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Por uma política externa plural para o Oriente Médio

Palácio do Itamaraty, sede do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, em Brasília [Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil]

A atuação internacional do governo de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022) foi desastrosa em vários sentidos, principalmente para a reputação construída pela diplomacia brasileira a duras penas, ao longo das décadas. Para interromper a tentativa de destruição da política externa brasileira no projeto de tornar o país um “pária internacional”, nas palavras do ex-chanceler olavista Ernesto Araújo, um grupo de diplomatas criou uma rede de resistência clandestina, no Itamaraty, para conter a política externa bolsonarista.

Dentre os diversos temas em que se debruçaram os diplomatas, estão:  mudanças climáticas, direitos humanos, guerra da Ucrânia e questão palestina. Porém, apesar da política externa suicida e isolacionista de Bolsonaro, observa-se um tímido, mas importante, aprofundamento com o “Oriente Médio”.

O “Oriente Médio” como lido nas manchetes de jornais, nas redes sociais e até mesmo em artigos científicos em revistas especializadas é uma criação ocidental. Trata-se de um espaço de 7.200.000 km², com uma população de mais de 385 milhões de habitantes em 2017 – contudo, um espaço não-homogêneo.

É sempre importante relembrar disso, pois apesar de possuírem, em sua maioria, a mesma identidade étnica – árabe –, circundada por uma vasta e rica cultura, os países do “Oriente Médio” não são um grande espaço uniforme. Pelo contrário, são marcados por ampla diversidade cultural, social, política e econômica. Além disso, nesse “Oriente Médio” também estão inseridos países não-árabes, como Turquia e Irã.

O Brasil de Bolsonaro quis instrumentalizar a política externa para fazer dela um simples mascate internacional, no qual a única coisa que importava era quem dar mais. Suas ações retiraram o Brasil do debate sobre temas complexos da agenda global. Neste sentido, o Brasil abriu mão de linhas históricas de sua política externa em temas relevantes, a curto e a longo prazo, como as pautas de direitos humanos e assuntos sensíveis, como a questão palestina – tudo isso para agradar o capital internacional (principalmente norte-americano), que via nessa expressão da política de Bolsonaro uma demonstração de subserviência.

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Sob essa nova direção, o Oriente Médio ganhou outro status na política externa bolsonarista; no entanto, por motivos equivocados. O Brasil buscou, na parceria Sul-Sul entre 2019 e 2022, relações que não questionassem a postura isolacionista em temas centrais da política global, como direitos das minorias e meio ambiente. Assim, o alinhamento com países como Israel, Catar, Emirados Árabes Unidos e Bahrein tornou-se exemplo de uma inflexão na política externa brasileira que deixou de privilegiar aspectos políticos da região para priorizar fatores exclusivamente econômicos.

Sob a perspectiva comercial, que leva em consideração aspectos como população (tamanho e potencial do mercado consumidor) e território (riquezas naturais), o Oriente Médio é um mercado muito importante a ser ainda mais explorado pelo Brasil. Deste modo, as visitas de Bolsonaro ao longo de seu mandato à região tiveram como objetivo diversificar parcerias comerciais e investimentos diretos, tanto no Brasil quanto no Oriente Médio.  Sua agenda ganhou resultados no ano de 2022, na medida em que a região passou a importar cada vez mais produtos brasileiros, totalizando algo em torno de um crescimento de 53%, em comparação a 2021, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Essa política externa voltada para uma projeção econômica em mercados pouco explorados, entretanto, resultou em um abandono quase completo das diretrizes políticas para a região. Apesar de o Brasil não possuir, historicamente, uma política bem estruturada para o Oriente Médio, a diplomacia se pautava por uma postura concomitante com princípios fundamentais da República Federativa do Brasil para relações institucionais, dispostos nos artigos IV, VI, VII, VIII e IX – a saber, defesa da paz, solução pacífica de controvérsias, repúdio ao terrorismo e ao racismo e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

Desta maneira, o Brasil, com seu “patrimônio” diplomático no Oriente Médio – particularmente, com relação a palestinos e israelenses –, afastou-se imensamente de sua baliza histórica como agente mediador dos conflitos para reforçar uma política imperialista e excludente para a região. O país caminhou rumo oposto àquilo que deveria ser seu principal interesse no mundo árabe: o enfraquecimento das forças imperiais e estrangeiras, para que, livremente, os Estados e povos ali presentes possam se autodeterminar e solucionar, portanto, o cerne das querelas que envolvem as disputas no Oriente Médio. Tais resoluções de longo prazo possibilitariam ainda um eventual aprofundamento nas relações bilaterais com os agentes regionais.

Sob essa lógica, faz-se mister uma maior cooperação do Brasil principalmente com países como Iraque, Síria, Líbano e Palestina, para além das ajudas pontuais conduzidas em momentos de catástrofe, como foi no caso da explosão do porto de Beirute, relembre aqui, na qual a comunidade árabe-brasileira se sensibilizou para ajudar conterrâneos, ou quando a ONU intervém na região para promover missões de paz, como é o caso mais recente da UNIFIL – Força Interina das Nações Unidas no Líbano.

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O Brasil não pode abrir mão de promover uma agenda política em favor de uma agenda econômica, dada a sua relevância como agente capaz de promover o diálogo na região e além. É necessário compreender o “Oriente Médio” como muito mais do que um objeto de auxílio humanitário ou apenas lugar para promover o comércio internacional, ao entendê-lo como uma região irmã a qual sofre, historicamente, dos mesmos problemas que a América Latina.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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