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A bandeira de Israel e os atos antidemocráticos

Bolsonaristas invadem e vandalizam a Sede dos Três Poderes, em Brasília, Distrito Federal, 8 de janeiro de 2023 [Reprodução/MEMO]

Bandeiras são um símbolo visual representativo de qualquer entidade constituída quer seja uma nação e seu povo, ou mesmo uma família tradicional, desde que reconhecida por outras entidades ou convenções. O uso das bandeiras surge na Idade Média para que os exércitos aliados, no momento da batalha, não se confundissem uns com os outros. Posteriormente, no século XIX, com as revoluções burguesas que se espraiaram pela Europa, marcando a ascensão dos movimentos nacionalistas, as bandeiras nacionais surgiram de forma a afirmar um caráter de identidade referente aos limites territoriais de um continente em transformação.

Após o declínio dos nacionalismos, o uso das bandeiras remanesce, na contemporaneidade, como elemento que traduz ideias e ideais políticos, como são visíveis em manifestações de todos os matizes políticos, nos mais variados espaços, em diferentes contextos. Assim, é impossível não relacionar qualquer tipo de manifestação política com os símbolos que elas carregam consigo: as imagens, as cores, as bandeiras. Desta forma, as bandeiras que foram apropriadas e levantadas, nos atos antidemocráticos em Brasília, no último dia 8 de janeiro, espelham os ideais e os valores de terroristas que ali estavam.

É notório a conexão do bolsonarismo e seus próceres com interesses internacionais, principalmente, Estados Unidos e Israel. Nunca foi segredo que a intenção do bolsonarismo era subverter uma ordem global e instituir outra que represente outros valores que são certamente mais excludentes do que aqueles que vivemos hoje. Essa postura pode ser demonstrada pela subserviência brasileira aos Estados Unidos no último governo, exemplificada pela condescendência do Estado brasileiro em não indicar o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em favor de Trump, que naquele momento precisava reunir esforços para vencer as eleições americanas em 2020. Posteriormente, após escândalos no BID envolvendo o ex-presidente, em nova eleição, o Brasil conseguiu emplacar um brasileiro – Ilan Goldfajn – na presidência do banco.

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Além dessa, há outros exemplos, como a entrega de Alcântara para empresas norte-americanas. Nesse sentido, o bolsonarismo atua no Brasil como uma filial da direita hidrofóbica americana, na qual a bandeira dos Estados Unidos seria o símbolo de “liberdade” e de referência comportamental. Logo, boa parte de nossos problemas seriam aprofundados, a saber: a desigualdade social, a chaga do racismo, a concentração de renda e o acesso excludente da educação superior a uma pequena elite. Além disso, seria introduzido no Brasil um sistema de saúde totalmente privado, a revogação das leis trabalhistas e o fim de políticas assistencialistas que impedem que cidadãos passem fome.

A presença de bandeiras americanas, contudo, em manifestações da direita brasileira, nunca foi uma surpresa. Porém, o que passa a se destacar nos últimos anos, acentuando-se no governo Bolsonaro, é a presença da bandeira de Israel nas aparições públicas. E isso não apenas no Brasil, mas no mundo, destacando a identificação de grupos extremistas de direita com Israel tanto no Brasil quanto no próprio Estados Unidos, quando os radicalizados que invadiram o Capitólio também empunhavam bandeiras de Israel.

[Latuff]

O seu uso se tornou tão recorrente que passou a ser matéria de reflexão de pensadores e matérias de jornais, há diversas matérias na internet com o título “Por que a bandeira de Israel virou símbolo do bolsonarismo?” E como em qualquer tema aparecem diversos motivos, entre eles, o que mais salta os olhos é a relação da ascensão de um neopentecostalismo com fortes influências sionistas e um embate ideológico na qual a Palestina, pretensamente, pertence à esquerda e seu oposto, Israel, pertence a direita. No entanto, como a maioria dos interlocutores inquiridos pelos veículos de mídia são vinculados a associações sionistas, há dificuldades em se reconhecer os crimes e as infrações de direitos humanos que Israel comete.

Em primeiro lugar, o bolsonarismo e a extrema-direita mundial tentam enganar a massa crescente de evangélicos neopentecostais fazendo-os acreditar que o autoproclamado Estado de Israel é o mesmo povo que está presente no Velho Testamento. Neste sentido, a ideia de que estar do lado de Israel é estar alinhado com os desígnios de um Estado “em sua suposta luta em prol de sua existência” e contra a barbárie “árabe” é só mais umas das fake news que correm nos grupos de WhatsApp bolsonaristas. Além disso, a defesa de Israel cumpriria uma segunda função: a defesa dos valores judaico-cristão e, por consequência, da “democracia”. Porém, esquecem os mais desavisados que Israel aplica, de fato, um apartheid e que não há democracia em regimes que tratam seres humanos de maneira desigual.

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Vale a pena trazer à baila que a causa palestina não se trata de uma causa partidária, nem da esquerda, mas sim de uma causa humanitária por direitos humanos. A estima da esquerda em todo mundo em observar os direitos humanos e buscar por sua preservação pode ser apontada como pivô da ligação que se faz entre a esquerda e a Palestina. No entanto, não devemos esquecer que não se deve “partidarizar” a causa, pois não se trata de uma luta política, mas sim de uma luta por direitos humanos. A exemplo disso, no Brasil, a causa palestina cativa a atenção de figuras como o senador Esperidião Amin (PP/SC), de direita, mas que expressa seu apoio à causa humanitária.

Outrossim, a presença da bandeira de Israel nos atos antidemocráticos bolsonaristas não só se relaciona com as crenças deturpadas implantadas pelo neopentecostalismo ou com a identificação da direita com Israel. A presença da bandeira de Israel nos atos antidemocráticos, assim como em diversos outros momentos da direita bolsonarista no Brasil, pode ser entendida como uma vontade psicanalítica desse grupo de fazer o Brasil à imagem e semelhança de Israel: um país que segrega, mata e aniquila as minorias e o faz com aval de seus governantes e autoridades.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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