Copa do Mundo: Seleção do Irã fica em silêncio durante o hino, apoia protestos

A seleção iraniana recusou-se a cantar seu hino nacional antes de sua primeira partida na Copa do Mundo de 2022, sediada no Catar, nesta segunda-feira (21), em solidariedade aos protestos de massa que tomaram o país desde a morte de uma jovem em custódia da polícia.

A manifestação de apoio sucedeu acusações de que a seleção iraniana estaria alinhada à brutal repressão do regime aos atos populares. As informações são da agência de notícias Reuters.

Protestos pela deposição da teocracia xiita tomam o Irã há dois meses, quando Mahsa Amini – cidadã curdo-iraniana de 22 anos – faleceu após ser detida por supostamente violar o rigoroso código de vestimenta islâmico.

Os jogadores mantiveram solenidade e silêncio enquanto tocava o hino, antes da partida contra a Inglaterra, no Estádio Internacional Khalifa, onde milhares de torcedores iranianos lotaram as arquibancadas. Alguns torcedores vaiaram, outros gesticularam repúdio.

A seleção iraniana de futebol é bastante popular na república islâmica, mas foi pega em meio à crise política às vésperas da Copa do Mundo. Ativistas questionaram se o evento internacional seria utilizado pelos atletas como plataforma de solidariedade ou propaganda do regime.

Protestos no Irã após jovem morrer em custódia da polícia [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

O Irã perdeu de 6 a 2 para a equipe inglesa, na disputa inaugural do Grupo B, que contém ainda País de Gales e Estados Unidos. A derrota, contudo, não bastou para rematar o entusiasmo dos torcedores iranianos, que tocaram tambores e cornetas durante todo o jogo.

Até a partida, nenhum atleta havia expressado apoio aos protestos. Os atos civis representam um dos maiores desafios à elite clerical em Teerã desde a Revolução Islâmica de 1979.

“Todos nós estamos tristes porque nosso povo está sendo morto no Irã, mas ficamos orgulhosos com a decisão de nossa equipe de não cantar o hino, pois o hino nacional não é nosso, mas sim do regime”, comentou um turista iraniano no Catar, em condição de anonimato.

Exaltada no passado recente, a equipe iraniana sofreu pressão para deixar a Copa do Mundo no país vizinho, como solidariedade a seus concidadãos.

Pouco antes de viajar a Doha, a seleção reuniu-se com o presidente linha-dura Ebrahim Raisi. As imagens dos atletas com Raisi – um dos atletas curvado à sua frente – viralizaram e deflagraram indignação nas redes sociais, à medida que os protestos continuavam a tomar as ruas.

“Estou em conflito”, afirmou Elmira, estudante universitária de 24 anos, em entrevista à Reuters por telefone, a partir de Teerã. “Amo o futebol, mas com a morte de nossos homens, mulheres e crianças em nosso país, penso que a seleção não deveria participar da Copa”.

“Não é a seleção do Irã, mas sim da república islâmica”, acrescentou a estudante.

Solidariedade

A agência HRANA confirmou que ao menos 410 manifestantes foram executados pela repressão no Irã, até o último sábado (19) – dentre os quais, ao menos 58 menores de idade.

Segundo estimativas, cinquenta e quatro membros das forças de segurança também faleceram. Calcula-se que 17.251 manifestantes foram presos e aguarda julgamento. As autoridades jamais corroboraram o número de óbitos.

“Eu sei que é o trabalho deles jogar futebol, mas com todas as crianças mortas no Irã, deveriam demonstrar solidariedade com seu povo”, observou Setareh, estudante do ensino médio de 17 anos, também por telefone, a partir da cidade de Urmia, no noroeste do país.

Turistas iranianos no Catar não esconderam sua solidariedade aos protestos. Alguns torcedores exibiram faixas com palavras de ordem, como “Mulher, Vida e Liberdade!”. Uma torcedora do Irã entoou durante a partida: “Liberdade ao Irã! Parem de matar nossas crianças”.

Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, uma torcedora iraniana que assistia o jogo em um telão comentou o jogo contra a Inglaterra e os momentos que o antecederam: “Perdemos feio, mas dou os parabéns à nossa seleção”.

Em Teerã, ainda indignados com o encontro com o presidente ultraconservador, manifestantes queimaram cartazes e materiais promocionais da equipe de futebol.

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Sara Masoudi, de 32 anos, cidadã iraniana no Catar, que trabalha em uma empresa de gestão de mídia, não obstante, minimizou os protestos. Segundo Masoudi, é “algo pequeno”, aumentado pela imprensa para prejudicar o regime.

Contudo, fotografias dos menores mortos pela violenta repressão viralizaram no Twitter: “Eles também amavam o futebol, mas foram assassinados pela república islâmica”.

Pejman Zarji, técnico esportivo de 38 anos, que viajou ao Catar para a Copa do Mundo, reiterou que a seleção iraniana pertence ao povo e não ao governo.

“Há sempre um componente político, não importa o que aconteça”, observou Zarji. “Há sempre algo que precisamos entender sobre o presente. A seleção é nossa; antes de qualquer governo, a seleção é do povo”.

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