influência internacionalmente, ao reverberá-la dentre pessoas dos mais diferentes credos e contextos. Por exemplo, os Estados Unidos costumam recorrer a um léxico liberal ao projetar seus interesses e incorporar valores abstratos, incluindo liberdade, direitos, democracia e livre mercado. Sua construção retórica levou milhões a aderir ao estilo americano no período posterior à Segunda Guerra Mundial.

A Feira Nacional Americana de Moscou, por exemplo, foi realizada em 1959, no ápice da Guerra Fria. Os Estados Unidos usaram o evento para vender ao mundo sua ideologia liberal-capitalista. Além da vistosa exibição de bens de consumo, produções culturais – incluindo arte, música e moda – retrataram ideais de progresso, criatividade, democracia e liberdade de expressão. Ao promover tais ideais americanos em solo estrangeiro, o evento efetivamente criou uma sombra sobre todo o sistema comunista soviético.

Quando se trata da China, contudo, a situação é diferente. A ideologia oficial do país, anátema para muitos, é o comunismo. Embora as referências contemporâneas da China ao marxismo e à sua forma única de socialismo sejam mais moderadas do que no período maoísta, sua base constitucional do “socialismo com características chinesas” continua intacta. A gestão Hu-Wen (2002-2013) investiu pesadamente em reformar a ideologia do Partido Comunista Chinês (PCC), ao introduzir conceitos como harmonia comunitária e desenvolvimento científico. O presidente Xi Jinping também buscou incorporar elementos culturais em sua abordagem de governança, como evidenciado por referências frequentes a civilização e prosperidade comum.

Neste contexto, a China tenta arduamente apelar aos anseios ideológicos globais mediante um conjunto de valores denominado “cinco princípios de coexistência”. Tais fundamentos incluem respeito mútuo, não-agressão, não-interferência, igualdade e paz, como alicerce das interações do governo chinês com outras nações e de suas relações harmônicas na arena global.

Os esforços da China visam igualar o domínio americano neste sentido. Contudo, a ideologia é somente uma faceta de sua estratégia. Com milhões de yuan (moeda chinesa) estrategicamente alocados a pontos geográficos específicos, a China já embarcou em uma ambiciosa missão para expandir seu apelo ideológico ao injetar enormes quantias em projetos internacionais.

Apesar de críticas vigentes sobre sua “diplomacia da dívida”, a nova Rota da Seda – ou Iniciativa do Cinturão e da Rota – representa um poderoso instrumento para promover a ideia de sucesso econômico a ser obtido via governança ao invés do livre mercado e liberalismo ocidental.

Ainda assim, a abordagem de Pequim fica aquém dos Estados Unidos ao impor sua supremacia ideológica. Países recipientes são ávidos por retornos imediatos sobre o investimento ao invés de mera projeção retórica. Além disso, conceitos ocidentalizados como “liberdade” ressoam ainda no coração do público.

Poderio militar

Enquanto a China ascende ao status de eventual superpotência, o mundo prende a respiração. Poderá Pequim alcançar a mesma supremacia militar que os Estados Unidos? Em pleno 2023, Washington ainda é capaz de mostrar força com um valor aterrador de US$797 bilhões gastos em defesa, muito acima dos US$224 bilhões da China. Todavia, não se trata apenas de gastança. Os Estados Unidos preservam uma presença global hegemônica via bases militares e alianças em todo o planeta, enquanto Pequim mantém seu foco, em particular, na região Ásia-Pacífico, ao salvaguardar interesses no Mar do Sul da China e nos arredores de Taiwan.

Washington ostenta um exército testado em batalha, com 1,3 milhão de militares na ativa e 800 mil na reserva. A China, entretanto, tem o maior exército permanente do mundo, com mais de dois milhões de militares na ativa e 510.000 na reserva. Ambos possuem dissuasores nucleares, mas a projeção da Agência Central de Inteligência (CIA) para uma possível invasão de Taiwan em 2027 agrega complexidade a essa equação de alto risco.

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Desde 1996, o regime chinês investe bastante em sua Força Aérea, para superar desvantagens e conquistar um terreno superior. Por outro lado, os números pouco transmitem o quadro geral ao se tratar de poderio naval. Embora Pequim tenha mais embarcações do que Washington, a vantagem quantitativa não necessariamente se traduz em supremacia no campo de batalha. A Marinha americana tem sua vantagem comprovada em letalidade distribuída, apta a dispersar e movimentar forças para ganhar vantagem estratégica e conduzir ataques coordenados.

No cenário de altíssimo risco de Taiwan, a estratégia A2/AD adotada pela China – “anti-acesso e negação de área” – impõem um desafio formidável em potencial, ao empregar submarinos, sistemas antimísseis, jatos e outros recursos para limitar ou neutralizar a liberdade operacional da Marinha americana. Ambos os lados têm estratégias e tecnologias distintas – os resultados são absolutamente incertos.

Em um cenário de escalada, a distância entre a China continental e a ilha vizinha dá vantagem ao Exército de Libertação Popular em acessar a zona de conflito muito mais rapidamente do que os Estados Unidos. Contudo, apesar de sua vantagem geográfica, a lacuna entre o poderio geral de ambos se mantém significativa. A China pode obter alguma superioridade militar restrita nos primeiros momentos de um eventual conflito, mas sua vantagem deve diminuir à medida que o conflito se afasta da zona continental e se aproxima de territórios de maior acesso das forças americanas. A capacidade retaliatória do Pentágono pode virar o jogo. É vital ainda considerar o papel pivotal da China em assegurar parcerias estratégicas no cenário de Taiwan.

Seja em termos de ideologia ou avanços militares, este conto chinês é uma história cativante de ambição e determinação contra a ordem liberal encabeçada por Washington. A capacidade do sonho de Xi Jinping – combinado ao contingente armado a seu dispor – de suplantar promessas de longa data do liberalismo americano servem como teste de vida ao gigante asiático, em sua busca para superar obstáculos notáveis no horizonte próximo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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