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Fotógrafo leva brasileiros em expedições a Socotra

Ilha do Iêmen é um dos lugares mais remotos e intocados pela globalização. Cristiano Xavier guia grupos em acampamentos de uma semana nas montanhas e praias do país árabe.

Uma viagem sem hotel, sem restaurante, sem internet. Uma semana longe de tudo que pode ser considerado civilização. Uma ilha milenar intocada, com praias paradisíacas e montanhas forradas por árvores estranhas e fascinantes, que só existem ali. Povos que vivem à parte da globalização, em vilarejos e cavernas, à base da pesca.

Esta é a Ilha de Socotra, no Iêmen. Cobiçado por muitos viajantes por suas paisagens e principalmente pelas árvores Sangue de Dragão, ou Dragon Blood, o local agora pode ser acessado por pequenos grupos de brasileiros.

O fotógrafo mineiro Cristiano Xavier tentava chegar a Socotra desde 2017, para fotografar as Dragon Bloods e incluí-las em seu livro, Treelogia, com fotografias de árvores dos seis continentes. “Passei vinte anos fotografando árvores do mundo inteiro, e ir a Socotra era um sonho, porque as Dragon Bloods só existem lá”, disse Xavier à ANBA.

Seis anos atrás, a guerra civil no continente iemenita, que persiste desde 2014, ainda estava muito intensa e quase não havia voos para chegar a Socotra. “Havia apenas um voo pelo Cairo, [Egito], que passava pela capital do Iêmen [Sanaa], e depois chegava a Socotra. Não é seguro até hoje, e naquela época, menos ainda [passar pelo continente iemenita]”, falou Xavier.

Foi só em novembro de 2021 que surgiu um voo charter partindo de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, direto para a capital de Socotra [Hadibo], que leva ajuda humanitária e aparatos militares. “Parte do voo era aberta para venda a quem quisesse conhecer a ilha, eu precisava de uma agência no Iêmen, algum contato lá para comprar essa passagem. Consegui entrar nessa lista”, contou.

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O fotógrafo, que trabalha desde 2010 com expedições fotográficas para destinos remotos, conseguiu realizar seu sonho e pousou em Socotra pela primeira vez em fevereiro de 2022, quando foi sozinho conhecer o local e produzir suas fotos. “Eu vou primeiro ao lugar, monto o roteiro e depois levo uma turma de fotógrafos ou pessoas que gostam de fotografia, não precisa ter equipamento profissional, muitas pessoas que viajaram comigo tinham apenas o celular”, informou.

O primeiro grupo que o mineiro de Belo Horizonte levou à ilha iemenita foi em fevereiro deste ano, com doze pessoas. Ele já planeja levar um segundo grupo em novembro. “Não tem hotel, nenhum tipo de estrutura turística, ficamos acampados por sete dias e tem um guia local que nos leva e dá a estrutura, comida e acampamento. Sou o primeiro brasileiro a realizar expedições para lá”, enfatizou.

Com o grupo, Xavier ficou alguns dias na praia de águas cristalinas, “tipo Maldivas”, como ele descreveu, e depois de tomar banho em piscinas naturais que acumulam água da chuva, subiu o acampamento para as montanhas, onde fica a floresta e as árvores Dragon Blood.

A ilha tem cerca de 37% de vegetação endêmica, ou seja, que só existe ali. “Não são só as Dragon Blood, que são lindas, mas tem outras árvores também que só tem lá, super estranhas”, disse Xavier.

Em seu livro, ele fotografa árvores de dia e à noite. “[Na primeira viagem para a ilha,] eu pesquisava durante o dia, marcava os locais e voltava à noite para fazer as fotos. Agora, fico mais ensinando e guiando [o grupo], mesmo”, diz.

Todo atrativo de Socotra está na natureza, nas praias e florestas. “É uma experiência muito profunda, não tem internet, não tem hotel, é uma semana acampado na natureza, sem distrações. A imersão no lugar é muito mais intensa. Você vive aquilo com uma profundidade muito maior”, relatou o mineiro.

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De 2022 para cá, já ocorreram mudanças na ilha. Hoje, há um hotel de contêineres na capital, em Hadibo, próximo ao aeroporto. “Os Emirados [Árabes] praticamente anexaram a ilha, são eles que colocam dinheiro, dão barcos para os pescadores, constroem mesquitas, postos de gasolina, hospitais”, afirma.

Mas as construções na ilha são rudimentares, casas de pedra. Fora da capital, são vilas feitas de pedra, cavernas. Os nativos vivem da pesca, são exímios pescadores e conhecem o mar como ninguém. Alguns criam cabras, algumas vacas e o povo da ilha em geral é pobre. Por estarem praticamente isolados do resto do mundo, a cultura foi pouco influenciada pela civilização, segundo Xavier.

Cristiano Xavier está buscando patrocínio para editar seu livro Treelogia e fazer uma exposição das fotografias.

Sangue de Dragão

As árvores Dragon Blood, ou Sangue de Dragão, levam esse nome por terem uma seiva vermelha. Os nativos raspam o tronco da árvore com uma pedra para retirar a seiva, esperam secar e dela fazem um pó vermelho que é utilizado como maquiagem em cerimônias religiosas. Também se usa para ajudar a estancar o sangue em casos de hemorragia pós-parto, contou o fotógrafo.

Socotra foi declarada Patrimônio Mundial da Unesco e com isso passou a receber atenção internacional. Isso ajudou na preservação das árvores, a educar os nativos a não cortarem mais a vegetação, e agora eles plantam mudas que são pouco a pouco reintroduzidas na natureza, contou Xavier.

As árvores Sangue de Dragão têm de oito a 10 metros de altura, e as maiores têm 700, 800 anos, até mil anos. “O acesso é muito restrito, as árvores ficam no alto das montanhas, em florestas com penhascos. Elas só nascem de uma certa altitude para cima, só ficam quase no topo da montanha, mesmo, porque ela [a árvore] recolhe água da neblina, e não do solo. Entre os galhos, há um tufo de folhas bem no topo, e quando a neblina vem ele canaliza as gotinhas e entra pelos galhos. A madeira é esponjosa por dentro, assim, os galhos conseguem reter a água”, explicou Xavier.

Para chegar a dez centímetros de altura, uma muda da árvore nativa leva cerca de oito anos. “Na sua vida você não vai ver ela crescer”, disse o fotógrafo.

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Socotra é a maior de quatro ilhas que formam o arquipélago de Socotra e está no Oceano Índico, em frente à costa do Chifre da África, no Golfo de Áden, na entrada do Mar Vermelho.

Homens e mulheres podem participar da expedição fotográfica. “Pode ir mulher, turista pode fazer tudo, para quem é de fora, as leis não são rígidas, só precisa cobrir as pernas e os ombros quando for na vila ou na cidade. Pode entrar no mar de biquíni, não precisa usar véu. É seguro para todos”, disse Xavier.

Cristiano Xavier começou a fotografar em 1998 e desde então tem paixão por fotografar árvores. Em 2012, montou a empresa de expedições fotográficas e já realizou mais de 80 viagens com grupos por destinos como o Irã, Noruega, Namíbia, Patagônia, Indonésia, Butão, Nepal, Mongólia e Tanzânia. No Brasil, o único destino de expedições de Xavier é para os Lençóis Maranhenses. Ele conhece cerca de 57 países.

“Estou sempre nessa busca de lugares mais primitivos, que pouca gente já foi, quanto menos turista melhor. Eu busco me isolar por uns dias, sair dessa confusão”, disse.

O próximo destino de suas expedições será Al-Ula, naArábia Saudita. Ele pretende formar um grupo e ir em fevereiro do ano que vem. “Os sítios históricos são maravilhosos, parece Petra [Jordânia], mas é mais exclusivo, com menos gente, mais preservado”, disse.

As informações sobre as expedições fotográficas de Cristino Xavier estão no site do fotógrafo.

Publicado originalmente em Anba

 

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