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Israel, o epicentro do projeto colonial europeu

Pessoas assistem à cerimônia fúnebre de 9 palestinos que perderam a vida no ataque das forças israelenses no Campo de Refugiados de Jenin em Jenin, Cisjordânia, em 26 de janeiro de 2023. [Issam Rimawi - Agência Anadolu]

Antes de qualquer coisa, eu gostaria de prestar homenagem aos 10 palestinos mortos em Jenin, em razão da ação truculenta e racista do exército israelense. Para ir além dos tributos comuns aos mártires, colocarei aqui cada um de seus nomes para que lembremos para sempre que cada um dos assassinados tinham vida, história, família, amigos e amores.  Nesse sentido, digo que enquanto houver alguém para contar suas histórias, esses mártires existirão para sempre. Assim, presto aqui minhas sinceras homenagens às famílias enlutadas, que a paz de Deus esteja convosco.

Magda Abdel Fattah Obaid, 60 anos

Mohamed Sami Ghonaim, 28 anos

Saib Issam Mahmoud Izriqi, 25 anos

Mohammad Mahmoud Sobh, 34 anos

Nour el-Din Sami Ghonaim, 22 anos

Waseem Amjad al-Jaas, 22 anos

Motasem Mahmoud Abu al-Hasan, 40 anos

Abdallah Marwan al-Ghoul, 18 anos

Izz Eddin Yassin Salahat, 18 anos

A eleição de 2 de novembro de 2022, que marcou a volta de Benjamin Netanyahu ao poder em Israel, têm acentuado aceleradamente  as contradições de um regime etnocrático com verniz democrátrico. Desde a sua fundação, pela resolução 181 da ONU, Israel tem enfrentado uma contradição insolúvel que é  tentar professar à comunidade internacional a figura de um Estado comprometido com a pluralidade de pensamento e o estado democrático de direito, enquanto, por outro lado, executa uma política eugenista e etnocêntrica. Esses dois posicionamentos sempre foram parte de uma mesma moeda, se por um lado, trucida-se, mata-se e aniquila-se, de outro, utiliza-se de elementos históricos estrangeiros àquela realidade para justificar a sua presença em território de outrem.

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Além disso, diferentemente como se costuma argumentar, o projeto sionista não nasce na Palestina por judeus palestinos, mas, sim, na Europa sob o signo do imperialismo europeu na qual a política de apartheid na Palestina, apresenta-se como resultado e resquícios de um projeto imperial do século XIX. Posto isso, a eleição de Benjamin Netanyahu representa o ápice do pensamento extremista sionista, fortemente influenciado por correntes fascistas que surgem na Europa, principalmente, de regiões do leste europeu, que se desenvolvem e alcançam maturidade e capilaridade nas ações eugenistas israelenses.

O que acontece com Israel e a sua política de extermínio possui paralelo com os títulos da série de Elio Gaspari sobre a ditadura civil-militar brasileira. Ela evolui de um processo de “envergonhamento”, na qual seus líderes, que nascem sob  o signo da esquerda, do trabalhismo, criam retóricas mirabolantes para justificar a ação colonizadora do Estado, a tese infundada de uma “Palestina vazia” na qual se realizaria a frase uma “terra sem povo, para um povo sem terra” ou da necessidade de aumentar a segurança contra um vizinho hostil, para um processo de “escancaramento” que se realiza com o reconhecimento das autoridades israelenses de um desejo genuíno de extermínio do povo palestino.

Palestinos fazem uma manifestação no campo de refugiados de Shu’fat em Jerusalém para protestar depois que nove palestinos foram mortos e outros 20 feridos pelo exército israelense, na Cisjordânia, na quinta-feira, 26 de janeiro de 2023 [Saeed Qaq/Agência Anadolu]

O processo de tornar aquilo que era desejoso que fosse velado em algo escancarado levou tempo, pois Israel possui aliados muito fortes, uma vez que, o projeto colonial para a Palestina não nasce da ideia de judeus na palestina, mas de judeus europeus, ou como se convencionou chamar “eurojudeus”, que não possuem qualquer relação com aqueles judeus que saíram da Palestina há milhares de anos atrás. Esses eurojudeus são somente mais um tronco do projeto colonial europeu, que foram responsáveis pelas maiores tragédias da humanidade, como o tráfico atlântico no século XVI-XIX, o neocolonialismo na África e na Ásia, o apartheid na África do Sul e o apartheid vigente na Palestina.

Com a ascensão da extrema direita no mundo, aquilo que era algo para se esconder e se envergonhar tornou-se motivo de auto-estima em vários lugares do mundo. Em Israel, contudo, por sua deformação de nascença, a ascensão da extrema direita demonstra melhor o que esse Estado é, o que ele se propõe e a quem ele serve. Nesse sentido, a cada ano a violência contra os palestinos aumenta, chegando a 2022 como o ano mais letal contra os palestinos, que totalizou 146 mortes. O aumento das ações letais contra os palestinos também fora acompanhada pela radicalização do discurso das lideranças israelenses que deram voz ao maior desejo do sionismo “a construção de um Estado judeu para judeus”. Sob essa perspectiva ganha-se prestígio aqueles, que na época do “envergonhamento” pediam uma solução final para os palestinos, hoje na época do “escancaramento”, estes estão no poder.

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A eleição de Benjamin Netanyahu é o ápice desse processo. O político israelense sempre esteve vinculado à direita israelense que advogou, historicamente, por uma postura ainda mais truculenta e xenófoba contra os árabes e palestinos. Contudo, se no passado era capaz de mascarar suas ações, com manifestações, nos fóruns multilaterais, que amenizam as ações israelenses na Cisjordânia, hoje se refugia nos discurso mais radicalizado da política local na qual constrói uma coligação que representa o oposto da imagem que Israel gostaria de propagar para o mundo, a de uma democracia liberal no Oriente Médio. A proeminência de figuras como Itamar Ben-Gvir (ministro da Segurança Pública, do partido fascista Poder Judeu) e Bezalel Smotrich (Sionismo Religioso, partido que pede a eliminação dos palestinos) representa o fim definitivo do slogan de um país democrático, afinal, um país que se supõem democrático não pode tolerar abertamente de seus líderes defendam o extermínio de outro grupo étnico, ou que o inferiorize e trate-o de maneira sub-humana. Logo, Israel consolida-se como um Estado etnocrático – um Estado para somente uma etnia – na qual se restrinja somente aos judeus.

As eleições israelenses e o retorno de Netanyahu [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

O aumento da violência contra os palestinos também está sendo acompanhado pelo o reconhecimento, ainda tímido, mas importante de Organizações Não-Governamentais importantes, de alcance internacional, como a Human Rights Watch  e a Anistia Internacional. Em breve será também julgada na Corte Internacional de Justiça a legalidade das ocupações israelenses na Cisjordânia.

O acentuamento das contradições de uma prática que começa a demonstrar os sinais de cansaço tem como consequência, muitas vezes, a radicalização desse processo que culmina no enfraquecimento dos seus executores. A sociedade internacional passa hoje por uma mudança fundamental na correlação de poderes e que, nesse sentido, pode transformar algo que é cada vez mais escancarado (o apartheid na palestina) em algo derrotado, encurralado e, por fim, acabado.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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